Por Gabriel Margato

O ano de 2019 foi de continuidade e reforço da agenda federal de privatizações, concessões e parcerias com estatais, cujo objetivo é garantir o financiamento da expansão da infraestrutura do País nas situações em que os investimentos públicos são considerados insuficientes. Tudo indica que o movimento vai continuar e, a exemplo do que ocorreu no ano passado, os fundos de private equity aparecem como importantes partes interessadas. Mas esses fundos de fato estão aproveitando as oportunidades? O que limita uma participação mais ativa nos processos? Quais instrumentos ajudariam a mitigar os riscos relacionados a esse tipo de operação? Há ajustes necessários na legislação e na regulação?

Essas questões formaram o pano de fundo do encontro “Oportunidades em infraestrutura”, do Grupo de Discussão M&A e Private Equity. O evento, promovido pela CAPITAL ABERTO com o patrocínio do Machado Meyer Advogados, contou com a participação de Pedro Henrique Jardim, sócio do escritório; Carlos Braga, senior advisor do fundo de infraestrutura da Monte Equity Partners; Christian Gamboa, sócio e líder do setor de private equity da PwC Brasil; Raul Donegá, líder do grupo de pesquisas em finanças e mercado de capitais do Projeto Infra2038; e Valentina Abu Kessm, vice-presidente da Duff & Phelps. Confira a seguir os destaques do debate.

Contexto do investimento em infraestrutura

CAPITAL ABERTO: Qual é o cenário atual do Brasil para quem pretende investir em infraestrutura?

Pedro Henrique Jardim: O contexto é de um novo governo, que tem uma visão diferente do anterior. Os investimentos em infraestrutura são um ponto importante de atenção, porque sempre geram repercussão na mídia, com falas do presidente e dos ministros. Não só a infraestrutura, mas também as privatizações de forma geral. Além disso, há o cenário de juros estruturalmente baixos, que fomenta o investimento em atividades produtivas.

CAPITAL ABERTO: Que papel o BNDES desempenha hoje nesse ambiente?

Jardim: Antes, o BNDES era acompanhado sempre com atenção. Quem tinha interesse em investir queria saber como seria o funding e como conseguiria acesso a recursos do BNDES. Quem quisesse financiar projetos no Brasil precisava saber como competir com o BNDES e se haveria espaço para isso. Nos últimos anos, a participação do BNDES no funding dos projetos tem sido reduzida, um movimento que está consolidado e que até já é uma política. Atualmente, o BNDES tem o interesse de se manter como um ente de análise dos projetos e como um provedor de chancela da qualidade dos projetos. Com esse papel um pouco diferente do BNDES, há uma maior perspectiva de participação proporcional do mercado de capitais. E os resultados disso são uma redução do dinheiro dentro do BNDES e o fato de a própria iniciativa privada estar participando mais desses projetos.

Investimento de private equity neste cenário

CAPITAL ABERTO: Os fundos de private equity se encaixam de que maneira nesse contexto?

Jardim: Alguns fatores fazem com que a análise de projetos de infraestrutura por fundos de private equity seja um pouco diferente daquela feita por outros players mais tradicionais do setor — principalmente no Brasil, que tem especificidades quando comparado ao mercado internacional. Existe um interesse do fundo de private equity de fazer um investimento de prazo curto. Ouve-se muito que em até cinco anos o investidor quer recuperar aquele investimento para partir para outro, tendo grande parte da sua remuneração oriunda de sua própria capacidade de melhorar aquele ativo. Isso afeta muito a análise jurídica que fazemos no dia a dia, porque existe uma preocupação maior com fatores como a liquidez do ativo no futuro, as possibilidades de saída e os riscos relacionados à chance de se vender aquele ativo em um prazo curto.

Papel do governo no fomento a investimentos

CAPITAL ABERTO: O que o governo já fez e está fazendo para fomentar mais investimentos na infraestrutura?

Jardim: Em 2019 notamos uma grande preocupação do governo e das agências reguladoras com assuntos relacionados à infraestrutura e aos investimentos no setor. A própria Lei da Liberdade Econômica, apesar de ter alguns dispositivos de aplicação não imediata, já produz, na prática, alguns argumentos baseados em seus princípios. Entre os itens que estão em discussão destaco o marco legal do saneamento básico, que ainda não saiu, mas que é muito esperado pelos investidores. Também vale mencionar a Lei Geral de Concessões, que facilitaria investimentos ao levar as agências reguladoras a unificar o entendimento acerca da interpretação das leis aplicadas, o que reduziria os custos das transações. Hoje, há certos pontos que são controversos para uma agência mas que não são para outra, o que leva o mercado a olhar jurisprudências e precedentes específicos. Por isso, seria muito mais produtivo se a interpretação da lei fosse mais consolidada e unificada.

Atuação dos fundos no setor de infraestrutura

CAPITAL ABERTO: Considerando esses movimentos, como tem sido a atuação dos fundos na área de infraestrutura?

Christian Gamboa: Pela primeira vez há um cronograma claro dos projetos, e cumpridos corretamente, o que dá uma certa segurança para os investidores institucionais. Hoje, os projetos são discutidos com os órgãos reguladores de maneira antecipada, com estudos aprofundados. Isso gera uma visibilidade maior dos projetos que vão a mercado. E, no geral, há dois perfis de fundo: os que já têm uma atuação forte em infraestrutura e os que estão olhando o setor para financiar os operadores. Um dos nossos papéis é justamente fazer esse casamento entre o capital e o operador. E, cada vez mais, existem fundos que começaram a olhar o setor de infraestrutura por uma questão de volatilidade de sua carteira total. Como os fundos de private equity buscam retornos maiores, ao comprarem ativos de infraestrutura eles reduzem a volatilidade da carteira como um todo.

CAPITAL ABERTO: Por que os fundos de private equity ainda não investem tanto em infraestrutura no Brasil?

Carlos Braga: Faz muito sentido investir em infraestrutura. Ainda mais em um mundo que está entrando num ciclo de juros muito baixos, inclusive no Brasil. Mas isso acaba não acontecendo porque é um negócio que exige skills. Ao se planejar uma estrada ou um aeroporto, independentemente da questão regulatória, é preciso lidar com atrasos, variáveis e dificuldades de implementação. Isso exige um grande nível de dedicação, para que se possa oferecer conforto aos investidores com projetos bem estruturados. O Brasil vem melhorando, com bons cronogramas e mais conforto dos investidores com os aspectos legais que estão sendo montados. Já há projetos bem estruturados no Brasil, como os de energia, uma joia brasileira. Depois da grande crise do apagão [racionamento de energia de 2001], criou-se um arcabouço para o setor, com profissionais qualificados e muitos estudos. É um segmento que hoje tem recursos e dá tranquilidade a investidores e a operadores.

CAPITAL ABERTO: Há investimentos para todos os tipos de private equity? Quais categorias de projetos estão disponíveis atualmente para os investidores?

Braga: O Brasil investiu em muitos projetos que ficaram no meio do caminho. Então, há desde os novos leilões até oportunidades de compra do que se conhece como “brownfields”, que são projetos iniciados, mas que foram mal conduzidos ou que tiveram problemas regulatórios. Assim, existe um estoque de oportunidades, não apenas de ativos do PPI [Programa de Parcerias de Investimentos]. Alguns fundos de private equity estão se posicionando para entrar em leilões e participar das novas rodadas, enquanto outros estão olhando também ativos existentes. Tem dinheiro para diversos bolsos e diversos apetites. Não faltam recursos para bons projetos, sejam os novos que vierem bem estruturados ou aqueles que são precificados adequadamente ao serem colocados no mercado.

Ajustes entre governo e investidores

CAPITAL ABERTO: Em meio a tantos interesses, como é possível atender os interesses de investidores e do governo ao mesmo tempo?

Gamboa: Sinceramente, é impossível agradar todo mundo. Não dá para ter regras dos marcos regulatórios que atendam necessidades do investidor institucional internacional, do nacional e do operador. Então, o que está sendo feito é olhar como os projetos foram feitos no passado, aprender com os erros e tentar endereçar aqueles pontos que deram mais dor de cabeça. Ao endereçar alguns desses pontos, o País já mostra que aprendeu com os erros do passado, que está tentando melhorar o processo, o que deixa o investidor mais seguro. Além disso, as rodadas de conversa que o governo federal e até alguns governos estaduais têm feito permitem que sejam propostas melhorias baseadas na opinião dos investidores.

CAPITAL ABERTO: Existe projeto perfeito? Ou ele sempre vai precisar de ajustes?

Raul Donegá: Trabalhei em vários projetos de infraestrutura. A concepção do projeto nunca vai ser perfeita porque, como tudo na vida, não há como garantir que aquele projeto vai seguir adiante da maneira prevista. Pode existir uma modelagem equivocada, como ocorreu em um recente caso de aeroportos. Além de o modelo estar errado, as pessoas tinham outros interesses que não eram necessariamente operar a concessão. Como o projeto vai enfrentar situações de variação, é preciso que haja mecanismos que possibilitem o ajuste de curva. Mas o problema é que o Brasil não tem esses mecanismos em algumas concessões. E isso depende de como cada uma das agências reguladoras opera.

Controle de riscos

CAPITAL ABERTO: Quais são as melhores formas de mitigar riscos e atrair mais investidores para a infraestrutura no Brasil?

Valentina Abu Kessm: Toda situação tem que ser estudada cuidadosamente. O estudo de demanda tem que ser bem feito e analisado. E o contrato precisa estar adequadamente estruturado, para que os mecanismos de reequilíbrio sejam claros. Com as regras bem elencadas, os investidores sentem a confiança de que precisam para entrar nesse tipo de operação. A modelagem financeira como um todo é muito importante e, atrelada ao estudo de demanda, aumenta a viabilidade dos projetos. Então cada investidor identifica as melhorias que consegue propor dentro daquele projeto básico.

Jardim: Muito importantes para investimentos de longo prazo são estabilidade e previsibilidade — talvez mais do que mudar a regulação e a lei. Para quem é novo no mercado ou para um investidor estrangeiro, primeiramente há uma fase de conhecimento dos aspectos legais que vão se aplicar àquela estrutura específica que está olhando. E, na sequência, vem o processo do detalhamento, em que se procura riscos e se questiona advogados sobre o que aconteceria no caso de um risco se materializar. Muitas vezes não conseguimos dar uma resposta firme, porque não existe um precedente ou porque a lei não é clara. Mas, de uma forma geral, se há previsibilidade há segurança para o investidor, mesmo que a resposta seja negativa. Em vários países, os projetos têm regras de estabilização e investimento, principalmente na área de recursos naturais, que envolve uma dificuldade maior de previsão de receita.

Donegá: Já participei de licitações que tive que abandonar por sentir que era o melhor a se fazer. Às vezes, mais importante não é a prevalência no preço, mas sim na técnica. Mas esse é um campo muito subjetivo, para dizer quem é mais capacitado ou se quem tem o menor preço tem capacidade de entregar. Existem até tem alguns critérios objetivos, como os de licitação simplificada ou os do próprio BNDES para pregões eletrônicos. Mas, de fato, há empresas que não têm a capacidade necessária desenvolvendo o projeto e quando ele vai para rua começa a apresentar problemas. São projetos mal concebidos ou com conflitos de interesses. É muito difícil abordar esse tema sem que haja uma mudança no mindset e na legislação. E se não mudar a legislação e o modelo seguir adiante, será necessário resolver o problema durante a execução, o que demandaria mecanismos de variação dentro do contrato. O grande problema hoje é que o projeto quebra por não ter esses mecanismos.

Regulação para o investimento em infraestrutura

CAPITAL ABERTO: Em que medida mudanças na regulação e na legislação podem ajudar a atrair mais investimentos para o Brasil?

Jardim: Historicamente, há no Brasil uma defasagem entre legislação, regulação e interesse de mercado. A Constituição sempre se preocupa com a defesa do interesse público. Ao longo do tempo, alguns ajustes na legislação flexibilizaram regras, principalmente permitindo a entrada e a saída de investidores, mas que nem sempre são refletidas em todos os contratos. Então, para se conseguir criar um ambiente mais adequado para permitir a saída do investidor, seriam necessários talvez alguns ajustes que deem tranquilidade aos investidores.

Braga: Há muito dinheiro no mundo que está atrás de boas políticas de governança social. Hoje, o recurso lá fora busca não apenas um retorno financeiro, mas também um impacto socioambiental. E temos esse novo ângulo, em que o Brasil é um candidato natural para receber recursos com esse tipo de demanda por retorno. Então precisamos não apenas replicar bons exemplos, mas trabalhar junto aos órgãos competentes para ajudar a viabilizar esses projetos. Temos uma boa combinação de fatores que nos animam a continuar na luta para arredondar o modelo regulatório.

Kessm: Através dos leilões eletrônicos, a legislação acaba beneficiando quem tem um preço baixo, mas que não necessariamente garante a qualidade. Mas, dentro da lei, há possibilidades de contratação que podem estabelecer uma pré-qualificação que exija esse nível de qualidade antes mesmo de uma guerra de preços. Isso pode tornar o processo mais demorado, na contramão da pressa que o governo tem para jogar todos esses projetos na rua. Mas tem gente boa no mercado interessada em fazer projetos com qualidade e a gama de projetos é enorme. Existe muita oportunidade daqui para frente e muito investimento necessário. Então o momento agora é bom para o Brasil e para os investidores que estão com apetite para entrar nessa onda.

Capital Aberto
https://capitalaberto.com.br/secoes/reportagem/infraestrutura-na-lista-de-interesses-do-private-equity/
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