Desde o momento em que a Lei das S.A. passou a admitir a possibilidade dos estatutos sociais das companhias preverem cláusula compromissória para instituir a arbitragem como meio de resolução de conflitos (art. 109, §3º, da Lei das S.A.), as cláusulas arbitrais estão cada vez mais frequentes nos atos constitutivos das sociedades. Porém, com o aumento da utilização de tal mé- todo, diversas discussões doutrinárias surgem acerca da eficácia e da extensão de referidas cláusulas arbitrais, principalmente quanto à obrigatoriedade de um acionista minoritário se submeter a uma cláusula arbitral, ainda que não tenha votado a favor de sua inserção no estatuto social da companhia.
Deste modo, o acionista teria seu direito de acesso à justiça limitado, contra sua vontade, a partir do momento da previsão de uma cláusula arbitral, tendo o Poder Judiciário sua competência reduzida para dirimir conflitos que envolvam as partes sujeitas à arbitragem. Outro ponto controverso diz respeito aos acionistas que aderirem ao quadro social de companhia que já preveja a arbitragem em seu estatuto social.
Estaria tal acionista vinculado à referida cláusula? Tal discussão se dá ainda em companhias abertas, nas quais os investidores dificilmente tomam conhecimento dos estatutos sociais no momento da compra das ações.
Nesse caso, embora grande parte dos investidores da bolsa de valores não consulte o estatuto social antes de adquirir as ações de certa companhia aberta, é importante dizer que o estatuto social está sempre disponível para consulta. Assim, não parece razoável admitir que um investidor que adquiraações de uma companhia aberta possa eleger as cláusulas as quais deseja vincular-se, uma vez que ao adquirir as ações, o investidor está automaticamente aderindo a todos os direitos e obrigações vinculados àquelas ações, que, por sua vez, são regulados pelo estatuto social da companhia.
Acerca do assunto, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) resolveu, em agosto de 2012, emitir uma consulta pública (Portaria JUCESP nº 17), a qual dispõe que o estatuto social de companhia que estabeleça arbitragem como forma de resolução de conflitos, só poderá ser registrado se aprovado por todos os acionistas.
Desta maneira, a JUCESP rechaça uma presunção absolutamente legítima quanto à adesão aos termos do estatuto e, portanto, a aceitação da cláusula arbitral, por aqueles que adquirirem ações na bolsa. Tal posicionamento fomentou ainda mais a polêmica acerca do tema, sob a alegação de que a JUCESP não deveria ter ultrapassado suas competências. Vale ressaltar, ainda, que a Lei das S.A. proíbe a imposição de quorum supermajoritário em companhias abertas, além das hipóteses já previstas.
Doutrinadores também sustentam que seria ilógico que a JUCESP exigisse delibera- ção unânime, uma vez que a legislação societária não criou nenhuma exceção ao princípio pela qual é regida, qual seja o princípio majoritário. Referida decisão da JUCESP é precipitada, considerado o cenário atual da arbitragem no Brasil, já que o procedimento arbitral é cada vez mais bem visto pelas companhias brasileiras e por seus acionistas.
Reflexo disso é a exigência da inclusão do compromisso arbitral para obtenção dos níveis diferenciados de governança corporativa da BM&FBovespa (o Novo Mercado, o Nível 2 e o Bovespa Mais). A necessidade de aprovação unânime para previsão da arbitragem nos estatutos sociais, afastando a presunção de aceitação por parte de um investidor, aumentaria o nível de insegurança de uma companhia que estipula o compromisso arbitral em seu estatuto, uma vez que a aceitação de todos seria inviável. Mais do que isso, tal posicionamento limita o acesso das companhias aos níveis diferenciados de governança corporativa, indo na contramão do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.