Embora tenha aplicação reconhecida no ordenamento jurídico do país há muitos anos, o instituto do negócio jurídico processual (NJP) teve sua adoção formalizada e sistematizada apenas com o novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/15 – CPC).

Sob a perspectiva da autonomia da vontade, o caput do artigo 190 do CPC dispõe expressamente, nas causas que versam sobre direitos que admitam autocomposição, ser lícito às partes capazes estipular alterações no procedimento, para ajustá-lo às especificidades do conflito e convencionar sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, de forma preparatória ou incidental.

Nas palavras de Fredie Didier Junior,[1] o NJP é “o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se reconhece ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento”. Adriana Buchmann define o NJP como “instrumento do instrumento”, na medida em que se trata de uma espécie de “acordo celebrado em meio a discórdia, mas não enquanto equacionamento desse, e sim com o fito exclusivo de organizar os termos em que a lide se processará”.

A partir do momento em que é celebrado, desde que lícito, preciso e determinado, independentemente de qualquer homologação judicial, o NJP já produz seus regulares efeitos. Na realidade, no NJP, “a avaliação judicial se dá depois de consumado o negócio processual, não se apresentado como requisito de seu aperfeiçoamento, mas tão somente de verificação de sua legalidade”.[2]

Por ser instrumento decorrente da autonomia da vontade das partes, o NJP não é sujeito a juízo de conveniência do estado-juiz. Tanto assim que o parágrafo único do artigo 190 do CPC dispõe que os termos do NJP somente terão sua aplicação impedida “nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. A interferência do Poder Judiciário, de acordo com o CPC, somente seria possível nessas hipóteses.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou esse entendimento ao julgar o REsp nº 1.810.444/SP, em trâmite na 4ª Turma sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão. Estabeleceu-se que, “quando estiverem em jogo faculdades e interesses exclusivos das partes, caberá ao juiz interferir apenas para controle de sua legalidade”. E concluindo: “se, porém, de alguma forma, a convenção importar restrição ou condicionamento à situação jurídica do juiz, é intuitivo que o negócio só se aperfeiçoará validamente se a ele aquiescer o próprio juiz”.

O STJ desproveu o recurso especial interposto, fundamentando que o objeto do NJP transcenderia os limites para os quais o instituto foi concebido. Naquele caso, as partes convencionaram que, se ocorresse inadimplência de uma dívida certa, “a credora estaria autorizada a obter liminarmente o bloqueio dos ativos financeiros da parte devedora, ‘em caráter inaudita altera parte e sem a necessidade de se prestar garantia’”.

A 4ª Turma do STJ, mantendo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), desproveu o recurso especial por entender que a matéria objeto do NJP versava sobre o diferimento do contraditório para um momento posterior à análise e enfrentamento da cautelar de indisponibilidade de bens, o que, ao menos em tese, soaria como uma afronta direta aos poderes e atos inerentes ao magistrado, entre eles o poder geral de cautela.

 

[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: JusPodivm, 2018, pág. 439.

[2] THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. v. 1. 59. ed. (2. Reimp.) rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 502.