Com as recentes inovações tecnológicas transformando o setor de saúde tanto no Brasil quanto no mundo, é possível identificar um maior acesso a cuidados médicos, mas também o surgimento de novos desafios para os profissionais do ramo. Nesse cenário, é fundamental entender o conceito de saúde digital, definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “o uso seguro e com positivo custo-benefício das Tecnologias da Informação e da Comunicação para dar suporte à saúde e campos relacionados, o que inclui prestação de serviços, vigilância, literatura, educação, conhecimento e pesquisa na área”. A saúde digital, portanto, engloba desde a telemedicina até o uso de aplicativos de saúde, inteligência artificial e monitoramento remoto de pacientes.

A digitalização dos serviços de saúde proporciona oportunidades de redução de custos e de melhora na eficiência e na qualidade do atendimento, mas o tema ainda enfrenta obstáculos referentes à regulamentação e à proteção de dados, principalmente no que diz respeito à evolução regulatória.

No Brasil, o marco regulatório da saúde digital foi solidificado com a Lei 13.989/20, posteriormente revogada pela Lei 14.510/22, que representou um avanço significativo ao legitimar a telemedicina como uma modalidade reconhecida de prestação de serviços de saúde. Essa legislação permite a realização de teleconsultas, telemonitoramento, teleinterconsulta e outras formas de atendimento remoto.

Posteriormente, a Resolução 2.314/22 do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu diretrizes de segurança e proteção de dados na condução dessas práticas. No entanto, o uso de tecnologias emergentes carece de tratamento, o que se vê pela Resolução Normativa 465/21 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Embora essa norma regulamente o uso off-label de tecnologia em saúde – ou seja, para aplicações além das indicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – ela não aprofunda sua abordagem em relação às nuances do modelo.

O novo paradigma exigiu ainda adaptações nas práticas e políticas internas das seguradoras de saúde, que consistiram em ampliações do escopo de cobertura com o intuito de garantir uma relação de transparência com o consumidor. Isso se mostrou relevante, como apontou uma pesquisa do Instituto Datafolha realizada em 2023. Segundo o levantamento, quase metade das pessoas entrevistadas não compreendia bem o funcionamento dos planos de saúde, mesmo sendo beneficiárias. Além disso, mais de 40% dos clientes das operadoras admitiram não realizar uma leitura atenta dos contratos com elas firmados.

Também foram identificados impactos na proteção de dados de pacientes, com a necessidade adotar tecnologias seguras e estabelecer uma responsabilidade compartilhada entre médicos, desenvolvedores de aplicativos e prestadores de serviços. Esse modelo busca orientar os usuários sobre seu papel no uso de produtos ou serviços de saúde digital.

Nesse contexto, o alinhamento do marco regulatório da saúde digital com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é fundamental, pois classifica os dados de saúde como sensíveis, garantindo maior proteção devido à extensão dos possíveis danos decorrentes de uma violação. Para cumprir a lei, as operadoras de saúde vêm adotando medidas de segurança como a implementação de sistemas de criptografia avançada, protocolos de segurança, treinamentos e revisão de contratos para inclusão de cláusulas protetivas de dados sensíveis.

Em conformidade com o princípio da transparência da LGPD, é exigido também o consentimento explícito, informado e inequívoco dos titulares dos dados coletados. Isso obriga as operadoras a revisar seus processos de coleta e tratamento de dados, a fim de alinhá-los com as diretrizes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e respeitar a legítima expectativa do titular.

No entanto, é importante que os consumidores também fiquem atentos. A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou, no ano passado, o entendimento de que, para haver indenização por vazamento de dados, é necessário comprovar que houve prejuízo real. Não se pode presumir a ocorrência de danos morais.

Apesar dos desafios, o novo cenário oferece às operadoras de planos de saúde a oportunidade de assumirem uma posição de liderança em inovação e proteção de dados, ao fornecerem novas soluções e estreitarem seu relacionamento com os clientes. Isso deverá ser construído com base na confiança, por meio de uma comunicação clara sobre as medidas de proteção dos dados pessoais adotadas e do compromisso com a privacidade e a segurança.

Nesse contexto, as operadoras de planos de saúde devem ficar atentas às novas exigências regulatórias para buscarem vantagem competitiva no mercado e orientar adequadamente o desenvolvimento de novas modalidades de atendimento e soluções para os problemas dos clientes. O conhecimento do cenário regulatório e das exigências de proteção em relação aos dados do consumidor será crucial para esse sucesso.