Por Guilherme AndersNo final do ano passado, foi promulgada uma nova lei regulando o serviço de televisão por assinatura, a chamada Lei do SeAC (Serviço de Acesso Condicionado). Constitucional ou não, essa lei, entre outros aspectos de interesse mais regulatório, uniformizou as regras para os serviços a cabo e por satélite, abriu esse mercado às empresas de Telecom e criou cotas de tela para a exibição de produções nacionais e independentes em praticamente todos os canais, inclusive os estrangeiros.O regulamento veio com o intuito de promover a indústria nacional do audiovisual e a divulgação de nossa cultura, exigindo um numero mínimo de canais nacionais nos pacotes oferecidos aos assinantes para atender a reivindicação histórica dos produtores de cinema e TV. Há mais de dez anos a Ancine (Agência Nacional do Cinema), vem trabalhando no refinamento de mecanismos de fomento à produção, distribuição e exibição de obras audiovisuais brasileiras. Com a nova lei, estima-se que a média de R$ 280 milhões que as produções brasileiras injetam nesse mercado deva dobrar em função, exclusivamente, de incentivos fiscais que virão dos impostos das Telecoms (dinheiro público injetado na economia privada).Anualmente, entre 80 e 100 longas-metragens são produzidos com recursos públicos e cerca de 10% deles são lançados no circuito comercial de salas de cinema. Apesar do movimento de espectadores ainda ser abaixo do desejado, esse investimento governamental vem dando resultado: a qualidade de nossas produções cresce consistentemente, assim como o seu público.A Lei do SeAC determinou que três horas e meia da programação dos canais (excluídos basicamente os canais esportivos, de televendas, religiosos e de notícias) deverá ser ocupada, durante o horário nobre, por produções nacionais e independentes – a cota de tela. Na regulamentação proposta, a Ancine pretende ampliar essa exigência legal determinando que, além da produção, os direitos sobre essas obras brasileiras e independentes sejam controlados, conforme o caso, por empresa ou indivíduo brasileiro, ou pelo produtor nacional, subtraindo dos próprios produtores os direitos de livre dispor de seu trabalho.À primeira vista, parece que a Ancine quer resguardar os direitos dos produtores, mas não é isso o que ocorre. Como resultado direto, essa regulamentação torna inviável a venda de uma obra de propriedade de um produtor/autor nacional a um estrangeiro, mesmo que esse estrangeiro pague mais. Se alguém, não brasileiro, adquirir do produtor os direitos sobre um filme, essa obra não servirá mais para efeito de cumprimento da cota de tela e seu valor de mercado fica reduzido. Além disso, nenhum canal gastará mais do que o mínimo necessário para licenciar e promover uma obra nacional, pois não terá controle sobre o fruto desse seu investimento no futuro. A Ancine não permite ou não cumpre a cota.Se o investidor não pôde controlar esses direitos – através da venda dos DVDs ou distribuição em Internet, TV aberta, TV por Assinatura, licenciamento de produtos e personagens, sequências, enfim, através da exploração integral das possibilidades que surgem da existência (e do sucesso) da obra audiovisual, não vai simplesmente comprometer seu patrimônio nessa produção, vai colocar o dinheiro onde faça mais sentido.Na realidade, a Ancine, no intuito de fomentar o mercado e a cultura, está no mínimo restringindo os autores de disporem de suas obras (contra a Lei e a Constituição) e está colocando em risco todos os avanços conquistados com os investimentos da Lei do Audiovisual. Os autores têm assegurado pela Constituição Federal o direito inalienável de usar e fruir de suas obras. A Lei dos Direitos Autorais é literal em dizer que o Estado não tem domínio sobre as obras realizadas e a interferência pretendida pela Ancine é muito mais maléfica do que protecionista.Por fim, os canais internacionais, que têm sido os maiores fomentadores de nosso cinema e TV, destinarão os recursos que dispõe via Lei de Incentivo para a realização de obras de menor relevância (como já esta ocorrendo devido a regulamentos – igualmente inconstitucionais – que a Ancine já impõe) e a cota de tela será apenas cumprida.Quantos aos pacotes de televisão, eles provavelmente vão ficar mais caros ou até menos atrativos. Os canais internacionais vão ter que customizar sua programação pan regional exclusivamente para o cumprimento das cotas no Brasil, e os canais brasileiros terão que ser artificialmente criados e vendidos, quer o consumidor os queira ou não.Guilherme Anders é sócio do escritório Machado Meyer Sendcz Opice Advogados.(Revista Consultor Jurídico 17.03.2012)(Notícia na íntegra)