A ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional ADPF 323 já pode ser incluída em pauta para julgamento do pleno do STF, diante da liberação do processo pelo relator Gilmar Mendes.

Ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), a ação tem por objeto a declaração de ilegitimidade e de inconstitucionalidade da interpretação jurisprudencial consubstanciada na Súmula 277 do TST, na versão atribuída pela Resolução 185/12.

Em sentido diametralmente oposto à interpretação que vinha sendo dada pela Justiça, o TST editou a Súmula 277, em 2012, para dizer que as condições de trabalho previstas em cláusulas normativas se incorporam ao contrato individual de trabalho até que venha a ser firmado novo acordo ou convenção coletiva. A nova interpretação exprime o entendimento de que as normas coletivas têm ultratividade, princípio este que já vigorou no Brasil por previsão expressa na Lei n. 8.542/92, mas que foi abolido do plano jurídico nacional, quando a MP n. 1.709, convertida na Lei n. 10.192/01.

Argumenta o TST que, a nova redação do artigo 114, § 2º da Constituição, dada pela grande Emenda Constitucional 45 de 2004, que marcou a reforma do Judiciário, emprega a continuidade das normas coletivas ao prever que a Justiça do Trabalho ao julgar dissídios coletivos deve respeitar as normas anteriormente convencionadas, como se “em repetição”.

Contudo, referida mudança de posicionamento do TST se deu de modo repentino, inesperado e inusitado, somente em 2012, quase dez anos após a Emenda Constitucional, e em cenário de completa ausência de precedentes jurisprudenciais (decisões anteriores) adotando o novo entendimento, criando instantaneamente um enorme passivo trabalhista para as empresas, que não havia sido contabilizado, gerando mais uma vez uma enorme insegurança jurídica a toda sociedade.

Na ADPF, alega-se que a alteração da Súmula 277 viola o princípio da separação dos poderes (art. 2º, 60, §, III, CF), na medida em que o Poder Judiciário teria avocado para si a função do Legislativo, sem o debate público e todos os trâmites e as garantias, passando, por conta própria, a ditar não apenas norma, mas os limites da alteração que criou, elegendo quem por ele seria beneficiado e prejudicado. Afirma-se, ainda, que houve descumprimento do preceito da legalidade (art. 5º, caput, da CF) e da supremacia dos acordos e das convenções coletivas de trabalho (art. 7º, inciso XXVI, da CF).

Em outubro de 2016, convencido do descumprimento de preceitos fundamentais, o ministro Gilmar Mendes deferiu medida liminar, ad referendum do Pleno do STF (art. 5º, § 1º, Lei 9.882/1999, determinando a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos de decisões judiciais proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho que versem sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e convenções coletivas, sem prejuízo do término de sua fase instrutória, bem como das execuções já iniciadas.

O ministro salientou que as propostas de anulação dos acordos e das convenções coletivas do trabalho, na parte em que supostamente interessa ao empregador, mantidos os ônus assumidos no que diz respeito ao trabalhador: a) levam ao desestímulo a negociação coletiva, enfraquecendo os próprios sindicatos de trabalhadores; b) estimulam o empregador a dispensar os empregados que tenham cláusulas coletivas incorporadas aos seus contratos de trabalho, a fim de admitir outros, com benefícios inferiores; c) estimulam o aumento de dissídios coletivos; d) desestimulam a concessão de vantagens por parte do empresariado, porque podem vir a ser incorporadas ao contrato de trabalho definitivamente.

Essa decisão reafirma a tendência da jurisprudência do STF (RE 590.415-RG; ADI 4364; RE 895.759) de prestigiar a negociação coletiva, reforçando a prevalência constitucional do negociado em acordos e em convenções coletivas de trabalho, com amparo, ainda, nos princípios do pacta sunt servanda e da lealdade negocial.

A liminar concedida pelo ministro traz alívio às empresas para que possam se organizar e estudar os seus eventuais passivos, caso o pedido da ADF não seja acolhida, mas não resolve o principal problema futuro que há muito vem se discutindo: a limitação do poder normativo e a interferência do judiciário nas relações sindicais. Até onde havíamos entendido, os debates para a promulgação da Emenda Constitucional eram para estimular a negociação e diminuir a interferência do Estado.