RECURSO ESPECIAL 1.990.962/RS – MIN. NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: STONE INSTITUIÇÃO DE PAGAMENTO S.A

RECORRIDO: LAGHETTO HOTEIS LTDA

TESE: A 3ª Turma no STJ reconheceu por maioria (4x1) que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplica à relação entre empresas de máquinas de cartão de crédito e lojistas, nos termos do voto divergente da ministra Nancy Andrighi. Em seu voto, a ministra destacou que o lojista-empresário, ao optar pela proposta que considera mais vantajosa, decide com quem vai negociar e, a partir dessa escolha, assume o risco do negócio, o que inclui a possibilidade de inadimplência daquele com quem contratou. Restou vencido o relator, ministro Humberto Martins, que tinha votado pela aplicabilidade do CDC por entender que o lojista é dependente e vulnerável em relação às empresas de máquinas de cartão.

EMENTA: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PERDAS E DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. ARRANJO DE PAGAMENTOS. LOJISTA, CREDENCIADORA E SUBCREDENCIADORA. RELAÇÃO DE CONSUMO. AFASTADA. CONTRATOS INTEREMPRESARIAIS. SOLIDARIEDADE NÃO PRESUMIDA. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. (...) 4. As empresas em litígio participam de complexa cadeia de relacionamento e integram o denominado arranjo de pagamento (art. 6º, I, da Lei n. 12.865/2013). Nessa multifacetada relação existem atores importantes e que, não raramente, estão “ocultos” à nossa percepção e conhecimento quotidianos, quais sejam: (I) portador ou titular; (II) emissor; (III) bandeira; (IV) credenciadora; (V) subcredenciadora ou facilitadora de pagamentos; e (VI) lojista ou fornecedor de produtos e serviços. 5. De maneira sintética: (I) o portador, titular ou usuário representa aquele que porta determinado instrumento de pagamento (cartão pré-pago, de crédito ou de débito) e que se vale desse aparato para movimentar o sistema financeiro por meio de suas compras; (II) o emissor ou banco é o responsável pela emissão dos cartões (instrumentos de pagamento) e por oferecer o crédito ao portador; (III) a bandeira é quem interliga os participantes, institui as regras do sistema de pagamentos e fiscaliza as transações realizadas; (IV) a credenciadora é quem realiza a filiação dos lojistas para que aceitem cartões como meio de pagamento, a captura das compras por meio dos terminais de venda (“point of sale” ou “maquininhas”), a comunicação da autorização, bem como a realização da liquidação na data contratada; (V) as subcredenciadoras ou facilitadoras de pagamento foram introduzidas posteriormente na cadeira de pagamento e correspondem às empresas, de contratação opcional, que atuam na captação das transações e credenciamento de lojistas e profissionais liberais; e (VI) o lojista é o estabelecimento comercial que aceita os cartões como meio de pagamento de produtos a fim de subsidiar sua atividade empresária. 6. Em linhas gerais, quando o portador ou usuário realiza determinada transação econômica por meio do cartão, o dinheiro segue o seguinte fluxo: o banco emissor do cartão envia o montante à bandeira, a qual repassa à credenciadora, que, por sua vez, remete à subcredenciadora – quando existente – ou diretamente ao lojista. Em todas essas etapas são efetuados descontos a título de remuneração pelos serviços prestados. 7. Segundo a jurisprudência desta Corte, afasta-se a incidência da norma consumerista quando os negócios jurídicos celebrados entre as partes são destinados ao fomento da atividade empresarial. Na espécie, não se pode ignorar que, no mercado de meios eletrônicos de pagamentos, os lojistas se valem do serviço prestado pelas credenciadoras e subcredenciadoras a fim de incrementar seus lucros e com a pretensão de facilitar e concentrar a arrecadação do crédito, o que afasta, por decorrência lógica, a incidência do conceito de consumidor, ainda que mitigada a Teoria Finalista. 8. Também não se pode acolher a tese de vulnerabilidade do lojista- empresário, o qual analisa os participantes dessa cadeia e escolhe entre duas opções: (1ª) se prefere se relacionar, diretamente, com apenas uma credenciadora e suas bandeiras ou (2ª) se prefere dialogar com uma subcredenciadora que operará com mais credenciadoras e com mais bandeiras, ampliando o espectro de pagamento com cartões. O lojista-empresário, ao optar pela proposta que considera mais vantajosa, decide com quem vai negociar e, a partir dessa opção, assume o risco do negócio – dentre os quais se inclui a inadimplência daquele com quem contratou. 9. Acrescente-se que dessa relação jurídica complexa se originam diversos contratos: (1) contrato de emissão de cartão, celebrado entre o banco emissor do cartão de crédito/débito e o portador do cartão (usuário); (2) contrato de aquisição de bens ou serviços, celebrado entre o lojista e o portador do cartão (usuário); (3) contrato de credenciamento, realizado entre o lojista e a credenciadora OU a subcredenciadora; e (4) contrato entre a credenciadora e a subcredenciadora, visando a maior difusão dos cartões de pagamento na economia. 10. Em que pese a complementariedade desses contratos para o adequado funcionamento do sistema de pagamentos com cartões, trata-se de contratos distintos e independentes, estabelecidos por meio de relações interempresariais entre pessoas jurídicas diversas. Com exceção dos negócios jurídicos realizados pelo portador (usuário), os demais contratos são estabelecidos entre sociedades empresárias com a finalidade de incrementar e aprimorar seus próprios serviços e rendimentos. Cada instituição possui a sua personalidade jurídica, realiza os seus contratos, desempenha as suas funções na cadeia de pagamento, e, consequentemente, assume as suas próprias responsabilidades, sendo descabido presumir a solidariedade entre os agentes, a qual decorre apenas da lei ou da vontade das partes (art. 265 do Código Civil). (...) 12. Recurso especial conhecido parcialmente e, no mérito, provido para reformar o acórdão estadual e afastar a responsabilidade solidária da credenciadora recorrente”