RECURSO ESPECIAL Nº 2.150.776/SP – MIN. NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: BSM ENGENHARIA S.A. EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

RECORRIDO: FATOR SEGURADORA S.A.

TESE
A 3ª Turma do STJ decidiu, por maioria, que, nas demandas sobre indenização securitária, deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova, recaindo sobre a seguradora o ônus de comprovar as causas excludentes da cobertura. A ministra Nancy Andrighi, relatora, observou que, conforme o artigo 765 do Código Civil, o contrato de seguro deve seguir o princípio da boa-fé, que impõe às partes a obrigação de agir com veracidade e clareza durante a elaboração e execução do ajuste. A ministra apontou ainda que a seguradora deve atender às justas expectativas do segurado em relação à cobertura e às exclusões, assegurando a proteção do seu interesse legítimo. Essas expectativas devem ser levadas em conta na interpretação das cláusulas contratuais. Além disso, a ministra destacou que, em demandas de indenização securitária nas quais não há partes vulneráveis nem dificuldades excepcionais na obtenção de provas, deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova, segundo a qual cabe ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito, enquanto ao réu compete demonstrar a existência de fatos que impeçam, modifiquem ou extingam esse direito.

EMENTA: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. ART. 757 DO CC. LEGÍTIMA EXPECTATIVA DO SEGURADO. ART. 765 DO CC. CLÁUSULAS CONTRADITÓRIAS. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO ADERENTE. ART. 373 DO CPC. ÔNUS DA PROVA. DISTRIBUIÇÃO ESTÁTICA. CAUSA EXTINTIVA DO DIREITO DO AUTOR. ÔNUS ATRIBUÍDO AO RÉU. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 1. Ação de cobrança de indenização securitária, ajuizada em 25/9/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 10/10/2023 e concluso ao gabinete em 14/6/2024. 2. O propósito recursal consiste em decidir se (I) a existência de cláusulas contratuais contraditórias acarreta a adoção da interpretação mais favorável ao aderente, e (II) nas demandas em que haja distribuição estática do ônus da prova, é dever da seguradora comprovar as causas excludentes da cobertura securitária. 3. Estabelece art. 757 do Código Civil que, “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. Quanto ao pacto celebrado, o art. 765 do mesmo diploma legal prevê que “o segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”. 4. O contrato de seguro é, por excelência, um contrato de boa-fé, pressupondo-se confiança mútua entre os contratantes. Por meio dele, exigese o dever de informação sobre as especificidades das cláusulas contratuais, bem como a seleção dos riscos predeterminados pelo segurador, com clareza acerca da cobertura. 5. A elaboração e interpretação do conteúdo das cláusulas do contrato de seguro deve ser realizada de acordo com a boa-fé, não podendo, ao mesmo tempo, exceder os riscos predeterminados e tampouco frustrar a legítima expectativa do contrato ou desnaturalizar a sua garantia. 6. O art. 432 do CC dispõe que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Mais recentemente, o §1º, IV, do art. 113, incluído pela Lei 13.874/2019, ampliou o alcance do princípio "contra proferentem", ao estabelecer que a interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, quando identificável. 7. Nas demandas de indenização securitária em que não há partes vulneráveis ou hipossuficientes e que não incidem peculiaridades relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (§§ 1º ou 3º do art. 373 do CPC) deve-se aplicar a regra geral de distribuição estática do ônus da prova. 8. A partir da regra de distribuição estática, o art. 373 do CPC estabelece que o ônus probatório incumbe: ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. 9. No recurso sob julgamento, a partir do contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias, verifica-se (I) que existem cláusulas contraditórias, as quais devem ser interpretadas em favor do aderente (recorrente); e (II) que o réu (recorrido) não se desincumbiu do ônus de comprovar a causa extintiva do direito do autor (recorrente). 10. Recurso especial conhecido e provido para reformar o acórdão estadual, julgando procedentes os pedidos autorais para condenar o recorrido ao pagamento da indenização no valor do equipamento segurado e das despesas efetuadas com a remoção, manutenção e guarda do salvado, subtraído o montante referente à sua comercialização.”