RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 1.057.258 (TEMA 533) E RECURSO EXTRAORDINÁRIO N° 1.037.396 (TEMA 987)
RESUMO:
O Tema 533 tem como principal recurso afetado o Recurso Extraordinário n° 1.057.258, de relatoria do Min. Luiz Fux, baseado em ajuizamento feito por empresa de tecnologia em 31.08.2011 para impugnar decisão colegiada que determinou que a ora Recorrente deveria ser responsabilizada por agir com negligência ao não fiscalizar conteúdo ofensivo postado por terceiros em rede social.
Já o Tema 987 tem como principal recurso afetado o Recurso Extraordinário n° 1.037.396, de relatoria do Min. Dias Toffoli, com base em ajuizamento feito por rede social em 05.04.2017, no sentido de sustentar a constitucionalidade da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).
Os temas se submeteram a julgamento conjunto pelo STF, o qual se encontram suspenso e será retomado no dia 11.06, às 10h.
JULGAMENTO:
No dia 26.06.2025, os ministros, por oito votos contra três, decidiram pela necessidade de alteração do Marco Civil da Internet, julgando parcialmente inconstitucional o seu art. 19. Sob essa perspectiva, se dividiram do seguinte modo:
Favoráveis à constitucionalidade do art. 19
Min. André Mendonça: Em sua proposta de tese, incluiu que serviços de mensageria privada não poderiam ser equiparados a mídias sociais, não havendo que se falar em dever de monitoramento ou autorregulação na hipótese. Ainda, defendeu ser inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando forem comprovadamente falsos, monitorados por robôs ou possuam como objeto a prática de atos criminosos. Segundo ele, também, as plataformas teriam o dever de promover a identificação de usuário violador de direito de terceiro, podendo ser responsabilizadas, mediante expressa autorização legal, pela não remoção de conteúdos proibidos por lei. Ainda, em observância ao devido processo legal, a decisão judicial que determinasse a remoção de conteúdo deveria apresentar fundamentação específica e ser acessível à plataforma responsável pelo seu cumprimento, facultada a possibilidade de impugnação.
Min. Edson Fachin: Alegou ser contra a responsabilização automática de redes sociais por publicações feitas por usuários, defendendo que a remoção do conteúdo das plataformas digitais continue dependendo de ordem judicial, da forma como estabelece o Marco Civil da Internet. No seu entendimento, a defesa dos direitos fundamentais deve caminhar ao lado da liberdade de expressão, sendo constitucional o art. 19 do Marco Civil da Internet. No entanto, não acompanhou integralmente o voto apresentado pelo Min. André Mendonça, pois não aderiu às obrigações adicionais indicadas pelo Ministro em seu voto.
Min. Nunes Marques: Defendeu a subsidiariedade da responsabilização civil das plataformas digitais por conteúdo de terceiros, com fundamento na proteção constitucional à liberdade de expressão. O Ministro propôs a adoção, pelas plataformas, de um modelo interno de "devido processo legal digital” que garantisse aos usuários notificados a possibilidade de esclarecimento e defesa antes de bloqueios ou exclusões de conteúdo ou perfis. Entretanto, admitiu a possibilidade de remoção de conteúdo sem ordem judicial diante da apresentação de prova inequívoca de fraude.
Contrários à constitucionalidade do art. 19
Min. Gilmar Mendes: Entende não ser necessária a ordem judicial para a retirada de publicações ilícitas, bastando as notificações. Afirma que a plataforma deve adotar mecanismos capazes de estender os efeitos de uma ordem de retirada de publicação a todos os posts com conteúdo semelhante. Dessa forma, manteve o art. 19, porém com aplicação residual, em caso de crimes contra a honra e de conteúdo jornalístico. Defende a criação de um regime de responsabilização da plataforma para os casos de anúncios e impulsionamentos de publicação ilícitas e de um regime especial de responsabilização, imputando responsabilidade solidária às plataformas nos casos de não remoção imediata de conteúdos que veiculem crimes graves, previsto em um rol limitado, como condutas, informações e atos antidemocráticos, conteúdos contra a integridade eleitoral, comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas, entre outros.
Min. Dias Toffoli: Entendeu que a norma confere um excesso de imunidade às plataformas digitais, de modo a perpetuar a disseminação de conteúdos prejudiciais no ambiente virtual. Defendeu, ainda, que as notificações extrajudiciais deveriam ser suficientes para responsabilizar as plataformas por violações à honra, à imagem e à intimidade, e propôs a responsabilização objetiva em casos mais graves, a qual poderia ser imputada, inclusive, retroativamente.
Min. Luiz Fux: Foi manifestamente crítico ao condicionamento da responsabilização a uma ordem judicial específica, defendendo, no entanto, que, com relação a ofensas à honra, à imagem ou à privacidade, essa imputação dependeria de notificação prévia e fundamentada por parte do ofendido. Em relação a conteúdos evidentemente ilícitos, argumentou que existe um dever de monitoramento ativo por parte das empresas.
Min. Luís Roberto Barroso: Reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art.19, parcialmente omisso por não conferir proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, como a proteção de direitos fundamentais e da democracia. Desse modo, o Ministro entendeu que o referido artigo deveria receber alterações para ampliar as hipóteses de exceção previstas no art. 21 do Marco Civil da Internet. Assim, sugeriu a adoção de um modelo dual, que combinasse a responsabilização subjetiva das plataformas por conteúdos gerados por terceiros com o seu dever de cuidado em relação a riscos sistêmicos. Ainda, entendeu pela necessidade de ordem judicial para a remoção de conteúdo relacionado a crimes contra a honra, a fim de evitar abusos que possam comprometer o debate público. Para os demais ilícitos, argumentou ser suficiente o envio de notificação privada.
Min. Flávio Dino: Mostrou—se favorável a uma responsabilização segmentada, conforme a natureza do conteúdo, sendo a ordem judicial restrita, também, a crimes contra a honra. Ademais, defendeu que as plataformas fossem responsabilizadas por atos próprios, e que o seu dever de cuidado fosse cumprido de maneira mais rígida diante de cenários manifestamente graves, como, por exemplo, ataques ao Estado Democrático de Direito.
Min. Cristiano Zanin: Reconheceu a inconstitucionalidade parcial do art. 19, fundamentando que entende que a exigência de ordem judicial para remoção de conteúdo configura proteção insuficiente diante de violação de direitos fundamentais diante da disseminação de conteúdos ilícitos na plataforma. Votou pela modulação dos efeitos da decisão para que a nova interpretação só seja aplicada a fatos ocorridos após a data do julgamento, preservando decisões anteriores com base no art. 19 em sua redação original. O Ministro propôs um modelo de responsabilidade diferenciada, ou seja, para conteúdos ilícitos, apenas notificação extrajudicial seria suficiente, para situações que envolvam crimes contra a honra, seria exigida ordem judicial.
Min. Carmen Lúcia: Votou pela ampliação da responsabilização das redes sociais por conteúdos publicados por usuários, defendendo, assim, a inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet. A Ministra destacou que o cenário digital mudou significativamente desde a sanção da lei e que, com isso, as redes sociais passaram a concentrar poder sobre a circulação de informações, operando com algoritmos cuja lógica não é acessível ao público. Ela alegou ainda que a responsabilização das plataformas precisa refletir essas transformações e ser aplicada de forma equivalente a outros contextos de dano e risco.
Min. Alexandre de Moraes: Entende que, a despeito da realização de denúncias, publicações com conteúdo ilícito não eram retiradas do ar. Condenou a ideia de que essas empresas estariam acima do arcabouço normativo, bem como questionou o modelo de negócios dessas empresas, que, para além depositárias de conteúdo, operam como líderes do mercado global de mídia e publicidade. O Ministro propôs que as redes sociais e serviços de mensageria privada sejam equiparados aos demais meios de comunicação, impondo deveres de transparência e responsabilização em atenção aos princípios constitucionais. Essa equiparação faz com que os limites constitucionais da liberdade de comunicação previstos no art. 220, CF, devendo ser conjugado com o art. 5º, IX. Defendeu, por fim, a responsabilização solidária para um rol taxativo de conteúdos e fez alusão à legislação da União Europeia, que propôs às plataformas com mais de 45 milhões de usuários mensais as obrigações de monitorar riscos sistêmicos à democracia, avaliar impactos dos algoritmos e comunicar autoridades competentes sempre que houver indícios de manipulação que ameace o regime democrático. Ainda, obrigou as plataformas a coibir conteúdos que venham a violar os arts. 286 (incitação ao crime), 359-L, 359-M, 359-P e 359-R do Código Penal.