RECURSO ESPECIAL N° 2.210.341/CE – MIN. ANTONIO CARLOS FERREIRA
TESE:
A 4 Turma do STJ, à unanimidade, afastou a cláusula de foro exclusivo em Gibraltar para reconhecer relação de consumo e vulnerabilidade de apostadora domiciliada no Brasil.
Em seu voto, o relator, Min. Antonio Carlos Ferreira, entendeu que o caso diz respeito à relação de consumo e que, conforme o art. 22, II, do CPC, a autoridade judiciária brasileira é competente para julgar ações desse tipo quando o consumidor reside no país. Segundo o ministro, a cláusula de eleição de foro foi imposta unilateralmente pela empresa estrangeira, sem qualquer possibilidade de negociação, além de dificultar o acesso efetivo à Justiça brasileira pela consumidora, em razão de barreiras linguísticas, custos elevados, distância geográfica e diferenças processuais substanciais.
O relator também enfatizou que a empresa direcionava claramente seus serviços ao público brasileiro, com site em português e suporte técnico especializado, de modo que a imposição da cláusula comprometeria o direito fundamental de acesso à Justiça e violaria a proteção especial ao consumidor. Com base nesse entendimento, manteve a competência da Justiça brasileira e considerou válida a decisão do TJCE que afastou a cláusula contratual.
EMENTA: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. CONTRATO DE ADESÃO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO. FORO ESTRANGEIRO. CONSUMIDOR BRASILEIRO. ABUSIVIDADE. ACESSO À JUSTIÇA. SITE DIRECIONADO AO PÚBLICO BRASILEIRO. RECURSO DESPROVIDO.
- Caso em exame
- Ação de exibição de documento proposta por consumidora contra empresa de apostas on-line, requerendo a apresentação de comprovante de aposta realizada em site da ré.
- O Juízo de primeira instância declarou a nulidade da cláusula de eleição de foro estrangeiro, reconhecendo a competência do foro do domicílio da autora.
- O TJCE negou provimento ao agravo de instrumento, mantendo a competência da Justiça brasileira, por entender que a cláusula de eleição de foro em Gibraltar impediria o acesso ao Judiciário pela autora.
- Questão em discussão
- A controvérsia cinge-se à validade de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato de adesão celebrado pela internet entre empresa estrangeira e consumidor brasileiro.
III. Razões de decidir
- O art. 22, II, do CPC estabelece expressamente a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar ações decorrentes de relações de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil.
- Embora o art. 25 do CPC preveja a validade da cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, seu § 2º determina a aplicação do art. 63, §§ 1º a 4º, do mesmo diploma legal, que autoriza o magistrado a reputar ineficaz, de ofício, a cláusula de eleição de foro abusiva.
- A declaração de invalidade de cláusula de eleição de foro estrangeiro exige a presença conjunta de três requisitos: a) que a cláusula conste de contrato de adesão; b) que o aderente seja reconhecido como pessoa hipossuficiente (de forma técnica, econômica ou jurídica); e c) que isso acarrete ao aderente dificuldade de acesso à Justiça.
- Obrigar o consumidor brasileiro a litigar em foro estrangeiro imporia ônus
desproporcional, considerando as barreiras linguísticas, diferenças procedimentais, elevados custos e distância geográfica, o que representaria violação ao sistema de proteção estabelecido pela Constituição Federal (art. 5º, XXXII) e pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 4º, I), que reconhecem a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo e buscam garantir o equilíbrio contratual e o efetivo acesso à Justiça.
- Os avanços tecnológicos e a consolidação do comércio eletrônico transnacional demandam critérios mais flexíveis para determinação da competência jurisdicional. Considera-se que um site que deliberadamente direciona suas atividades para consumidores residentes no Brasil, através de indicadores como língua, moeda e domínio locais, submete-se à jurisdição brasileira.
- Dispositivo e tese
- Recurso especial desprovido.”