Entre as muitas reformas empreendidas pela nova gestão nacional na área de infraestrutura desde setembro do ano passado – como o programa massivo de desestatização, que deu novo ânimo ao mercado, ou as novas políticas de compartilhamento de garantias do BNDES, que visam dar maior conforto aos bancos comercias – ganha destaque a aprovação da Medida Provisória nº 777/2017, que institui a Taxa de Longo Prazo (TLP) e foi convertida em lei.

A TLP vem para sanar distorções de mercado que, segundo o governo, foram geradas com a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e oneram os cofres públicos. A principal dessas distorções está no fato de que a remuneração do Tesouro Nacional pelo BNDES com os resultados oriundos pela TJLP – com juros muito inferiores àqueles dos títulos públicos federais pelos quais o Tesouro se financia – geraria perdas que ficariam ocultas na dívida pública e que caracterizariam não um mero empréstimo de longo prazo, mas um tipo de subsídio.

Como as operações do BNDES não têm juros atrelados à taxa básica do Banco Central (Selic), ao incidir apenas sobre parte do crédito público na economia, a Selic precisaria ser mais elevada que o natural para alcançar os resultados almejados, compensando a redução da potência da política monetária. Ou seja, as empresas que não tomam crédito do BNDES arcam com juros mais elevados, inclusive desestimulando o financiamento privado, que depende da taxa básica.

A substituição da TJLP, até hoje base da política do BNDES, pela TLP ocorrerá em três etapas:

  • Início: Com validade para os contratos firmados a partir de 1º de janeiro de 2018. A TLP será baseada na soma do IPCA e dos juros reais que a TJLP já embute. Será calculado um fator que, multiplicado a esses juros reais, corresponderá aos juros das Notas do Tesouro Nacional Série B (NTN-B) de cinco anos, utilizados pelo governo para financiar sua dívida e balizar a inflação.

  • Transição: Continuará como no início, mas o fator de ajuste entre os juros reais da TJLP e os das NTN-B será aumentado progressivamente até 2023, aproximando os juros reais da TLP aos pagos pelo governo em seus títulos.

  • Consolidação e futuro: Reajustada gradualmente, a TLP será igualada ao rendimento real total da NTN-B cumulada com a inflação em 2023, extinguindo de vez a diferença entre o que o governo cobra e paga de juros nos novos contratos.

Além de sanar as distorções, o governo federal quer estimular o financiamento privado com os bancos comerciais, trazendo mais transparência na alocação de “subsídios”, ao reduzir eventuais falhas distributivas do crédito para financiamento; promover uma melhoria no mercado de capitais, tornando-o mais competitivo, como veremos adiante; dar maior espaço para organismos multilaterais estrangeiros atuarem como financiadores de projetos de infraestrutura no Brasil, sobretudo em reais, contando com mecanismos eficientes de hedge, entre outros.

O BNDES e o financiamento em infraestrutura têm passado por um processo de reestruturação, orientado pela retirada da instituição de fomento do seu papel centralizador das operações. A ideia é que o BNDES deixe de ter uma atuação isolada e passe a complementar o papel do mercado de capitais, especialmente com o reavivar do instituto das debêntures em infraestrutura.

Com a equiparação dos juros (TLP) ao valor dos papéis públicos federais, o mercado de capitais se tornará mais competitivo com relação ao BNDES, podendo oferecer opções de financiamento de longo prazo mais vantajosas, o que incentivará a participação dos bancos privados comerciais nessas operações. Entende-se assim que o BNDES espera diminuir sua exposição, parcial e gradualmente, ao financiamento da infraestrutura, que passaria então a se sustentar de forma mais independente na atuação de agentes privados, desonerando o Estado, mas garantindo o desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Deve-se ressaltar, no entanto, que, no curto prazo, um período de adaptação será necessário, pois o mercado privado talvez não seja capaz de suprir tão imediatamente algum vácuo criado pela menor exposição do BNDES nos investimentos de longo prazo.

Por outro lado, é necessário que o papel do BNDES e suas taxas de juros se adequem à nova realidade nacional e às diretrizes de desestatização e desaparelhamento do Estado, desatando certos nós que ainda o prendem à burocracia estatal em seu sentido mais estrito e que, dependendo do governo de turno, podem direcioná-lo para políticas mais ou menos benéficas ao desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Claramente há um trade-off entre os objetivos da TLP e eventuais efeitos de curto prazo. Caberá ao Estado, como é natural, garantir a segurança jurídica (e política) dessa nova taxa de abertura para participação mais efetiva do mercado. A expectativa é que este possa suprir o espaço que deverá se abrir no financiamento de longo prazo em projetos de infraestrutura como resultado dos efeitos da nova lei.