Por Marcos de Aguiar Villas-Bôas
Nas breves linhas que aqui dispomos, não é possível explicar tudo o que a transdisciplinaridade representa após esses 43 anos de desenvolvimento, se contados a partir do momento em que Jean Piaget lhe nomeou. Para uma compreensão básica, vale a pena conhecer a Carta de Transdisciplinaridade, redigida em 1994, após o 1º Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu[1].
A Carta de Transdisciplinaridade é iniciada por meio de um preâmbulo no qual se afirma a impossibilidade de “qualquer olhar global do ser humano” tendo em vista a amplitude que tomou o saber. Chegou-se um momento do conhecimento com tantas disciplinas e tanta profundidade, que um olhar global, totalizante, é considerado impossível. Não é esse o objetivo do pensamento transdisciplinar. Ele não pretende juntar todas as disciplinas e conhecer todas de uma vez, num eito açodado, motivo pelo qual não é uma proposta que leva a totalizações impossíveis, que ela mesma combate, e à falta de rigor científico.
Deste modo, a abertura do Direito Tributário não significa estudá-lo aleatoriamente, sem método, procurando conciliá-lo com todo tipo de saber. A abertura representa uma necessidade de enfrentamento dos problemas concretos e se valendo, de modo integrado e inter-relacional, dos conhecimentos produzidos por outras disciplinas, o que passa por propostas de Política Tributária e debates sobre Direito Tributário e moral, como aquele que vem ocorrendo hoje na Europa relativamente aos limites do planejamento tributário.
De outro lado, apesar de não ter pretensões totalizantes, o artigo 1º da Carta de Transdisciplinaridade é contundentemente contrário ao pensamento reducionista, ou seja, aquele voltado para definições que não levem em consideração as demais partes e as suas complexas interrelações. Edgar Morin explica que os princípios da emergência e da imposição se contrapõem e se conciliam em um sistema dinâmico e complexo, de modo que, em alguns momentos, a soma das partes excede o todo, mas, em outros, não. É, portanto, um caminho que primeiramente se aproxima da Filosofia Analítica, para logo em seguida se distanciar, mexendo nas bases sobre as quais o Direito Tributário brasileiro vem sendo construído.
Trata-se de proposta que conforma reducionismo e holismo, que não fica nem somente com as partes, nem olha diretamente e apenas para o todo, pois busca uma visão complexa do mundo e das suas interconexões, sugerindo uma dialética infinita entre partes e todo. Importante notar que J. C. Smuts, cuja obra sobre o holismo foi publicada em 1926, não reduzia o conhecimento ao todo, pois já tinha uma proposta de interrelação entre todo e partes. Alguns pensadores reducionistas, mais tarde, foram aqueles que utilizaram indevidamente a obra de Smuts para limitar o holismo ao conhecimento pelo todo. Considerando, então, a interrelação entre todo e partes, nota-se que os sistemas dinâmicos e complexos, a exemplo do direito, não são, portanto, lineares e sequenciais, porém circulares ou até espirais.
O seu artigo 4º pode ser considerado o núcleo da Carta de Transdisciplinaridade e, pela importância que tem para o Direito Tributário Brasileiro, merece transcrição:
“O ponto de sustentação da transdisciplinaridade reside na unificação semântica e operativa das acepções através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a relatividade das noções de definição e objetividade. O formalismo excessivo, a rigidez das definições e o absolutismo da objetividade comportando a exclusão do sujeito levam ao empobrecimento.”
Parece-nos que esse ponto é crucial para o Direito Tributário brasileiro, já tendo sido objeto de controvérsias entre inúmeros autores: o de ele ser excessivamente formalista ou não. Ora, um Direito Tributário calcado de forma contundente na lógica e um pouco menos na semântica, desenvolvido sobre o pensamento fechado de Kelsen, nos soa como formalista. Mas a proposta deve ser esquecê-lo, demonizá-lo? De modo algum! Essa também não é a proposta genérica da transdisciplinaridade para a superação do reducionismo. Importante lembrar que a Carta da Transdisciplinaridade é uma espécie de manifesto escrito por três dos principais pensadores do mundo, após debates com muitos outros, tratando do conhecimento humano de modo global. A conclusão a que eles chegaram após o congresso e que vem sendo tomada pela Unesco para construção da educação do futuro, foi a de que, apesar de todos os seus pontos positivos, o legado cartesiano e reducionista, que se desenvolveu conjuntamente com o mecanicismo presente na Física Clássica, e, segundo entendemos, na Filosofia Analítica aplicada ao Direito Tributário, é hoje inadequado, por si só, para a solução dos problemas complexos que se mostram.
Disponpivel na íntegra em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127511por.pdf
Marcos de Aguiar Villas-Bôas é advogado, mestre em Direito pela UFBA, professor da ESAD (OAB/BA) e doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP