Iara Ferfoglia G. D. Vilardi*
 
Em 2007, foram editadas as três primeiras súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de um intervalo de quase um ano, no primeiro semestre de 2008, mais sete súmulas passaram a fazer parte do nosso ordenamento jurídico. Dentre essas, encontra-se a Súmula Vinculante nº 7, aprovada em 11 de junho, que estabelece que "a norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, revogada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".
 
Como se sabe, o instituto da súmula vinculante foi criado em um contexto de crise do Poder Judiciário, visando atacar, principalmente, duas deficiências do sistema: a falta de agilidade dos tribunais brasileiros e a insegurança jurídica. No que diz respeito à insegurança jurídica, é indiscutível que ela não é fruto de um único motivo - pelo contrário, são inúmeras as razões que causam insegurança no sistema. Tais variáveis não devem ser atribuídas exclusivamente ao Poder Judiciário, que deve ser responsabilizado principalmente pelo problema da incerteza e do descompasso das decisões judiciais. O mesmo se diga em relação à morosidade dos tribunais, que é provocada por fatores diversos, tendo, até mesmo, algumas de suas razões fundadas no burocrático modo de funcionamento dos cartórios judiciais.
        
A implementação da súmula vinculante pelo Supremo traduz uma das várias tentativas que têm sido feitas com o fito de amenizar a presença desses problemas. Nesse intuito, a norma fundadora desse novo mecanismo processual - a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que estabeleceu a reforma do Judiciário - trouxe alguns requisitos que deveriam ser respeitados para edição dos verbetes vinculantes pelo Supremo, entre os quais se encontram (1) a existência de controvérsia atual entre órgãos do Poder Judiciário ou entre esse e a administração; e (2) a possibilidade de o assunto discutido provocar uma grave insegurança jurídica.
 
Contudo, tendo em vista (1) a unanimidade do entendimento no Supremo sobre a questão sumulada; (2) a existência de súmula não-vinculante sobre o assunto - a Súmula nº 648; e (3) a revogação da norma mencionada no enunciado - o artigo 192, parágrafo 1º da Constituição Federal - por meio da Emenda Constitucional nº 40, tem sido bastante questionado o preenchimento de tais requisitos pela Súmula Vinculante nº 7 e, por conseqüência, a necessidade de sua edição.
 
Na opinião dos ministros que votaram pela aprovação da súmula, a atualidade da controvérsia residiria na resistência de alguns magistrados em aplicar o entendimento anteriormente sumulado, acarretando decisões contrárias ao esperado. Trata-se, todavia, de um argumento discutível, uma vez que a grande maioria dos recursos que versam sobre o assunto é residual. Isto é, tendo em conta que o dispositivo constitucional foi revogado em 2003, nenhuma controvérsia nova a esse respeito deverá ser suscitada. Esse, aliás, é o pensamento do ministro Marco Aurélio, o único a se opor à vinculação do verbete.
 
Além disso, também é preciso considerar que as recentes reformas do Código de Processo Civil - como, por exemplo, a alteração que conferiu ao juiz o dever de não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com uma súmula, vinculante ou não, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo - já auxiliariam significativamente na solução mais rápida dos processos que tratam especificamente sobre esse tema, desafogando os tribunais tanto quanto possível. Não bastasse isso, não se pode dizer que a questão ora sumulada acarretava uma grave insegurança jurídica ao ordenamento ou que teria potencial para tanto. Pelos mesmos motivos supra mencionados, e como já ressaltado, tratava-se de uma matéria pacificada não somente no Supremo mas na maioria dos tribunais, os quais já tinham se adequado ao entendimento, ainda que por simples decorrência da autoridade da corte.
 
Partindo dessa singela análise, conclui-se que a Súmula Vinculante nº 7 auxiliará muito pouco, ou quase nada, na resolução dos problemas da morosidade - porque não impedirá a propositura de um número significativo de ações e nem dará fim a discussões pendentes de julgamento - e da insegurança jurídica - tendo em vista a inexistência de divergência de interpretação de lei realizada por órgãos judiciários ou entre esses e a administração.
 
Nesse diapasão, vê-se que a discussão sobre a aprovação desse verbete deveria ter sido mais aprofundada, a fim de verificar se, de fato, havia a necessidade de vinculação do entendimento, se haveria benefícios que justificassem sua edição e, principalmente, se todos os requisitos essenciais constitucionalmente exigidos para sua conformação estavam presentes - situação que, aparentemente, não aconteceu.
 
Diante disso, é forçoso reconhecer que a Súmula Vinculante nº 7 não pode ser tomada como um bom exemplo de aproveitamento do novel instituto, uma vez que, como dito, não possui potencial para reduzir, de forma expressiva, os problemas de morosidade e insegurança jurídica, provocando, desde logo, um desgaste desnecessário do mecanismo, já que se apresentou como uma mera repetição.
 
Iara Ferfoglia Gomes Dias Vilardi é advogada do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, com a colaboração do advogado Fábio Fonseca Pimentel
 
(Valor Econômico 09.10.2008/Caderno E2)