Foi finalizado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração opostos no Recurso Extraordinário 576.967/PR (tema 72 de repercussão geral), que tem como objeto a discussão da inconstitucionalidade da incidência de contribuições previdenciárias sobre o salário-maternidade.
No ano passado, após mais de 10 anos desde a entrada do processo no STF, a Suprema Corte entendeu pela inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade, com a fixação de tese nesse sentido: "É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade".
Em síntese, o STF entendeu que o salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, por não se tratar de contraprestação pelo trabalho ou de retribuição em razão do contrato de trabalho. E, por essa razão, não poderá sofrer a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador, prevista no art. 195, I, "a", da CF. Ainda, outro importante fundamento foi decisivo pela inconstitucionalidade dessa exigência, qual seja, o fato de se tratar de uma discriminação quanto ao gênero, considerando que a exigência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade somente é realizada quando a trabalhadora é mulher e mãe, o que pode dificultar ou, até mesmo, obstaculizar a contratação de mulheres pelos empregadores.
Assim, foi uma importante vitória, não só por representar uma redução da carga tributária, mas, sobretudo, pela consagração do princípio da não discriminação de gênero, constitucionalmente assegurado.
Após o julgamento do STF, o contribuinte opôs Embargos de Declaração com relação à extensão da decisão, a fim de que fosse aclarado se esse entendimento também seria aplicável à não incidência sobre o salário-maternidade das contribuições destinadas à terceiros, tais como INCRA, SENAC, SESC, SEBRAE, SENAI e etc, considerando que essas exações também devem ser recolhidas pelo empregador e incidem sobre a mesma base de cálculo das contribuições previdenciárias (folha de salários).O julgamento foi iniciado com o voto do relator, ministro Roberto Barroso, que entendeu pela rejeição dos Embargos de Declaração opostos pelo contribuinte. Em seu entendimento, não se verificaria qualquer vício a ser sanado, já que teria ficado claro no acórdão embargado que o salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e, os aclaratórios não poderiam ser utilizados para ampliar o objeto do Recurso Extraordinário, considerando que a discussão sub judice sempre envolveu apenas as normas relativas às contribuições previdenciárias a cargo do empregador (Art. 22, I, da lei 8.212/91).O entendimento do relator foi seguido pelos demais ministros, que, à unanimidade, não acolheram os Embargos de Declaração opostos pelo contribuinte.
Com base nessa decisão, portanto, em razão de um entrave processual, não há um pronunciamento expresso do STF com relação à inclusão do salário-maternidade nas bases de cálculo das contribuições de terceiros, já que o acórdão em que foi fixada a tese do tema 72 de repercussão geral possui efeitos vinculantes apenas em relação à não incidência das contribuições previdenciárias sobre a referida verba.
Por outro lado, no próprio voto do ministro Roberto Barroso, consta que apesar de não ser possível, por questões processuais, estender a decisão para as contribuições de terceiros, nada obsta que a ratio decidendi do julgado também seja aplicável para as contribuições de terceiros pelo próprio Poder Judiciário e pela Administração Pública Federal.
Nesse sentido, após o julgamento da inconstitucionalidade da exigência das contribuições previdenciárias sobre o salário-maternidade, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ("PGFN"), com fundamento no art. 19, VI, "a", da lei 10.522/02, bem como no art. 2º, V, da portaria PGFN 502/16, já apresentou o Parecer SEI 18361/2020/ME, informando sobre a dispensa de contestar e recorrer sobre o tema.
Ainda, na mesma oportunidade, a própria PGFN, com fundamento no artigo 19, § 9º, da lei 10.522/02, bem como no art. 2º-A, da portaria PGFN 502/16, asseverando que se trata da mesma base de cálculo, entendeu pela possibilidade de extensão do racional do julgamento do tema 72 da repercussão geral para as contribuições de terceiros1. Essa extensão, em nosso entendimento, está em linha com toda a sistemática prevista no novo Código de Processo Civil (CPC), que almeja a celeridade e a eficiência do processo judicial. Entendimento contrário resultaria no próprio desprestígio desses importantes princípios, pois, como se sabe, a proposta do CPC foi, justamente, a uniformização de entendimento jurisprudencial, a fim de evitar a propositura de demandas judiciais, desafogando, assim, o sistema judiciário (especialmente com relação aos Tribunais Superiores).
Ademais, a não aplicação desse entendimento para as contribuições de terceiros poderia representar um retrocesso na questão histórico-social do caso, já que, quando do julgamento do tema 72 de repercussão geral, um importante fundamento utilizado foi de que a não tributação do salário maternidade "privilegia a isonomia, a proteção da maternidade e da família, e a diminuição de discriminação entre homens e mulheres no mercado de trabalho".
Nesse sentido, a desoneração da tributação das contribuições previdenciárias, mas não das contribuições de terceiros sobre o salário-maternidade perpetuaria o desincentivo à contratação de mulheres e, consequentemente, a própria manutenção da discriminação ao gênero com outra roupagem.
A expectativa, portanto, é que a PGFN mantenha o seu entendimento já exarado no Parecer SEI 18361/2020/ME, consubstanciado na não exigência das contribuições de terceiros sobre o salário-maternidade, evitando, dessa forma, que o tema novamente seja palco de debates judiciais, privilegiando a segurança jurídica das decisões proferidas pela Suprema Corte.
1"Lado outro, quanto às contribuições destinadas a terceiros, o melhor entendimento parece ser o de estender a ratio decidendi do tema nº 72 a elas, a fim de tornar a sua incidência sobre o salário maternidade também inconstitucional sob o prisma formal e material, nos termos do art. 19, § 9º, da lei 8.212, de 1991.
(...)Dessa maneira, seguindo a mesma premissa adotada para a contribuição previdenciária a cargo do empregador, a contribuição de terceiros sobre o salário-maternidade, cuja base de cálculo seja a folha de salários, viola o princípio da isonomia, porque ao encarecer a mão-de-obra feminina, fomenta justamente o contrário do que o Texto Constitucional idealiza no art. 5, I, da CF.
(...)Por conta disso, entende-se viável aplicar os fundamentos determinantes do acórdão paradigma do tema nº 72, para tornar inconstitucional a incidência da contribuição de terceiros sobre o salário-maternidade, estando a carreira dispensada de atuar judicialmente nas demandas que pretendam excluir a referida verba da base de cálculo das contribuições de terceiros que incidam sobre a "folha de salários", conforme autorização constante no art. 2º-A da Portaria PGFN nº 502, de 2016, c/c art. 19, § 9º, da lei 10.522, de 2002.
Bruna Dias Miguel - Advogada em São Paulo. Atuação em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP. Mestra em Direito pela PUC/SP.
Luciana Krabbe Vignati - Advogada em São Paulo. Atuação em Direito Tributário. Bacharel em Direito pelo Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBET/SP.
(Migalhas - 06.04.2021)