Por Beatriz Olivon

Sem saber se produtos da Nivea poderiam ser classificados como hidratantes ou desodorantes, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidiu suspender julgamento sobre cobrança de IPI. O caso, que tramita na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção, será retomado após os conselheiros receberem maiores informações da fabricante e de órgãos governamentais - entre eles a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O caso é da Beiersdorf Indústria e Comércio, que tem entre suas marcas a Nivea. A fabricante foi autuada depois de classificar os produtos - entre eles o Nivea Milk - como desodorantes, que têm alíquota menor, de 7%. A de hidratantes é de 22%.

No processo, a empresa alega que o fato de os produtos não serem usados apenas nas axilas não afasta a característica de desodorante, que pode ser comprovada pela presença de substâncias químicas. Para a empresa, a quantidade de ingredientes não define o que o produto é (processo nº 19311.720310/2017-15).

O relator do processo no Carf, conselheiro Laércio Cruz Uliana Junior, afirmou que os produtos têm ação hidratante e desodorante e, pela análise, não é possível saber qual a função principal. Por isso, solicitou o que se chama de diligência. Os demais julgadores seguiram o voto do relator.

A empresa terá que apresentar a composição química dos produtos, identificando a função de cada substância. Já a Receita Federal deverá solicitar na Anvisa a definição técnica de desodorantes, águas de colônia e hidratantes, além de uma perícia técnica do Instituto Nacional de Tecnologia (INT).

Muitos produtos são pensados tendo como base a classificação fiscal. Por isso, a discussão é comum e não envolve só o IPI, mas também o Imposto de Importação, segundo Fernanda Sá, sócia da área tributária do escritório Machado Meyer Advogados.

Os setores que trabalham com química costumam lidar mais com esse problema. "Existe grande complexidade na análise química. É necessário expertise para identificação e classificação", diz a advogada. Isso inclui empresas de medicamentos, cosméticos e higiene pessoal.

Quando a empresa é fabricante ou importadora cabe a ela a indicação da classificação fiscal do produto. Mas em caso de dúvida, o contribuinte poder fazer uma consulta na Receita Federal. "Milhares de soluções de consulta dirigidas à Receita são de classificação fiscal", afirma Fernanda. A depender da classificação, a tributação de IPI muda significativamente.

A questão preocupa as empresas por causa do impacto que pode gerar na decisão do negócio, de acordo com Fernanda. "Quando decide vender um produto, a empresa faz seu modelo de negócio pensando numa tributação e, depois, por divergência com a Receita tudo aquilo que ela fez acaba sendo descartado", diz.

O tema não é tão corriqueiro no Carf, mas existe um precedente da 3ª Turma da Câmara Superior. Em 2018, por maioria de votos os conselheiros mantiveram uma cobrança de IPI por considerar que dois produtos do Laboratórios Stiefel eram hidratantes, apesar de possuírem filtro solar.

De acordo com a Receita Federal, a bula classifica os produtos como cosméticos e não há registro na Anvisa como medicamentos, como defende a fabricante. No entendimento da 3ª Turma, foge ao senso comum dizer que o consignado na bula e o registrado da Anvisa não são indícios suficientes para que não se considere os produtos como medicamentos. Ainda serão julgados embargos de declaração no Carf (processo nº 13893.000864/200406).

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou que não tem informações sobre decisões similares. A Nivea informou que não pode comentar processos em andamento. A Stiefel não deu retorno até o fechamento da edição.

Valor Econômico
https://www.valor.com.br/legislacao/6378655/carf-julga-ipi-de-produtos-da-nivea-com-dupla-funcao#impresso528172
(Notícia na Íntegra)