William Maia | São Paulo

É comum ouvir entre operadores do direito a máxima de que escritório de advocacia ganha dinheiro tanto na bonança quanto na tormenta -às vezes, até mais na tormenta. Parece ser o que ocorre em 2015, segundo grandes bancas e também escritórios médios ouvidos pelo JOTA, que veem nesse ano de retração da economia brasileira um cenário de desafios e oportunidades.

Se a área de mercado de capitais continua devagar quase parando -a expectativa é que novamente ocorra apenas um IPO no ano-, outros setores, como o de fusões e aquisições, reestruturação societária, recuperação judicial, reposicionamento de dívidas e planejamento tributário continuam bastante aquecidos.

Para Paulo Rocha, sócio e membro do conselho do Demarest Advogados, parte das razões que levam a esse cenário positivo para o mercado de M&A está justamente no ambiente econômico. "A desvalorização do real fez com que o Brasil ficasse muito atraente ao investidor estrangeiro. Empresas que já atuavam aqui e outras, como alguns fundos, que tinham receio por conta do valor inflado dos ativos, agora vêm com mais força. Com cheque maior, as coisas ficam mais fáceis", explica o advogado.

Outro fator que contribui para essa movimentação vinda de fora, segundo Paulo Rocha, são as investigações da Polícia Federal, mais especificamente a Lava Jato, que atinge as empreiteiras. "Muitas dessas empresas estão se desfazendo de ativos, reestruturando negócios e dívidas, o que chamamos de recuperação branca. Isso é outro foco de oportunidades para os investidores. E temos nos posicionado bem para auxiliar essas operações", afirma Rocha, que também vê crescimento na área de contencioso e espera alcançar com tranquilidade as metas de crescimento estabelecidas para o Demarest nesse ano.

Rocha admite, porém, que alguns projetos de infraestrutura ainda não estão deslanchando como o escritório esperava, mas acredita que o cenário pode mudar. "Há alguma coisa acontecendo na área de portos, energia, concessões. Não estou entre os pessimistas que dizem que a crise chegou. Isso depende muito da perspectiva. Se você perguntar para o exportador, eles estão felizes da vida", acrescenta.

Quem também mantém um "otimismo cauteloso" é Celso Costa, sócio administrador do Machado Meyer Sendacz e Ópice, outra das maiores bancas do país. "Vivemos um ano de ajustes, que traz consigo algumas incertezas, mas também muitas oportunidades", diz, citando os projetos na área de compliance, turbinados pela entrada em vigor da Lei Anticorrupção, como uma área que apresenta um crescimento "ainda maior do que o esperado".

"Continuamos com um movimento muito bom na área concorrencial. São muitos casos novos entrando, com uma qualidade especial de clientes. Áreas como trabalhista, contencioso e arbitragem também estão com bastante movimento. Nessas áreas não há nem que se falar em crise", observa Celso Costa.

O advogado concorda que o mercado de capitais continua a ser o calcanhar de aquiles do momento. "Há um projeto aqui, outro ali, mas nada que se compare com 2010 e 2011", diz, destacando por outro lado, a crescente atuação do escritório na área de recuperação judicial, em especial no assessoramento de credores.

A maior preocupação do escritório, porém, é com a situação do Carf, que está paralisado desde março, após a deflagração da operação Zelotes, e que sofreu outro baque com a decisão da OAB de proibir advogados de atuarem no órgão. "Essa paralisação sem dúvida afeta novos negócios e também há questões importantes pendentes de julgamento no conselho. Estamos muito preocupados com os desdobramentos da decisão da OAB. Tirando os advogados, como vai se manter a paridade de membros? Qual vai ser o preparo dessas pessoas?", questiona.

"A Receita vai manter quadros experientes, enquanto a sociedade civil será representada por gente que vai precisar de treinamento. O enfraquecimento do Carf é ruim para a sociedade como um todo", complementa.

Outra renomada banca que também vê um cenário positivo para 2015 é o Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga. Segundo José Eduardo Carneiro Queiroz, que chegou nesse ano para ser sócio diretor do escritório, a estratégia de focar em casos de maior valor agregado -processos mais complexos e desafiadores- protege a banca da pressão por redução de custos por parte dos departamentos jurídicos das empresas.

"Essa é uma tendência em um ano como esse, até porque o mercado jurídico brasileiro é muito competitivo. Mas você consegue sair dessa pressão por honorários quando oferece um serviço diferenciado. É isso que nós buscamos, casos mais complexos, que demandem um nível de especialização mais elevado", explica Queiroz.

O advogado não vê ainda um impacto tão dramático na área de infraestrutura em decorrência da operação Lava jato. "Nós temos uma demanda reprimida nessa área de infraestrutura. Acho que menos pela Lava Jato, em si, e mais pelo modelo de concessões que o governo vinha adotando, e também pela falta de velocidade no desenvolvimento dos projetos, causada pela falta de um arcabouço regulatório mais atrativo", argumenta.

"A Lava Jato, na verdade, pode ser vista pelo investidor estrangeiro como um fator que melhora o ambiente de negócios, porque aponta para um cenário em que não será mais tão comum ocorrer casos de corrupção como vinham ocorrendo", adiciona Queiroz, que espera uma melhora nos investimentos no setor no médio prazo e um ano positivo para o Mattos Filho em termos de crescimento.

Médios também ganham

Não são apenas os grandes escritórios já estabelecidos no mercado que espantam a crise com a diversificação de seus negócios. Bancas médias e em ascensão, mais especializadas, também veem oportunidades em 2015.

Para Rodrigo de Souza Leite, sócio do Mendes Barreto e Souza Leite Advogados, o cenário de restrições orçamentárias e maior preocupação das empresas com as repercussões de contratos com o governo geraram um aumento da demanda. "Nós estamos vendo uma preocupação maior das empresas com a fase consultiva, pré-contratual, que antes dessas grandes investigações, como a operação Lava Jato, não era tão comum", relata.

"Estamos vendo um aumento na demanda na área de contratos de direito público e também pela realização de acordos. As empresas querem encerrar processos para diminuir as provisões e aumentar o dinheiro em caixa", acrescenta o advogado, que também destaca as áreas de reestruturação societária e renegociação de dívidas como destaques do ano.

Ronaldo Behrens, sócio Portugal Murad - Direito de Negócios, se mostra mais preocupado com a situação econômica. "Vemos sinais cada vez mais claros da crise, especialmente no setor de infraestrutura, mas outros setores estratégicos com os quais atuamos, em especial tecnologia e saúde continuam bem aquecidos", diz Behrens.

O advogado relata um apetite grande de investidores estrangeiros para atuar na área de saúde no Brasil. "É um mercado que ainda tem muito espaço para crescer", complementa. Behrens conta que o escritório mineiro, que é fruto de uma recente fusão com uma banca de São Paulo, teve que rever recentemente as "ousadas" metas para o ano, mas ainda assim prevê um crescimento de 31% em 2015.

Luiz Gustavo de Oliveira Ramos, sócio do Oliveira Ramos, Maia e Advogados Associados, também destaca as áreas de contencioso cível e reestruturação societária como principais destaques de 2015. A banca paulista, que tem participação importante de clientes da área de telecomunicações, também não se viu muito afetada pela crise. "É claro que sempre há uma pressão aqui outra ali por redução de custos, mas o ano tem sido positivo para nós", afirma.

Mesmo em bancas mais segmentadas, como o Crivelli Advogados Associados, que atua no direito trabalhista com foco nos empregados, os sinais da crise não são tão significativos. "Não houve impacto positivo, nem negativo no número de demissões até agora, pelo menos no setor bancário em que nós focamos. A taxa de turnover continua estável", diz Ericsson Crivelli, fundador do escritório.

(Jota - 18.06.2015)

(Notícia na Íntegra)