A concessão de 22 aeroportos regionais em São Paulo, cuja consulta pública foi iniciada em plena pandemia, deverá atrair pouco interesse, segundo analistas do setor ouvidos pela reportagem. Antes mesmo da crise atual, o projeto já era visto como complexo e arriscado. Agora, a avaliação é que as incertezas podem ameaçar sua viabilidade.

A principal preocupação é em relação à demanda de passageiros, que teria que aumentar consideravelmente para gerar os retornos esperados. Os estudos, feitos pela consultoria IOS, estimam que a movimentação de passageiros, que foi de 2,4 milhões em 2019, chegue a 8,3 milhões até o fim da concessão, em 2050.

"As projeções foram feitas em um cenário pré-coronavírus. O principal entrave no momento é a incerteza de quando haverá uma retomada, o que dificulta a precificação pelo investidor. É difícil prever qual será o tamanho das operações das companhias aéreas após a crise e em quanto tempo voltarão ao normal. Mas não vejo uma ampliação tão cedo" afirma Fabio Falkenburger, sócio especialista em infraestrutura e aviação do escritório Machado Meyer.

O governo paulista, porém, segue confiante e afirma que há interessados. Para Antônio Claret de Oliveira, diretor superintendente do Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp), o projeto tem seus trunfos: além de não exigir investimentos tão volumosos, o contrato prevê flexibilizações que reduzem o risco do investidor caso a demanda não se confirme.

A concessão foi dividida em dois blocos. Um deles, liderado pelo aeroporto de Ribeirão Preto e, o outro, pelo de São José do Rio Preto. Ao todo, estão previstos R$ 400 milhões de investimentos, além de outros R$ 300 milhões em despesas operacionais.

No entanto, apenas R$ 150 milhões dos R$ 400 milhões de investimentos são obrigatórios, e deverão ocorrer já nos três primeiros anos do contrato. O restante só será acionado quando forem atingidos gatilhos de demanda. Caso haja uma frustração no desempenho, pode haver uma revisão ou adiamento.

Mesmo com a inclusão do mecanismo, a expectativa de expansão no número de passageiros é positiva, diz Claret. "A projeção foi conservadora, estamos bastante confiantes que será atingida. Acredito que o fato de o projeto ser em São Paulo ajuda, é um Estado com maior capacidade de recuperação", afirmou, em conversa com o Valor.

O governo, portanto, não tem planos de alterar o projeto a princípio, mas admite a possibilidade de postergar o leilão, inicialmente previsto para novembro deste ano. A concorrência poderá ficar para 2021, diz ele.

Claret, que presidiu a Infraero durante o governo de Michel Temer, assumiu a Daesp no início do ano passado já com a missão de desestatizar os aeroportos regionais. Desde então, fez mudanças internas para enxugar os gastos da estatal, assim como buscou melhorias nos aeroportos, para trazer mais valor e prepará-los para a licitação.

O governo paulista também deu um incentivo importante para as companhias aéreas ampliarem sua atividade nos aeroportos regionais: reduziu a alíquota do ICMS cobrado sobre o querosene de aviação, em troca do aumento no número de voos no Estado. Com isso, conseguiu reativar aeroportos que estavam ociosos ou parados.

O benefício, porém, é incerto no longo prazo e não pode ser considerado na projeção de demanda até o fim do contrato, afirma um advogado com experiência em concessões aeroportuárias, que pediu anonimato.

Para ele, um dos problemas do processo é a falta de informações sobre a situação financeira de cada um dos aeroportos, assim como seus contratos vigentes.
O fato de a primeira concessão aeroportuária do Estado não ser um exemplo de sucesso tampouco ajuda no atual processo, avalia Bruno Aurélio, sócio de Infraestrutura do Demarest.

Em novembro de 2017, o governo paulista, então comandado por Geraldo Alckmin (PSDB), concedeu os aeroportos de Jundiaí, Campinas, Ubatuba, Itanhaém e Bragança Paulista ao consórcio Voa SP, formado por empresas de menor porte.

Apesar das incertezas, Claret afirma que o interesse da iniciativa privada se mantém. Antes da pandemia, a equipe teve 15 pedidos de reunião com grupos, que se dividiam entre grandes empresas nacionais, estrangeiros interessados em entrar no país e companhias menores, mas com experiência em gestão aeroportuária.

O projeto é uma boa porta de entrada para grupos interessados no setor, avalia Claudia Bonelli, sócia de infraestrutura do TozziniFreire, que também reconhece que a crise traz desafios ainda maiores ao leilão. "É uma oportunidade para empresas de logística ou transportes de passageiros que estiverem capitalizados e queiram migrar ao segmento aeroportuário", diz.

A consulta pública do projeto foi iniciada no dia 17 de abril e ficará aberta até o dia 21 de maio para receber as contribuições. Nesse meio tempo, no dia 12 de maio, será realizada uma audiência pública virtual, devido às medidas de isolamento social.


Jornalista: HIRATA, Taís


(Valor Econômico - 04.05.2020, p. B6)