Jacilio Saraiva | São Paulo Grandes empresas estão patrocinando cursos, palestras e viagens para ampliar a formação cultural de suas equipes. O objetivo, além de aumentar a bagagem de conhecimento de altos executivos e gerentes, é aprimorar as relações de trabalho com pares e clientes e apoiar políticas de engajamento e de retenção de talentos. Para especialistas em recursos humanos, profissionais bem informados em áreas diversas têm mais chances de alavancar negócios e afinar parcerias estratégicas. Afinal, quem gosta de conversar com alguém que só fala de orçamentos e planilhas?
Líderes de primeiro escalão, inclusive, costumam pagar do próprio bolso por atualizações extras. "É comum aos gestores se comprometerem com o desenvolvimento pessoal, independentemente dos investimentos das empresas", diz Márcia Almström, diretora de RH do ManpowerGroup Brasil, de seleção de executivos. Para Luiz Valente, diretor geral da empresa de recrutamento Talenses, a intenção dos empregadores com os programas ligados a cultura é elevar o patamar intelectual e aguçar a percepção dos colaboradores. "Um funcionário bem informado fica mais à vontade para conversar com pares de diferentes níveis ou solucionar problemas", afirma. O especialista afirma que esse movimento acontece desde os anos 1990, mas ganhou força nos últimos cinco anos com a maior demanda de organizações dos setores de serviços, finanças e vendas. "Times com maior acesso a cultura conseguem compreender melhor as diferenças existentes no mercado, saem do lugar comum nas rotinas de trabalho e, como consequência, alcançam ganhos de produtividade." O escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, com 350 advogados, mantém uma parceria com uma escola de cultura geral há oito anos. "Discussões que envolvem assuntos não jurídicos, como filosofia, arte ou história, enriquecem e facilitam o diálogo entre colegas e clientes", diz o sócio Adriano Schnur, responsável pelo comitê de qualidade profissional da banca. As iniciativas da empresa estão abertas para todo o quadro, mas são profissionais entre 30 e 40 anos de idade os que mais aderem às ações. No ano passado, o escritório patrocinou quatro palestras de temas gerais que receberam, em média, 90 inscritos. Este ano, o volume de encontros deve ser mantido. A lista de seminários incluiu discussões com o filósofo Luiz Felipe Pondé sobre a figura do casamento; a palestra "Direita e esquerda: ascensão e queda dos rótulos políticos", com o historiador Leandro Karnal, e "Uma psicologia das mentiras e das verdades", com Pedro Calabrez, especialista em neurociência, sobre os sinais que identificam os mentirosos. Schnur explica que recebe os temas disponíveis para debates das instituições e seleciona até quatro assuntos de interesse do público interno. "Os custos são assumidos pelo escritório. Para palestras e cursos fora da empresa, a Casa do Saber, nossa parceira, oferece descontos para os funcionários". Um exemplo é o de Eliana Helena de Gregório Ambrósio Chimenti, sócia do escritório na área de mercado de capitais, que participou de uma palestra sobre os conflitos no Oriente Médio com o jornalista e especialista em assuntos internacionais Jaime Spitkovsky. A inscrição foi paga pela empresa. Luiz Valente, da Talenses, afirma que é importante que as chefias escolham programas que, de alguma forma, se relacionem com o negócio da empresa. "Caso exija um alto investimento, a companhia deve analisar quais os profissionais que trarão mais resultados com o projeto", diz. O ideal, segundo ele, é identificar os departamentos com maior necessidade de cursos, por conta de baixa produtividade, "gaps" já existentes ou pela demanda dos cargos. "Até ações mais simples, como o incentivo à leitura, podem fazer a diferença na formação profissional", diz. A PwC Brasil mantém iniciativas de cunho cultural há pelo menos oito anos, com o patrocínio de ingressos a teatros e museus. Desde 2012, a empresa iniciou uma parceria com uma escola especializada, dirigida a sócios e diretores. "Como temos uma grande diversidade entre as equipes, os intercâmbios de cultura geral podem ajudá­las na construção de relacionamentos e de uma visão mais ampla do mundo", afirma o diretor de recursos humanos, Marcelo Sartori. A previsão é patrocinar mais de 40 eventos este ano, o mesmo volume de 2014. Márcia Almström, do ManpowerGroup Brasil, enfatiza que a globalização e a intensificação de reportes internacionais pelas filiais forçaram os departamentos de RH a encararem alternativas de crescimento cultural com mais atenção. "Além de azeitar a capacidade de gerar relações com os clientes atuais e com outros em potencial, a estratégia melhora o ambiente de trabalho", diz. Para quem tem dúvidas sobre que tipo de curso escolher, ela recomenda baterias de curta duração sobre vinhos, culinária internacional, postura e etiqueta. "Os executivos podem buscar aprimoramentos além dos investimentos já realizados pelas empresas." Foi o que fez Marco Leone, diretor geral para o Brasil da Micro Focus, empresa de tecnologia com faturamento de US$ 1,4 bilhão. Atualmente, o executivo reserva parte da agenda para workshops de culinária. "A gastronomia me ajudou a desenvolver e a melhorar as habilidades de gestor. A finalização de um prato, por exemplo, é semelhante à apresentação de um projeto corporativo, pois valoriza todo o preparo". Para incrementar os estudos na área, Leone visitou cozinhas de chefs renomados na França e fez parte de confrarias sobre o assunto. Isso o ajudou a entender melhor o dia a dia de um líder e temas como planejamento, trabalho em equipe, logística e controle de qualidade. "As despesas são custeadas por mim." Segundo Gustavo Coimbra Costa, sócio­diretor do Unique Group, focado em alta gestão e desenvolvimento de líderes, uma bagagem cultural pesada aumenta o leque de oportunidades de negócios. Do lado das empresas, a adoção de cursos especiais também surge como uma prática eficaz na atração de novos talentos. "Com o patrocínio desses eventos, os departamentos de RH percebem uma menor rotatividade, maior engajamento das lideranças e mais visibilidade de mercado como uma marca empregadora diferenciada", diz. Na Cyrela, do setor de imóveis, o MBA "in company" criado em 2012 já levou aos alunos uma peça de teatro sobre a vida do físico Albert Einstein e uma sessão do filme "Piratas do Vale do Silício", sobre a popularização dos computadores. "O objetivo foi trabalhar conceitos de inovação e estratégia", diz a gerente de recursos humanos Aline Ferreira. O programa da empresa, que já beneficiou 60 profissionais de alta liderança, também propiciou um roteiro cultural em Chicago, nos Estados Unidos, com arquitetos locais que explicam a história da cidade e de seus principais ícones urbanos. Fora do MBA, a Cyrela promove viagens culturais para as equipes de arquitetura e incorporação a destinos "inspiradores", como Dubai, Paris e Milão. "Estamos planejando uma visita guiada à exposição de Picasso, em São Paulo." Renata Bove, diretora de marketing da Abramundo, do setor de educação, optou por imersões em eventos de filantropia. No ano passado, participou por conta da empresa de um fórum mundial da área, em San Francisco, nos EUA. "Fomos recebidos para um jantar na casa de um dos investidores sociais da cidade e visitamos a Google Foundation", conta. Ela também dirige, no Brasil, o Instituto Abramundo, braço social da companhia. "Foi uma oportunidade para conhecer entidades do mundo inteiro, que atuam com saúde, agricultura e meio ambiente."Valor Econômico - 23.04.2015, p. D3