Varejo, infraestrutura, bancos e açúcar e álcool devem passar por ano de consolidação
Por Marcio Juliboni e Thiago Bronzatto | 28.01.2010 | 10h02
Já virou folclore dizer que, antes do Carnaval, os únicos que
trabalham duro no Brasil são os próprios carnavalescos. Mas, longe dos
galpões das escolas de samba, outro bloco começou 2010 em um ritmo tão
ou mais frenético - o das fusões e aquisições. Em suas alas, desfilam
executivos de empresas de todos os portes, investidores, fundos de
private equity, consultores e advogados. Se o início do ano passado foi
atravessado pelo descompasso da crise econômica, que retraiu os
investimentos e fez com que as aquisições sumissem da avenida por seis
meses, as primeiras semanas de janeiro mostram uma nova nota de
otimismo. A compra da Quattor pela Braskem, criando a
oitava maior petroquímica do mundo, e a aquisição do braço mexicano do
banco ibi pelo Bradesco - ambas antecipadas pelo Portal EXAME - são apenas dois exemplos de que o mercado promete muito samba neste ano.
Segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers, a previsão para 2010
é de que 700 fusões e aquisições sejam realizadas no Brasil. Se isso
for confirmado, o país ficará pouco atrás de 2007, quando bateu o
recorde de operações, com 721. "Desde o início de janeiro estamos
tocando uma média de 25 transações", afirma Alexandre Pierantoni, sócio
da Price. É verdade que o ano passado não foi, propriamente, uma
tragédia. Ao todo, foram fechados 630 negócios no país – pouco abaixo
dos 643 de 2008. Entre eles, estão movimentos expressivos como a fusão
da Sadia com a Perdigão, que criou a Brasil Foods, e a
consolidação do setor de varejo, liderada pelo Pão de Açúcar que, em
seis meses, comprou o Ponto Frio e o uniu com a Casas Bahia.
"Quase todas as negociações que estavam suspensas por causa da
crise foram retomadas, e outras foram iniciadas", afirma Alexandre
Bertoldi, sócio-diretor do Pinheiro Neto, cujo escritório está
envolvido em 15 operações no momento. "O número de negócios em curso é
totalmente atípico para janeiro", completa. A corrida para fusões e
aquisições é sustentada pela resistência que o país demonstrou durante
a crise mundial nos últimos 18 meses - o que lhe rendeu elogios
públicos. Na edição de dezembro passado da revista EXAME,
o presidente do JP Morgan, Jamie Dimon, afirmou que o Brasil não é mais
um mercado emergente. "Já emergiu", enfatizou Dimon um mês depois de a
revista inglesa The Economist estampar na capa a imagem do Cristo
Redentor decolando como um ônibus espacial.
Os fundos de private equity - especializados em comprar
participações em empresas - devem protagonizar várias transações neste
ano. Além dos tradicionais investidores americanos e europeus, novos
personagens como indianos e chineses estão chegando por aqui. A
consultoria Ernst & Young espera participar de cerca de 140
transações neste ano, 20% mais do que em 2009. "Desse total, cerca de
30% dos negócios devem ser gerados por private equity", estima Carlos
Asciutti, sócio da Ernest & Young, que já trabalha com 18 operações
desde janeiro. Ele estima que o patrimônio desses fundos seja de 10
bilhões de dólares - e parte do dinheiro ainda está disponível para
novas aquisições.
Os maiores fundos também estão se movimentando. O americano
Carlyle, gestora de 85 bilhões de dólares de ativos no mundo, tem
direcionado o seu radar para o Brasil. Seu lance mais recente foi a
compra de 63,6% das ações da CVC Turismo, anunciada no começo deste
mês. A expectativa é que a empresa dobre de tamanho até 2015. A compra
da CVC reflete a confiança do fundo na expansão da >
Outro grupo que vai movimentar o mercado são as empresas de
capital aberto. "O ano começou com muitas operações envolvendo o
mercado de capitais", afirma Marcelo Cosac, sócio da Felsberg,
Pedretti, Mannrich e Aidar Advogados. A Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) analisa, neste momento, sete pedidos de emissão de ações - três
aberturas de capital e quatro captações de empresas já listadas. Ao
todo, essas ofertas podem atingir seis bilhões de reais. Parte desse
dinheiro deve ser usado pelas companhias para comprar rivais e liderar
processos de consolidação. Além disso, a bolsa de valores em alta
também facilita fusões e aquisições baseadas em troca de ações. "É um
mecanismo pouco usado no Brasil, mas muito recorrente no mundo", afirma
Reinaldo Grasson, sócio da consultoria Deloitte.
Internacionalização
As empresas brasileiras não devem se restringir a comprar apenas
rivais que atuam por aqui. Com o câmbio estável e a volta da liquidez
ao mercado financeiro, os especialistas acreditam que o processo de
internacionalização continuará forte. Para os próximos dois anos, uma
das apostas mais frequentes é de que os bancos brasileiros iniciem a
sua expansão mundial, já que o setor viveu uma intensa consolidação
interna nos últimos anos. Um exemplo seria o banco Bradesco que
adquiriu em janeiro deste ano todo o serviço financeiro do banco Ibi no
México. "Há uma tendência no setor financeiro de crescer em outros
países antes que seja engolido por concorrentes que têm os mesmos
objetivos", afirma Ricardo Veirano, sócio do escritório Veirano
Advogados.
Mas setores tradicionais também devem continuar buscando
oportunidades lá fora. Prevendo uma disputa ferrenha na exploração das
reservas do pré-sal e a corrida pela conquista do mercado global de
petróleo, a companhia petroquímica Braskem tem procurado
se tornar uma gigante em seu setor. Depois de incorporar a Quattor, com
a ajuda da Petobras, a oitava maior produtora de resinas do mundo está
com fôlego para fazer alianças estratégicas para se tornar líder na
América - hoje ela está atrás apenas da americana Dow Chemical, com
quem tem mantido conversas sobre uma provável fusão. "Crescer
internacionalmente está na agenda do Brasil. A médio prazo, será uma
ação importante para a economia do país. Mas no mercado doméstico ainda
há muitos espaços de expansão", diz Barbara Rosenberg, Barbosa Mussnich
& Aragão.
No mercado interno, o candidato disparado à consolidação é o setor
de açúcar e álcool, que conta com cerca de 50 usinas à venda.
Pouquíssimos grupos nacionais do setor teriam condições de fechar
muitos negócios, já que a maioria acumula dívidas exorbitantes,
decorrentes da crise mundial que acabou com o crédito. Por isso, os
especialistas afirmam que o setor viverá um intenso desembarque de
estrangeiros. "Há diversos investidores no exterior interessados em
aportar capital nesse ramo que cresce de 10% a 15% ao ano", afirma o
advogado alemão Christian Roschmann, sócio do escritório Lefosse. Além
das gigantes do setor - ADM, Bunge, Cargill e Louis
Dreyfus -, grupos estrangeiros estão consultando assessores locais em
busca de negócios, já que o Brasil será beneficiado neste ano por
preços elevados da cana em função da menor produção na Índia, na China
e no Paquistão.
A intensa consolidação de alguns setores no ano passado ainda deve
repercutir em 2010. Os concorrentes não devem assistir impassíveis à
fusão do Ponto Frio com a Casas Bahia,
liderada pelo Pão de Açúcar no ano passado. Os especialistas acreditam
que os principais concorrentes, como Walmart, Carrefour e Magazine Luiza,
tentarão adquirir redes menores para não perderem mais participação de
mercado. O que põem pilha nessa disputa são a expansão de renda, a
queda na taxa de desemprego e a disponibilidade do crédito que alçam
novos consumidores à >
Na opinião de especialistas, o que pode fazer a diferença nesse
setor é o comércio eletrônico aliado ao crédito para pessoa física. Com
a inclusão digital e a popularização das vendas on line - cujo
crescimento é de 30% ao ano -, a plataforma virtual deverá imantar
novos consumidores nos próximos anos. Mas, para atender essa demanda,
as empresas deverão estar prontas para parcelar seus produtos no
cartão. "Neste ano, haverá uma expansão do crédito de aproximadamente
15%", calcula Veniltom Tadini, diretor-sócio da área de investimento
bancário do banco Fator. Redes como a B2W (fusão entre
Americanas e Submarino) e a Extra.com perderão participação por conta
da entrada - ou do fortalecimento - de novos concorrentes. "Esse quadro
estimulará novas operações no mercado", acrescenta Tadini.
Infraestrutura
O aquecimento da economia brasileira deixará o setor de
infraestrutura borbulhando nos próximos anos. Os dois maiores eventos
esportivos do mundo vão mexer com a economia do país. Tanto para a Copa
do Mundo, em 2014, como para as Olimpíadas de 2016, será destinada uma
quantia de dinheiro extraordinária para os setores de construção civil,
energia elétrica, siderurgia e mineração. Nesse pacote de investimento
bilionário, novos estádios serão construídos, reformas em aeroportos
serão feitas, terminais de ônibus ganharão mais frotas de veículos,
unidades hoteleiras vão pipocar em volta das principais capitais do
país e nas rodovias será proclamada uma caça aos buracos - pelo menos
nos acessos aos grandes centros urbanos. "Independente de quem será o
nosso próximo presidente, esse segmento continuará recebendo
investimentos. Com essa estabilidade, investidores vão buscar
consolidações", afirma Marcos Flesch, do escritório Souza, Cescon,
Barrieu & Flesch.
No ramos de minério e energia, ambos muito consolidados, há quem
aposte num movimento novo nas próximas transações. As empresas
prestadoras de serviços auxiliares terão as suas atividades fundidas,
ou completamente incorporadas, para facilitar, por exemplo, o
escoamento de importação e exportação no segmento de siderurgia. "As
unidades terceirizadas ainda são muito fragmentadas no Brasil. Por
isso, elas têm um alto potencial de crescimento e de consolidação",
defende Carlos Motta, sócio do escritório Machado Meyer, Sendaz e Opice.
Há, é claro, outras carteiras de recomendações como as áreas de
saúde, educação, cosméticos, logística e indústria farmacêutica. "Fomos
até buscar na Europa um advogado brasileiro para atuar no segmento de
bio direito, já que o setor necessita de um profissional especializado
para atender à demanda", conta Alberto Murray Neto, do escritório Paulo
Roberto Murray. Porém, alguns especialistas são cautelosos quanto à
euforia do momento sugestivo para fusões e aquisições. “Será um ano
melhor do que o anterior, mas não chegará ao ponto de ser atípico.
Ainda há muitas incertezas no cenário mundial", alerta Moacir
Zilbovicius, sócio do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e
Quiroga Advogados.
É sempre bom lembrar que estamos no Brasil, onde o ambiente de
negócios melhorou depois da crise financeira mundial, mas ainda não é
uma maravilha. "A incerteza na legislação de alguns setores ainda
preocupa os estrangeiros", afirma a advogada Daniela Tavares, do Leite,
Tosto, Barros e Associados. De certa forma, o que tranquiliza
consultores, advogados, banqueiros de investimento e analistas é a
frase cômica do milionário Warren Buffet: "Eu seria um mendigo na rua
com um copo de lata se os mercados fossem sempre eficientes".
(Portal Exame | http://portalexame.abril.com.br 28.01.2010)
(Notícia na Íntegra)