Mercado reabre para ofertas
Por Graziella Valenti e Daniela D'Ambrosio, de São Paulo
A construtora Gafisa engordará o volume de ofertas de ações que começa a chegar ao mercado. A companhia deve anunciar amanhã uma captação na casa de R$ 800 milhões com a emissão de papéis na bolsa. Será a sexta operação anunciada neste ano. Apesar da crise internacional, os investidores sinalizaram ter apetite pelas empresas brasileiras, especialmente as ligadas ao consumo doméstico.
Antes da Gafisa, comunicaram o plano de vender ações na bolsa Visanet (já no aguardo do registro pela Comissão de Valores Mobiliários), BRF-Brasil Foods, resultado da união de Perdigão e Sadia, Natura e MRV. No começo deste ano, o Citi obteve R$ 2,2 bilhões com uma oferta secundária de Redecard.
Somadas as intenções de ofertas já confirmadas com a colocação da Redecard, há um potencial de que as operações somem R$ 13,5 bilhões. O volume supera os R$ 8,8 bilhões levantados na Bovespa em 2004, ano da retomada do mercado de capitais brasileiro.
Quem também planeja voltar à Bovespa é a Hypermarcas, que reúne marcas de medicamentos, higiene e limpeza e alimentos. Consultada, a companhia informou, por meio de sua assessoria, que não comenta rumores de mercado. Mas, conforme o Valor apurou, o objetivo da empresa é obter recursos para aproveitar o cenário favorável para novas aquisições. O preço das ações da empresa na bolsa está acima de R$ 22,00, perto da máxima histórica alcançada em meados de 2008.
"Quanto mais perto do consumidor final estiver a empresa, melhor", afirma José Olympio Pereira, diretor da área de banco de investimentos do Credit Suisse no Brasil, destacando a melhora no cenário para ofertas.
O segundo semestre promete ser movimentado, a despeito das incertezas que ainda existem no ambiente internacional. As operações esperadas são de empresas já abertas, com histórico de resultado conhecido pelo mercado - que apesar de interessado, ainda está machucado pelas fortes quedas provocadas pela crise.
Pereira destaca o desempenho da bolsa brasileira como fator encorajador para as companhias. "É uma das melhores performances do mundo." No ano, o Índice Bovespa acumula alta superior a 45%.
A valorização indica tanto que os preços das ações voltaram a ficar suficientemente atrativos para os vendedores e para as companhias captarem como também que existe apetite pelos ativos.
O interesse dos investidores está especialmente concentrado nas companhias que atuam no mercado interno e que se beneficiam das iniciativas do governo para estimular o consumo.
A venda das ações da CPFL pela Bradespar também foi um forte indicador dessa demanda. Do dia para a noite, a companhia de participações do Bradesco colocou no mercado R$ 532 milhões, com um deságio pequeno. "Foi um divisor de águas", acredita Pereira.
O setor de construção civil deve ser um dos principais agentes da retomada das operações com ações, principalmente as empresas beneficiadas pelo programa do governo federal Minha casa, minha vida. Por conta desse estímulo, as ações de diversas construtoras estão entre os destaques de alta da bolsa no ano.
O interesse das companhias de captar com ações já está sendo notado nos escritórios de advocacia.
Carlos Barbosa Mello, do escritório Mattos Filhos Veiga Filho Marrey Jr e Quiroga, conta que as consultas aumentaram. "Mas estamos falando de ofertas de empresas já abertas." Ele destaca que essas operações, além de gerarem recursos para as companhias e os controladores, ajudam a melhorar a liquidez dos papéis. Com isso, auxilia a companhia a integrar índices e valorizar seu preço, tornando a própria ação um ativo interessante como dinheiro.
Embora a Hypermarcas esteja pensando em recursos para novas aquisições, esse ainda não é motor das operações que estão no forno. Na onda passada de captações com ações, crescer comprando outras empresas era um dos principais objetivos da ida à bolsa.
Marcos Rafael Flesch, do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados, afirma que as operações de fusões e aquisições mantiveram-se aquecidas. No entanto, diante do atual cenário de escassez de crédito, a principal moeda dessas transações estão sendo as próprias ações. "Por enquanto, não dá para falar numa onda de ofertas que visem aquisições, como no passado."
Diante da retomada do mercado, começam a surgir as primeiras avaliações de que já no primeiro semestre de 2010 - mantido o atual ambiente - recomecem as estreias de empresas na Bovespa, ou seja, as ofertas iniciais de ações.
"Já há companhias pensando em tirar a poeira do armário", afirma Paulo Sergio Dortas, sócio da firma de auditoria Ernst & Young. Mas para as candidatas a novatas da bolsa, segundo o especialista, o cenário de preços é especialmente diferente daquele verificado em 2007, auge da euforia do mercado.
Pereira, do Credit Suisse, destaca que a onda de colocações de empresas já abertas historicamente precede as estreias. No entanto, para essas operações, a seletividade do investidor será especialmente relevante.
De acordo com o diretor do banco de investimento, ficou claro para o mercado, mais do que nunca, a importância da liquidez. Assim, não será possível pensar em ofertas inferiores a R$ 1 bilhão. "O intervalo ideal é entre R$ 2 bilhões e R$ 5 bilhões."
Além de tamanho, os investidores buscarão melhores informações sobre a qualidade do negócio e o compromisso da administração com padrões elevados de governança corporativa.
O advogado Carlos Motta, do Machado Meyer Sendacz & Opice, explica que os processos de auditoria serão mais detalhistas nesta próxima temporada.
(Valor Econômico 02.06.2009/Caderno D1)
(Notícia na Íntegra)