O Governo tende a exigir contrapartida das empresas para uma possível renovação das concessões de hidrelétricas que vencem em 2015, incluindo Ilha Solteira e Jupiá, pertencentes à geradora estatal paulista Cesp. Sem garantia da renovação das duas usinas, os investidores perderem o interesse pela Cesp, inviabilizando sua privatização. A idéia que predomina no grupo de estudos do Ministério das Minas e Energia (MME) é abrir mão da licitação na hora de renovar as concessões desde que a companhia detentora da atual outorga aceite receber bem menos pela energia e adote medidas que beneficiem o consumidor. Para tanto o ministério já sinaliza com a mudança na legislação do setor elétrico, isso porque a atual não permite a segunda renovação.
Ao criar o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que instituiu o grupo de trabalho para tratar da renovação das concessões de geração, o governo já dá mostras de que o consumidor deve se beneficiar do menor custo de produção de eletricidade dessas usinas, uma vez que são ativos que já foram amortizados ao longo dos anos.
Levantamento realizado pelo MME indica que o custo médio de geração das usinas já depreciadas gira em torno de R$ 10/MWh, bem abaixo do preço da energia nova que gira entre R$ 80 e 120 o MWh. Por conta disso, uma das alternativas consideradas pelo governo para compartilhar este benefício com os consumidores é a manutenção das concessões com os atuais proprietários mediante a fixação de um preço-teto para a venda da energia elétrica no mercado cativo. Outra tese que circula pelos corredores de Brasília é a mudança do regime de concessão de serviço público para produtor independente, sendo que o gerador, nesse modelo, pagaria ao governo federal pelo uso do bem público (UBP).
Para advogados, entretanto, o governo federal deve ter cuidado para que essa nova lei não seja contestada judicialmente. "Há o risco de a nova norma ser considerada inconstitucional. A limitação de uma única prorrogação seguiu um ordenamento jurídico definido anteriormente. Por que essa nova lei não seguiu?", aponta o sócio do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, Luis Eduardo Serra Netto. A base da argumentação é o artigo 175 da Constituição Federal que estabelece que a prestação do serviço público seja sempre precedida de uma licitação.
Apesar de também considerar o risco da inconstitucionalidade, o sócio do escritório de Advocacia Waltenberg, David Waltenberg, lembra que o parágrafo único do artigo 175 abre a possibilidade para que lei posterior disponha sobre as condições da prorrogação do contrato de concessão. Esse dispositivo foi regulamentado pela Lei das Concessões (nº 8.987/95), que não limitou o número de prorrogações. "Em uma discussão, cada jurista teria uma interpretação. Mas tendo a ficar com a segunda tese, porque nunca ouvi um argumento evocando a inconstitucionalidade da lei que criou a Aneel, que permitia indefinidas prorrogações", justifica.
Das hipóteses avaliadas pelo governo, a mudança do regime de exploração para produtor independente é considerada como a mais adequada pelos advogados. "A figura do concessionário de serviço público no segmento de geração é anacrônica", afirma a sócia do escritório Ulhôa Cantos, Rezende e Guerra Advogados, Isabel Lustosa. Segundo a especialista, esse modelo no segmento de geração fazia sentido quando as tarifas eram reguladas. "Hoje, o preço da energia no setor de geração é definido em leilões", explica.
Foi sob o argumento de adequar o regime de concessão das geradoras que o governo federal incluiu o artigo 28 da lei nº 9.074/95, que permite a mudança para produtor independente em caso de privatização. Nesse sentido, Isabel afirma que a discussão da renovação das concessões é uma boa oportunidade para promover essa alteração. "Isso eliminaria dois problemas: encerra a figura do serviço público em geração, dotando o setor de um regime econômico mais próximo da iniciativa privada, e amplia o prazo da outorga dos ativos", diz.
Para o advogado associado do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Ricardo de Lima Assaf, a proposta de limitar o preço da energia e obrigar o gerador a vender no mercado cativo pode resultar em contestações judiciais por parte dos agentes. "Dependendo da maneira que isso for colocado, pode se questionar que fere direitos adquiridos", afirma. O especialista lembra que essa situação é distinta da concessão de novos empreendimentos, nos quais o governo, detentor do aproveitamento hídrico, estabelece previamente as condições para que seja explorado pelo mercado. "Ou seja, quem participar do leilão já sabe as regras. Isso é muito diferente de impor as condições para usinas que já existem", argumenta.
Na avaliação de Waltenberg, a discussão atual em torno das concessões revela uma espécie de contradição dentro da área de energia no atual governo federal. "Como explicar que o mesmo governo mude sua interpretação sobre o tema em tão pouco tempo?", questiona. O especialista lembra que foi o próprio governo do presidente Lula que impôs a limitação da prorrogação das concessões para uma única vez na lei 10.848/04, que estabeleceu o marco regulatório do setor elétrico, ao revogar o artigo 27 da lei nº 9.427/96, que criou a Aneel.
"Agora, o MME cria um grupo de trabalho para determinar os novos critérios que permitem mais de uma renovação. Talvez o governo não tenha pensado nas estatais na época das discussões do novo modelo", diz. Vencem em 2015 as concessões de usinas que totalizam 20 mil MW médios de grandes empresas estatais como Copel, Cemig, Chesf, Furnas e Cesp. Mas a preocupação dos agentes é que o tema tenha uma rápida definição, já que, até 2015, um volume de 16 MW mil médios dessa energia velha estará totalmente descontratada.
Um ponto que chamou a atenção de Waltenberg no texto da resolução nº 4/08 do CNPE é que o MME não estabelece um prazo para conclusão dos estudos do grupo de trabalho. "Causa estranheza porque não é de praxe. Isso talvez demonstre que o governo não está tão empenhado em resolver o tema", especula. Dentro do próprio governo isso não é certo. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, já afirmou que determinou o prazo de três meses para conclusão dos trabalhos. Já o secretário-executivo do MME, Márcio Zimmermann, disse, por sua vez, que o encerramento das avaliações do grupo deverá ocorrer até o final do ano.
Mesmo que o governo defina os critérios em um curto prazo, a solução não será imediata. A promulgação de uma nova lei exigirá que o debate tramite no Congresso Nacional para ser aprovado. O governo federal pode tentar acelerar o processo publicando uma medida provisória (MP). "A MP tem validade por 60 dias, sendo prorrogado por mais 60 dias. Se não for apreciada nesse período, tranca a pauta do Congresso Nacional", explica Waltenberg.
Para Isabel, do Ulhôa Cantos, Rezende e Guerra Advogados, é importante que as novas regras a serem estabelecidas pelo governo federal sejam uma escolha compulsória do gerador para obter a renovação de suas concessões, de modo a não eliminar a possibilidade de disputar os ativos em uma licitação caso lhe seja conveniente. "O dispositivo deve facultar a possibilidade de o concessionário seguir as regras para obter a renovação", afirma.
Em complemento, Assaf afirma que o MME deveria aproveitar o grupo de trabalho para definir os critérios caso as concessões retornem à União. "Há uma grande dúvida dos critérios de indenização dos ativos não amortizados e como se dará o processo de licitação", diz. "O governo precisa fornecer uma solução global para a questão", acrescenta.
Wellington Bahnemann