Privatização total ou parcial dos portos é uma das ações
previstas. Em novo marco legal, Dilma quer incluir dispositivos para novas
outorgas de terminais, melhoria da governança etc.Benedito Sverberi e Naiara Infante Bertão
A presidente Dilma Rousseff quer reformular nos próximos
meses as regras de funcionamento de todo o setor portuário nacional. Nas
últimas semanas, a imprensa veiculou informações de que o governo pretende
incluir esse modal logístico em uma nova rodada de privatizações do país – na
tentativa de impulsionar a taxa de investimento e melhorar a combalida
infraestrutura brasileira. O site de VEJA apurou, no entanto, que é bem mais
que isso. Fontes próximas da negociação confirmam que licitar portos é uma das opções
confirmadas. O plano da presidente é, contudo, mais ousado, passando por
melhorias na governança das companhias docas e no relacionamento destas com os
terminais portuários privados, o estabelecimento de um novo regime de outorgas
de terminais, entre outras medidas.
Para não correr o risco de ver o projeto empacar, a
presidente o tomou para si – tal como nos novos leilões previstos para os
aeroportos. A ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, coordena o processo e
mimetiza a superiora hierárquica ao impor um estilo "gerentona" às
discussões, cobrando eficiência, números precisos e agilidade. Ela serve também
de emissária de recados da própria Dilma aos empresários, servidores públicos e
especialistas que participam das articulações.
Reuniões frequentes – Há 90 dias, Gleisi reúne-se toda
semana (geralmente às sextas-feiras) na sede da Secretaria Especial de Portos
(SEP), em Brasília, com agentes da própria pasta e da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq), além de empresários do setor e consultores. A
ideia é fazer um grande balanço da situação dos portos no país, com foco nos
pontos que precisam ser aperfeiçoados com urgência. O interesse em entender os
problemas do segmento não é novo. Bem no início de sua gestão, Dilma articulou
com o BNDES a encomenda de um diagnóstico abrangente deste modal logístico.
Quatro consultorias privadas passaram todo o ano passado e uma parte deste
esmiuçando os problemas legais e econômicos da área, traçando projeções de
demanda de serviços portuários, entre outros levantamentos. Uma fonte que
participou da elaboração do documento diz que o trabalho está encerrado e já se
encontra em análise no Planalto. Em breve, servirá de base para a elaboração de
um projeto de lei que tramitará no Congresso para reformular o marco legal
portuário. “O timing para a aprovação da lei é imprevisível porque depende de
questões politicas. Posso afirmar, no entanto, que o governo usará todo seu
poder de articulação para aprová-lo em caráter de urgência porque este é um
tema prioritário da presidente”, afirma.
Apesar de não participar das reuniões, Dilma avalia e
palpita sobre tudo o que é debatido. Gleisi é os olhos e ouvidos da presidente.
Reclamações sobre dados inconsistentes, dúvidas sobre as propostas
apresentadas, sugestões de mudança etc. A cada reunião, a ministra tem sempre
uma ‘novidade’ vinda da presidente para ‘desespero’ dos negociadores que têm de
correr para sanar tais questionamentos.
Privatizações – Já é certo que as mudanças previstas não
vão se restringir à (muito necessária) privatização total ou parcial da gestão
portuária – hoje os 34 portos brasileiros são administrados diretamente ou
indiretamente por estados e municípios. Gleisi e a ministra do Planejamento,
Miriam Belchior, que eventualmente participa de algumas reuniões, estão
destrinchando o funcionamento da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, a
chamada Lei dos Portos. “Elas (Gleise e Miriam) anotaram tudo o que falamos
sobre os benefícios que a Lei (dos Portos) trouxe e também o que precisa ser melhorado.
Disseram que vão se basear nessas conversas para traçar mudanças para o setor”,
relata uma fonte do setor portuário que participou de uma dessas reuniões, duas
semanas atrás. A revisão do modelo portuário pelo governo conta também com a
ajuda da SEP e da Antaq – que, perto da Casa Civil, assumiram um papel
meramente secundário nas negociações.
Evolução – Analistas ouvidos pelo site de VEJA são unânimes
em afirmar que é inegável a contribuição positiva que a Lei nº 8.630 trouxe ao
setor anos atrás. Antes dele, uma única estatal, a Portobras, cuidava de todos
os portos do país. Com a nova legislação, as autoridades portuárias ganharam o
direito de arrendar áreas nas adjacências para que entes privados pudessem
operar terminais. Ao longo da década de 1990, o forte processo de
descentralização e os pesados investimentos privados foram fundamentais para
melhorar a qualidade e eficiência destes serviços, dando suporte ao
desenvolvimento do comércio exterior brasileiro. Porém, hoje já se discutem as
limitações deste modelo.
“Tem havido conversas sobre a necessidade de ter um novo
marco regulatório para o setor porque há um consenso de que o modelo atual
precisa de um aperfeiçoamento”, aponta Mauro Bardawill Penteado, advogado
especializado em infraestrutura e financiamento de projetos do escritório
Machado Meyer. Ele explica que existe uma avaliação, não só do governo, mas
do próprio setor, de que este modelo não tem permitido uma expansão dos
investimentos em ritmo adequado, entre outros pontos que precisariam de ajuste.
“Percebe-se que, ante as necessidades do Brasil, o segmento tem de evoluir”,
acrescenta.
Novos terminais – O site de VEJA apurou que uma discussão
polêmica nos bastidores é a intenção do Planalto de conceder novas outorgas
para terminais privados. A necessidade de concessões é iminente já que as
atuais, em sua maioria, têm trabalhando no limite máximo de capacidade. Porém,
as atuais empresas do ramo podem se sentir minimizadas ao verem seus lucros
serem compartilhados, o que pode gerar atritos para o governo.
Outro tema que deve ganhar espaço no novo plano é a
reestruturação das Companhias Docas, que hoje são responsáveis pela
administração dos portos. Um dos principais problemas da atual gestão pública é
a falta de agilidade e eficiência, além do excesso de burocracia delas. Um das
críticas é que os diretores dessas empresas têm pouca autonomia para fazer seu
trabalho. Muitos precisam responder a políticos ou partidos, que interferem na
gestão e tomada de decisões. “Acredito que a Dilma quer descentralizar a gestão
portuária para combater essa falta de independência”, afirma Wilen Manteli,
diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP).
Na avaliação do executivo, o país deveria olhar exemplos
bem-sucedidos do exterior, como os portos de Roterdã (Holanda) e Hamburgo
(Alemanha). “Os portos não precisam ser totalmente privados. Podemos ter uma
parceria público-privado, por exemplo, com o governo ditando as políticas
públicas e o setor privado gerenciando, com metas a serem cumpridas e
resultados a serem apresentados”, sugere. Cada porto também deveria ser
administrado conforme suas próprias características. No Brasil, o tratamento
dispensado a eles tende a ignorar essas diferenças.
Os especialistas ouvidos pelo site de VEJA elogiam a
atuação da ministra Gleisi e dos servidores da Casa Civil. A avaliação é que,
nas mãos deles, o processo ganhou qualidade e agilidade. Ainda que o estilo
“gerentona” da ministra e os duros recados disparados por Dilma muitas vezes assustem,
os empresários e consultores que tratam da mudança regulatória do setor
portuário não sentem saudade do tempo que as conversas se davam com os técnicos
da SEP e da Antaq.
(Veja Online - vejaonline.abril.com.br 03.08.2012)
(Notícia na íntegra)