Por Wellington Bahnemann


São Paulo, 02/09/2020 - A Medida Provisória (MP) 998 deve promover uma correria entre investidores de fontes renováveis para entrar com pedidos de outorga na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), na avaliação de advogados que assessoram geradores e grandes consumidores. A MP, publicada hoje, define que apenas os empreendedores que entrarem com o pedido a outorga até agosto de 2021 farão jus ao desconto nas tarifas de transmissão e distribuição.


"Conversando com alguns clientes que estão negociando contratos de compra e venda, a sinalização anterior à MP era de entrar com o pedido de outorga no final do ano. Com a MP, vão entrar agora. A movimentação vai ser grande no período de vigência da medida", afirmou o sócio da área de energia e recursos naturais do escritório de advocacia Demarest, Raphael Gomes.


A nova MP elimina o desconto para os futuros projetos renováveis, como eólica e solar, nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD). Esse benefício impulsionou essas fontes de energia nos últimos 10 anos, sobretudo a geração eólica, primeiramente nos leilões regulados e, mais recentemente, no mercado livre com a venda para grandes consumidores.


Apesar de os agentes do setor elétrico estarem discutindo a retirada dos subsídios há quatro anos, desde a Consulta Pública 33/16, e do tema estar presente nos textos dos projetos de lei 232/16 e 1917/15, que tratam da modernização do marco regulatório setor elétrico, a sócia na área de energia do Machado Meyer Advogados, Laura Souza, disse que não deixar de ser uma surpresa que a eliminação dos incentivos tenha vindo por meio da publicação de uma medida provisória.


"Isso estava tão consolidado e bem estruturado dentro do PLS 232 que não achávamos que isso viria dentro de uma MP. O problema de ir por esse caminho é que abre a possibilidade de sair do Congresso completamente diferente do que entrou. Cria um adicional de insegurança, de incerteza e barganha política", argumentou. Para a advogada, apesar de mais lento, os projetos de lei abrem espaço para a construção de um texto de consenso entre todos os interessados, diminuindo a chance de surpresas.


Laura comentou que os clientes assessorados pelo Machado Meyer, muitos deles investidores internacionais, já trabalhavam com o cenário de manutenção dos subsídios até 2021 e a definição de uma regra de transição, com base no que está escrito nos dois projetos de lei. Neste sentido, o tema já vinha sendo monitorado pelos empreendedores.


Apesar disso, a sócia de infraestrutura do escritório Machado Meyer Advogados, Ana Karina, avalia que a ausência de mais detalhes sobre o mecanismo de valoração dos atributos ambientais das fontes de energia, que irá substituir os subsídios, pode frustra os investidores.


"A retirada dos subsídios era uma pauta que estava para discussão e alinhamento. Muito investidor esperava que isso poderia ser no âmbito de consulta pública e que saísse junto com o mecanismo de valoração dos atributos ambientais, que veio de forma mais conceitual", disse a Ana, também citando que o prazo de transição, de um ano, pode ser considerado muito curto pelos empreendedores.



Modernização no Congresso

A estratégia adotada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) para endereçar o tema pode trazer dúvidas ao mercado sobre o andamento dos projetos de lei de modernização do setor no Congresso Nacional. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, representantes do MME procuraram previamente os senadores e deputados federais envolvidos nas duas matérias para informar sobre a publicação da MP e evitar ruídos com os parlamentares.


"Recentemente, quando o governo pensou em fazer a MP, ele procurou primeiro o legislativo para não parecer um desrespeito ao andamento dos projetos que estão lá e depois procurou as associações do setor", revelou a executiva.


Para Gomes, outro risco da tramitação da matéria via MP é a possibilidade de a medida caducar. O texto pode tramitar no Congresso Nacional por 120 dias e, caso não seja convertido em lei, perde efeito. "Alguns assuntos desta MP, caso perder os seus efeitos após 120 dias, não vão gerar nenhum impacto, porque há pontos que são de médio e longo prazo", citou o advogado do Demarest. Vale lembrar que, desde 2016, apenas uma MP de interesse do setor elétrico foi aprovada no Congresso Nacional, a MP 735. Inclusive, a MP 950, que criou a Conta-Covid, também caducou recentemente.

(Broadcast Estadão – 02.09.2020)

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