A nova legislação de defesa da concorrência, se aprovada, vai submeter as fusões e aquisições de empresas à aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça e alterar substancialmente a forma de concretização desses negócios.
 
Uma primeira mudança será a necessidade de uma junção das áreas societária e antitruste dos escritórios especializados nesses assuntos. Hoje essas áreas atuam de forma independente. A partir da aprovação do projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, elas terão que passar a trabalhar afinadas. O departamento antitruste, por exemplo, passará a atuar no desenho das fusões e aquisições e isso fará com que as empresas tenham que pensar na concorrência no momento em que realizam as suas fusões. Hoje o departamento societário participa diretamente da criação da fusão e, somente depois, o departamento antitruste trata de obter a aprovação do negócio no Cade.
 
O texto do projeto de lei deverá ser votado amanhã na Comissão Especial criada especificamente para tratar da nova lei de concorrência na Câmara.
 
Com o controle prévio de fusões pelo Cade, a aprovação passa a ser crucial para o desenvolvimento do negócio, afirma Sergio Bruna, presidente do Instituto Brasileiro de Estudo das Relações de Concorrência e Consumo (Ibrac), entidade que congrega advogados e economistas que atuam no Cade. Nesse novo contexto, diz ele, a competência do advogado em acelerar a aprovação se tornará um grande valor.
 
Sergio Bruna explica que, atualmente, as empresas fazem os seus negócios e só depois procuram o advogado antitruste para resolver eventuais problemas. Mas, no sistema de aprovação prévia de fusões, previsto no projeto de lei, o advogado antitruste terá de participar das negociações envolvendo a formatação da fusão. O advogado antitruste poderá até alterar a configuração do negócio, explica o presidente do Ibrac. Se ele souber que a fusão criou uma linha de produtos com alta concentração ou alto poder de mercado, pode-se deixá-la sob administração de um banco, exemplifica. Assim, a fusão é aprovada e apenas a linha problemática fica em aberto esperando um julgamento do Cade, que pode ser mais demorado.
 
Seria o caso, por exemplo, de uma grande fusão, como a que envolveu a Brahma e a Antarctica e resultou na criação da Ambev, em 1999. Em vários mercados, como águas e refrigerantes, o negócio não era complicado do ponto de vista da concorrência e foi aprovado rapidamente pelo Cade. No mercado de cervejas, porém, a concentração ultrapassava 70% e o Cade, após intensas discussões, impôs a venda da Bavária. Num sistema de aprovação prévia, seria diferente. As empresas poderiam pedir a aprovação imediata das partes simples de uma fusão (no exemplo, águas e refrigerantes), deixando apenas a parte complexa (cerveja) sob a administração de um banco esperando o julgamento final. Essa prática de deixar uma parte da fusão sob a administração de uma instituição financeira é utilizada nos Estados Unidos, onde a aprovação é prévia.
 
Para Tito Andrade, sócio do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Ópice, se o projeto for aprovado, o Cade terá de julgar com maior agilidade e o advogado antitruste terá de responder imediatamente, fornecendo mais informações sobre as fusões em menor tempo. Vai mudar a dinâmica de trabalho do advogado antitruste, aposta Tito. Ele terá de participar do desenho das fusões.
 
Tito acredita que os escritórios butiques - focados especificamente em antitruste - não devem perder espaço neste processo para os grandes escritórios, que possuem departamentos distintos para as áreas societária e antitruste. Ele entende que as butiques também podem ser chamadas previamente para participar da configuração da fusão. Sempre haverá espaço para quem é especializado, pois as discussões serão mais sofisticadas e rápidas.
 
Pedro Garcia, do Veirano Advogados, afirma que o escritório já fez mudanças em sua estrutura esperando a nova lei. Acreditamos que a lei será realmente aprovada, então, começamos a fazer um trabalho com o departamento societário e o antitruste, conta. No Veirano, os dois departamentos terão um entrosamento maior, o quadro de advogados nessas áreas foi ampliado e o escritório pretende privilegiar também o trabalho dos economistas que fazem análises sobre o impacto das fusões na concorrência. Antes o economista era um parecerista. Agora, terá de atuar junto conosco.
 
Garcia acha que os grandes escritórios sairão ganhando com as mudanças. Há certa vantagem dos escritórios que fazem a prática corporativa como um todo, pois o trabalho terá de ser muito rápido, aposta. Fico imaginando quando houver três ou quatro operações acontecendo ao mesmo tempo e tivermos que fazer em um mês o trabalho que tínhamos um ano para fazer. Outro impacto da lei, segundo Garcia, é que os departamentos antitruste deverão ganhar mais poder e influência nos escritórios. Nos Estados Unidos, onde há a aprovação prévia, os advogados antitruste entram nos primeiros pontos da pauta de negociações das fusões. Eles analisam riscos, pois o aspecto antitruste é essencial para o negócio.
 
(Juliano Basile - Valor Econômico 11.09.2007)