Por Cristiane Romano e Leandro Peliz

A Suspensão de Liminar e Sentença (SLS) é instrumento jurídico que dá ao presidente de um Tribunal o poder de suspender os efeitos de decisões judiciais proferidas em desfavor do Poder Público, quando caracterizado o manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Referido instrumento processual foi criado em 1964, durante o regime militar, sob o entendimento de que o mandado de segurança vinha sendo utilizado de forma imoderada pela sociedade, que buscava coibir as limitações das liberdades impostas por aquele regime. Importante destacar que, à época, não havia no ordenamento jurídico a previsão de interposição de recurso com efeito suspensivo, o que impossibilitava o governo de combater de imediato as decisões que lhe eram desfavoráveis.

Não obstante tenha sido criada no contexto do regime militar, a SLS foi posteriormente reproduzida na Lei n.º 8.437/92, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, e na Lei n.º 12.016/09, que disciplina o mandado de segurança, mantidos atualmente os mesmos requisitos para o seu deferimento.

Muito embora o pedido de suspensão não tenha natureza recursal, a competência para a sua análise será sempre do presidente do Tribunal ao qual couber o conhecimento do recurso a ser interposto em face da decisão que se objetiva suspender.

A decisão que julga a SLS nada mais representa do que um juízo político e subjetivo do presidente do Tribunal, pois a ele é vedado apreciar o mérito da ação, devendo avaliar apenas se a decisão impugnada pela SLS tem o condão de causar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

Não obstante esse instrumento processual tenha uso restrito e excepcional, sua natureza política dá margem para que a Fazenda Pública não raro o utilize de forma indiscriminada em matéria tributária. Isso pois, em razão da generalidade das normas tributárias, é comum a identificação no Judiciário de diversas ações impugnando uma mesma norma ou ato da Administração Tributária.

E é nesse cenário que a Fazenda Pública corriqueiramente se utiliza da SLS, objetivando suspender decisões que lhe são desfavoráveis sob o genérico argumento de que determinada decisão pode ter efeito multiplicador, já que poderia ocasionar a propositura de ações em massa pelos contribuintes e causaria impacto na arrecadação, caracterizando grave lesão à economia apta ao deferimento do pedido de suspensão.

Ocorre que, além da fragilidade de tal fundamento – pois ao acolhê-lo o Judiciário na prática estaria reconhecendo a impossibilidade de concessão de liminares em matéria tributária -, a SLS representa verdadeira disparidade de armas entre a Fazenda Pública e o contribuinte. Primeiro, porque o atual sistema processual admite a interposição de recursos com efeito suspensivo, sendo certo que a Fazenda Pública acaba por adotar a SLS como uma segunda via recursal, pois além de interpor o recurso cabível com efeito suspensivo (à exceção dos Recursos Especial e Extraordinário), paralelamente direciona o pedido de suspensão da decisão para o presidente do Tribunal.

E, segundo, pois a suspensão deferida pelo presidente do Tribunal produz efeitos até o trânsito em julgado da ação, nos termos do art. 4º, § 9º, da Lei n.º 8.437/92. Isto é, ainda que o direito do contribuinte seja reconhecido em primeira e segunda instâncias, ele continuará submetido ao ato ou norma já declarada ilegal até que o caso seja definitivamente julgado pelas instâncias superiores.

Veja-se, portanto, que a SLS é utilizada de forma a atender os interesses da Administração Tributária às custas de violações dos direitos dos contribuintes, sobretudo em afronta à garantia fundamental de apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV), consubstanciada na garantia de um processo justo e tutela adequada.

Em meio a um ordenamento jurídico no qual o Supremo Tribunal Federal já convalidou até mesmo a possibilidade de prisão após o julgamento em segunda instância, não parece razoável admitir que o contribuinte, mesmo após o reconhecimento do seu direito em segunda instância, permaneça sujeito às ilegalidades perpetradas pela Administração Pública até o julgamento definitivo da causa nas instâncias superiores.

Ainda mais diante da recorrente postura da Fazenda Pública de se utilizar de inúmeros recursos protelatórios, o que, somado às dificuldades do Judiciário em razão do acúmulo de processos, faz com que o contribuinte permaneça anos aguardando o fim da lide, além de posteriormente ter de enfrentar a morosa via da repetição do indébito para reaver aquilo que lhe foi indevidamente cobrado ao longo dos anos.

Por outro lado, caso o julgamento em segunda instância seja desfavorável ao contribuinte, a ele resta apenas a possibilidade da medida cautelar para tentar obter o efeito suspensivo ao seu recurso, o que é agravado, ademais, pelos instrumentos à disposição da Administração para exigir de forma célere e eficaz o pagamento da exação, tais como a aplicação de multas, penhora on line, negativa de conceder certidões negativas de débito, inscrição nos cadastros de inadimplentes, proibição de contratar com a Administração, dentre outros.

Nesse contexto, ainda que a Suspensão de Liminar e Sentença permaneça vigente no ordenamento jurídico, é necessário que o Judiciário enfrente com cautela referido instituto em matéria tributária, inclusive pois, com os recentes avanços na legislação processual, hoje há importantes instrumentos para combater o efeito multiplicador de decisões judiciais, como a repercussão geral, o rito dos recursos repetitivos, e, em especial, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, que pode ser suscitado desde a primeira instância.

JOTA
https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-machado-meyer/o-uso-indiscriminado-da-suspensao-de-liminar-e-sentenca-em-materia-tributaria-06052019
(Notícia na Íntegra)