Já há um bom tempo tem-se notado que o interesse de investidores chineses no Brasil ultrapassou as relações comerciais e alcançou os investimentos diretos em nossas empresas locais. Os investimentos chineses no Brasil remontam ao fim da década de 70, mas foi primordialmente nos últimos sete anos que tais investimentos ganharam significativa relevância no cenário econômico nacional.

A partir de 2011, na esteira do momento de crescimento econômico de então, investidores chineses passaram a explorar oportunidades na área industrial, ganhando destaque as operações de aquisição em setores voltados ao mercado doméstico, como, por exemplo, o de eletrônicos, automotivo e de máquinas. Mais recentemente, setores como o agronegócio, energia e financeiro contaram com a participação de players chineses em negócios que envolveram a aquisição de participação societária em empresas brasileiras.

Vê-se, com este breve apanhado de ocorrências, que os investimentos chineses no país têm sido numerosos e bastante diversificados. O cunho político-estratégico decorrente de disputas por mercados e poder havidas no âmbito da OMC e outros fóruns comerciais multilaterais materializados pelos incentivos governamentais chineses para que suas empresas, não necessariamente estatais, avancem em seus processos de internacionalização e se tornem players globais, aliado à magnitude das reservas econômicas das empresas chinesas, nos fazem concluir que há ainda um enorme potencial a ser explorado em termos de oportunidades de negócios nos mais variados setores econômicos por parte das empresas e investidores chineses.

“Os investimentos chineses no Brasil remontam ao fim da década de 70, mas foi primordialmente nos últimos sete anos que tais investimentos ganharam significativa relevância no cenário econômico nacional”

O anúncio realizado pelo primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, durante sua última visita ao Brasil em maio de 2015, de que US$53 bilhões serão investidos no país corrobora esta conclusão.

O comprador chinês, seja estratégico ou financeiro, apresenta-se geralmente como um investidor com visão de longo prazo, sem a pressão quase imediatista (de investidores e acionistas) para gerar retornos no curto prazo, tendo como estratégia aproveitar-se de momentos de crise, como o atual pela qual passa o Brasil, para realizar aquisições a preços convidativos. Tais aspectos conferem-lhe importante vantagem competitiva, especialmente quando comparado aos tradicionais investidores europeus e norte-americanos. Com efeito, empresas que se encontrem às voltas com dificuldades financeiras ou passivos das mais diversas naturezas podem, no longo prazo, ainda ser convidativas aos compradores chineses dado que os efeitos de tais dificuldades se relativizam no tempo. E é valendo-se desse cenário que os investidores chineses dobraram a aposta no Brasil.

Ressalvadas as necessárias políticas de controle de práticas econômicas competitivas, deve-se abandonar a obsoleta ideia de que as empresas chinesas constituem uma ameaça para a economia brasileira. Elas têm tido um papel fundamental na geração de emprego e renda. Setores estratégicos podem – e devem – ser protegidos sem, contudo, que se crie no imaginário das pessoas que o investimento externo em geral – e o chinês, em particular – é prejudicial aos interesses do país. Muito pelo contrário!

Além disso, há que se superar a distância territorial, linguística e cultural entre os países. Naturalmente, para que uma empresa chinesa realize investimentos diretos em um país tão longínquo e culturalmente distinto como o Brasil, é imprescindível que os potenciais investidores conheçam bem as especificidades e tenham segurança quanto ao ambiente de negócios brasileiro. Por outro lado, revela-se também importante que o empresário brasileiro entenda a cultura e a mentalidade do investidor chinês antes de se aventurar em uma operação de fusão ou venda.

Barreiras mais óbvias, como a língua e as diferenças causadas pelo fuso horário são apenas alguns dos desafios a serem superados. A escassez de indivíduos que dominem simultaneamente o português e o mandarim fazem do inglês o idioma adotado na grande maioria das comunicações nas relações comerciais sino-brasileiras. A diferença entre os fusos horários dos dois países faz com que compromissos quase inevitavelmente ocorram em horários desafiadores, algo a que os envolvidos devem se adaptar.

Contudo, as maiores preocupações devem se centrar na contextualização dos investidores chineses ao ambiente de negócios nacional. É necessário que possíveis embates culturais sejam antecipados e bem gerenciados de forma a evitar conflitos negociais. E isto somente será viável na medida em que se conheça o perfil dos investidores chineses. Sobre este aspecto, não deixa de ser alvissareiro o contínuo aumento da sofisticação da nova geração de investidores chineses envolvidos com negócios no Brasil, os quais, com o passar do tempo, têm mostrado uma ágil adaptação e resiliência, significativamente diferente das primeiras gerações de investidores aqui recebidas há alguns anos.

Do ponto de vista jurídico, é notória a complexidade do arcabouço jurídico nacional, especialmente nos campos tributário e trabalhista, e, portanto, destaca-se o valor da clara “tradução” dos termos jurídicos que por aqui governam as operações empresariais. Mais recentemente, tem sido notável o crescimento do interesse de investidores por temas relacionados a compliance, políticas empresariais de anticorrupção e prevenção à prática de lavagem de dinheiro. As preocupações com riscos legais e reputacionais decorrentes destes temas nos países de origem dos investimentos passaram a integrar a pauta de investidores como prioridade e a China, embora mais lentamente que os países desenvolvidos, tende a caminhar nesta direção.

São justamente as soluções para estes desafios a “lição de casa” a ser feita pelos agentes econômicos que desejam impulsionar negócios e participar das oportunidades que tendem a se apresentar neste ano que se inicia. O conhecimento destes desafios e a implementação de medidas para superá-los certamente melhorarão o posicionamento dos agentes econômicos brasileiros para continuar atraindo e, esperamos, aprofundar o fluxo de investimentos diretos chineses em empresas brasileiras.

Guilherme Bueno Malouf
 e Luiz Mascaro - sócio e advogado do Machado Meyer 

(América Economia)

(Notícia na íntegra)