Advogados e entidades de classe defendem que a medida aumenta carga tributária em plena pandemia

Flávia Maia

O Rio de Janeiro publicou nesta terça-feira (5/5) no Diário Oficial do estado o decreto 47.057, que regulamenta o Fundo Orçamentário Temporário (FOT). Com isso, os incentivos fiscais de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já concedidos ou que vierem a ser concedidos ficam condicionados a um depósito mensal de 10% do valor incentivado ao novo fundo. Na prática, o estado está diminuindo o incentivo fiscal concedido às empresas.

A estimativa da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro é a de que o recolhimento suplementar renda R$ 268 milhões em receitas em 2020. O decreto diz que o fundo é válido enquanto durar o regime de recuperação fiscal do estado do Rio de Janeiro. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estima aumento de 20% da carga tributária para as indústrias do estado. A entidade já ajuizou uma ação contra o novo fundo alegando inconstitucionalidade e aguarda resposta do Judiciário.

O FOT substituiu o antigo Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (FEEF). No entanto, o novo fundo vem com a inovação de incluir todos os contribuintes que gozam dos incentivos fiscais, salvo exceções como empresas do Simples Nacional e as do regime de substituição tributária. No FEEF só estavam sujeitos ao recolhimento suplementar os contribuintes com faturamento anual superior a R$ 100 milhões. O FOT também não prevê a ampliação do benefício fiscal em tempo suficiente para restituir o valor pago ao fundo.

De acordo com a Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, os recursos do novo fundo serão destinados ao equilíbrio fiscal do estado. “Na prática, equivale a um reforço de caixa”, informou a pasta em nota enviada via assessoria de imprensa.

Especialistas ouvidos pelo JOTA criticam a edição do decreto em pleno período de pandemia e acreditam que o estado do Rio de Janeiro está na contramão das orientações mundiais de manter as empresas com caixa para superar a crise gerada pela Covid-19.

“Diversos governos no mundo estão aplicando medidas para as empresas manterem caixa, suspendendo tributos. O contribuinte já está com dificuldade de pagar ICMS. O Rio está na contramão do mundo. Pelas nossas estimativas, as empresas que passam a recolher o FOT terão aumento de 20% na carga tributária”, afirmou Rodrigo Barreto, gerente jurídico tributário da Firjan.

Na análise do tributarista Leonardo Martins, sócio da área tributária do escritório Machado Meyer, o novo fundo prejudica as empresas ao diminuir o benefício fiscal em plena crise causada pela pandemia da Covid-19 e sem nenhuma contrapartida para as companhias. Ele lembra que, no FEEF, os contribuintes tinham o benefício fiscal prorrogado por conta do pagamento de 10% ao fundo até então vigente.

“O decreto é contrário a todas as iniciativas da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], que vem recomendando aos estados que não implementem novos tributos, que não aumentem a carga tributária durante o período de Covid-19”, analisa Martins. “Parece que a pandemia não vem sensibilizando o governo do estado [do Rio de Janeiro], que edita um decreto tão rigoroso como este para aumentar o desembolso dos já combalidos contribuintes”, complementa.

Para a advogada Renata Eremy, sócia do escritório Stocche Forbes Advogados, o valor destinado ao FOT deve ser entendido como adicional de ICMS ou um novo tributo. Ela analisa ainda que o desconto destinado ao FOT vale tanto para os benefícios concedidos por lei como aqueles contratuais, o que viola o Código Tributário Nacional (CTN). O artigo 178 define que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104”.

“Tem uma regra no CTN que proíbe o estado de modificar o benefício que negociou com o particular. Seria o caso, por exemplo, de uma indústria que se comprometeu a se instalar em tal lugar e gozar de 10 anos de isenção de ICMS, mas vem um estado e muda a regra do jogo no meio do caminho. Isso é uma violação clara da regra”, afirma. Ela lembra que, segundo a norma, a empresa que não recolher para o FOT pode perder o benefício fiscal e pagar multa.

Em nota, a Secretaria de Fazenda do RJ informou que o valor destinado ao fundo não é um novo imposto, mas sim um recolhimento suplementar de ICMS. Afirmou ainda que só houve aumento de carga tributária para as empresas com benefícios que não recolhiam ao FEEF. Reforçou ainda que, como o valor não tem destinação carimbada, a quantia “será fundamental para auxiliar no momento de crise devido à pandemia do novo coronavírus”.

Judiciário

O FOT é alvo de uma representação de inconstitucionalidade movida pela Firjan. A federação industrial conseguiu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro uma medida cautelar para postergar em noventa dias a vigência da lei aprovada em dezembro de 2019, sob o argumento do princípio da anterioridade nonagesimal, segundo o qual uma norma tributária só passa a valer 90 dias depois da publicação.

lei nº 8.645/2019, que instituiu o fundo, determinava que a vigência ocorreria a partir de 1º de janeiro de 2020. Após a liminar conseguida pela Firjan a lei passou a valer somente em março, e o decreto com a regulamentação saiu em maio.

Agora a Firjan aguarda a resolução do mérito da ação que pediu a inconstitucionalidade do FOT. A Firjan não tem legitimidade para questionar a constitucionalidade do FOT no Supremo Tribunal Federal.

No fim do ano de 2019, o Rio de Janeiro editou a lei nº 8.645/2019 instituindo o FOT. A ideia era substituir o FEEF, alvo de diversas ações judiciais, inclusive a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5635, proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Nessa ação, há um parecer da Procuradoria-Geral da República pela inconstitucionalidade do fundo.

Processo citado na matéria: 0083082-60.2019.8.19.0000

FLÁVIA MAIA – Repórter

(JOTA – 06.05.2020)

(Notícia na íntegra)