Por Bárbara Mengardo

“Você pretende ser mãe?” Assim como uma parte significativa das mulheres, não são poucas as advogadas que afirmam ter ouvido o questionamento durante uma entrevista de emprego. Mais do que uma pergunta a respeito dos planos da futura funcionária, a questão geralmente causa na entrevistada um receio um possível tratamento discriminatório em relação à opção pela maternidade.

E o medo vai muito além da possibilidade de não ser contratada. Advogadas narram outras políticas e atitudes adotadas por escritórios de advocacia que dificultam a vida das mães: não permitir a flexibilidade de horários, cobrar reuniões ou a captação de clientes à noite e até descontar o período de licença-maternidade do bônus de fim de ano.

Tais práticas criam, pouco a pouco, um ambiente em que as mães são vistas como menos produtivas ou com mais restrições. O resultado, para advogadas ouvidas pelo JOTA, é a maior dificuldade de ascensão de quem opta pela maternidade nas bancas de advocacia.

“Muitos escritórios ainda não se prepararam para desenvolver políticas voltadas às advogadas que porventura engravidem”, critica a advogada Eduarda Mourão, presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O cenário, porém, não é totalmente negativo. Alguns escritórios têm pensado nesse público, e até mesmo aberto vagas específicas para mães. Advogadas também têm se unido para discutir a questão.

Para a advogada Flávia Guth, muitos escritórios têm resistência em mudar, porém esse panorama precisa ser alterado. “É importante quebrar o paradigma, afinal a mulher fica grávida desde que a humanidade é humanidade”, afirma. Flávia integra o grupo Elas Pedem Vista, criado em agosto de 2017 para discutir a inserção da mulher na advocacia.

"Não faço figuração"

Entre as advogadas que são mães, uma das queixas mais recorrentes diz respeito à inflexibilidade dos escritórios. Em um cenário de informatização do Judiciário, com a possibilidade de peticionamento e acompanhamento processual de forma eletrônica, muitas bancas cobram dos Advogados a execução de horários fixos, a serem cumpridos impreterivelmente nos escritórios.

“Essa coisa de precisar necessariamente do advogado [no escritório] talvez seja uma questão que precisa ser revista”, diz a advogada Ana Carolina Caputo Bastos, que também integra o Elas Pedem Vista.

Muitas das advogadas ouvidas pelo JOTA narraram dificuldades em conciliar os horários do escritório com os horários de amamentar ou pegar e levar os filhos na escola, por exemplo. Por outro lado, há a pressão para que a produtividade não seja comprometida.

Mãe de um filho, a advogada Marcela* sente isso na pele. “As pessoas lembram que você tem filhos para algumas coisas, mas ignoram para outras. Todo mundo sabe que você tem filhos quando param de te chamar para almoçar, por exemplo, mas ao mesmo tempo todo mundo esquece que você tem filhos ao marcar reunião às seis da tarde. Aí você tem que ser a chata que diz: seis da tarde eu não posso participar, eu pego o meu filho na escola”.

Junto à necessidade de cumprimento de horários obrigatoriamente no local de trabalho está o mito de que o profissional que passa mais tempo no escritório necessariamente é mais produtivo. A afirmação pode não ser verdadeira quando a pessoa em questão é uma mãe, que necessariamente precisa finalizar suas tarefas antes de um determinado horário.

“Depois que o meu filho nasceu eu não faço figuração em lugar nenhum. Se eu estou no escritório eu estou trabalhando. Se eu acabei, digo que podem me acionar, mas eu vou embora”, diz a advogada Bárbara Lôbo Amaral, que integra o grupo Elas Pedem Vista.

Nove meses de medo

Às vezes, porém, as dificuldades enfrentadas pelas mães são menos sutis. É o caso da advogada Mônica*, que na época do nascimento do seu filho atuava em um escritório que disponibilizava bônus mensais e anuais aos funcionários. Ela avisou com um ano de antecedência que pretendia engravidar, e foi informada que no período da licença não receberia o benefício mensal.

“Eu já achava isso absurdo, porque nas férias ou em licenças médicas não é suspenso [o bônus]. A alegação é que [durante a licença-maternidade] você não contribui [para o resultado do escritório]. Só que ainda mais no contencioso você trabalha para receber daqui a um ano, no mínimo”, diz.

Após retornar da licença-maternidade a advogada recebeu outra notícia: seu bônus de final de ano seria reduzido por causa de sua ausência. “Eu fiquei com a sensação de ter sido penalizada por ser mulher. Nesse mesmo ano meu chefe e outro funcionário tiveram filhos, e os bônus deles vão muito bem”, afirma.

Além da sensação de injustiça, o receio permanente de uma demissão é uma constante nos relatos de advogadas ouvidas pelo JOTA. Algumas narraram já terem presenciado a demissão de grávidas, e temiam que o mesmo ocorresse durante suas gestações.

A advogada Manuela* passou por essa situação. “Eu trabalhei os nove meses com muito medo de ser mandada embora, e quase entrei em trabalho de parto prematuro algumas vezes porque estava muito estressada e trabalhando muito. Eu não tinha garantia nenhuma que meu filho ia nascer e eu ia ter para onde voltar”, diz.

Marcela* também passou por situações difíceis durante a gestação, principalmente por se cobrar a não reduzir a produtividade e ser vista como menos capaz por engravidar. “No meu último dia de trabalho [antes do parto] eu trabalhei até sete e meia da noite. Eu estava muito cansada, mas não me permiti ir para casa descansar. Meu filho nasceu algumas horas depois que eu saí do escritório, e hoje olhando para trás eu percebo que passei o dia inteiro em trabalho de parto. Eu ia no banheiro, chorava, pensava que estava muito cansada, mas não me permiti pegar o carro e ir para casa descansar”, conta.

Esse cenário, segundo Eduarda Mourão, contribui para que o número de advogadas nos escritórios de advocacia siga o formato de uma pirâmide: no começo da carreira muitas conseguem entrar nas bancas, mas poucas chegam a sócias.

Para a advogada, a possibilidade de criar sociedades unipessoais – quando há apenas um sócio – tem sido uma opção para as mães, que dessa forma têm mais liberdade para trabalharem em casa e terem flexibilidade de horário.

Essa opção longe dos grandes escritórios, entretanto, também traz desvantagens. A advogada Maria* atua em uma banca que na época de sua gestação era formada apenas por ela e outro sócio. Ela conta que, por isso, não conseguiu reduzir o ritmo de trabalho durante a gravidez. Um dos momentos mais simbólicos foi quando estava com 36 semanas de gestação e teve de despachar com um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao sair do prédio da Corte, sentiu que sua bolsa havia estourado.

Após o parto, por causa da alta demanda e dos poucos recursos de sua banca, também não houve possibilidade de tirar licença-maternidade. “Nem produzir leite direito eu produzi”, diz. “Meu escritório era pequeno, nem estagiário eu tinha, fazia tudo”.

Também para o pai

Apesar de tantos exemplos ruins, há escritórios que vêm se preocupando com a situação das advogadas que são mães. O SV Law, por exemplo, criou o programa Mães Advogadas. Em maio a banca abriu vagas específicas para advogadas com filhos de até três anos.

“A repercussão foi muito maior do que poderíamos imaginar. Recebemos aproximadamente 1.500 currículos, em um curto espaço de tempo. Isso nos mostrou que de fato existe uma enorme dificuldade em conciliar a vida profissional e a maternidade, o que, muitas vezes, leva as advogadas a desistirem da advocacia”, afirma a coordenadora do projeto, Carol Rego.

De acordo com Carol, o programa permite o aumento da licença-maternidade de quatro para seis meses. Além disso, as mães podem trabalhar remotamente uma ou duas vezes por semana, e as advogadas podem atuar meio período nos 24 meses após o parto, excluindo o período de licença-maternidade.

“Os escritórios de advocacia são ambientes extremamente competitivos, e exigem dos Advogados uma dedicação muitas vezes superior a 12 horas por dia. Neste contexto, acredito que seja muito difícil para as mulheres que gostariam de exercer mais de perto a maternidade conciliar os dois papeis, e se manterem ativas no mercado de trabalho”, conclui.

A advogada Cristiane Romano, sócia do Machado Meyer, diz que o escritório tem horários flexíveis para mães e pais, além de uma sala de amamentação. Para Cristiane, é fundamental incluir os homens nessa discussão.

“A gente procura ajudar tanto a mãe quanto pai com o horário flexível, para que ele possa dividir tarefas com essa mãe, e para que ela possa se desonerar um pouco”, afirma.

Eduarda Mourão ressalta que as mães que eventualmente se sentirem discriminadas ou preteridas nos escritórios podem procurar a Comissão da Mulher Advogada ou a Comissão de Violação de Prerrogativas de suas seccionais da OAB. As denúncias, segundo ela, podem ser feitas sob a condição de anonimato.

Os relatos recebidos ainda são escassos provavelmente devido ao receio de que isso prejudique a carreira. Porém, é fundamental que as advogadas quebrem essas barreiras, e denunciem qualquer situação irregular. 

JOTA
https://www.jota.info/carreira/maes-advogadas-dificuldades-30082018
(Notícia na Íntegra)