Após ampla discussão com participantes do mercado no âmbito do Edital de Consulta Pública nº 55/2017, publicado pelo Banco Central do Brasil (Bacen) em 30 de agosto de 2017, o Conselho Monetário Nacional (CMN) emitiu, em 26 de abril, a Resolução nº 4.656, que criou duas novas espécies de instituição financeira especializadas em operações de empréstimo por meio de plataforma eletrônica: a sociedade de crédito direto (SCD) e a sociedade de empréstimo entre pessoas (SEP).

Além disso, a norma também regulamentou as operações de empréstimos e financiamentos entre pessoas por meio de plataforma eletrônica, bem como estabeleceu os requisitos e procedimentos para autorização, funcionamento, reorganização societária, transferência de controle e, por fim, cancelamento da autorização de funcionamento dessas novas modalidades de instituições financeiras.

A regra faz parte da Agenda BC+, pilar “Crédito mais Barato”, e, segundo o próprio Bacen,[1] confere maior segurança jurídica às operações das empresas que usam tecnologia de forma intensiva na oferta de produtos e serviços financeiros no mercado de crédito (i.e., fintechs de crédito). A ideia é criar condições para reduzir o custo do crédito, fomentar a incorporação de inovações no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e estimular a participação de novas instituições provedoras de crédito. Antes da emissão da nova resolução, as fintechs somente conseguiam executar suas atividades mediante parceria com uma instituição financeira autorizada, que fazia o fronting da operação de crédito.

Sociedade de Crédito Direto (SCD)

O objeto das SCDs é a realização de operações de empréstimo, financiamento e aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio. Diferentemente dos bancos, as SCDs não podem captar recursos junto ao público (por meio de depósitos, por exemplo). No entanto, podem ser companhias de capital aberto, levantando recursos por meio da oferta de ações no mercado de capitais.

As SCDs poderão também prestar os seguintes serviços: (i) análise de crédito para terceiros; (ii) cobrança de crédito de terceiros; (iii) atuação como representante na distribuição de seguro relacionado com as operações de empréstimo/financiamento por meio de plataforma eletrônica, nos termos da regulamentação em vigor; e (iv) emissão de moeda eletrônica, nos termos da regulamentação em vigor. Ao permitir a atuação como instituições de pagamento emissoras de moeda eletrônica, a nova norma parece possibilitar que os recursos emprestados sejam desembolsados em contas de pagamento geridas pelas próprias SCDs.

Adicionalmente, as SCDs podem realizar a venda/cessão dos créditos relativos às suas operações apenas para: (i) instituições financeiras; (ii) fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados; e (iii) companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados.

Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP)

As SEPs, por sua vez, têm como objeto a realização de operações de empréstimo e financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, sendo vedados empréstimos com recursos próprios e qualquer tipo de retenção de riscos, direta ou indireta, tanto pela SEP quanto por empresas coligadas ou por ela controladas (inclusive via coobrigação ou prestação de garantias). No entanto, conforme solicitado pelo mercado durante a audiência pública, a regra prevê que as SEPs e empresas controladas ou coligadas poderão adquirir cotas subordinadas de FIDCs que invistam exclusivamente em direitos creditórios derivados das operações realizadas pela própria SEP, desde que tal aquisição represente, no máximo, 5% do patrimônio do fundo e não configure assunção ou retenção substancial de riscos ou benefícios, nos termos da regulamentação em vigor.

A norma define as operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas como sendo as operações de intermediação financeira em que recursos coletados dos credores são direcionados aos devedores após negociação em plataforma eletrônica. De acordo com a regra, os credores das operações podem ser: (i) pessoas naturais; (ii) instituições financeiras; (iii) FIDCs cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados; (iv) companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados; e (v) pessoas jurídicas não financeiras (exceto companhias securitizadoras que não se enquadrem na hipótese do item “iv” acima). Já os devedores podem ser pessoas naturais ou jurídicas, desde que residentes e domiciliadas no Brasil.

Além de realizar operações de empréstimo e financiamento entre pessoas, a SEP poderá também prestar os seguintes serviços: (i) análise de crédito para clientes e terceiros; (ii) cobrança de crédito de clientes e de terceiros; (iii) atuação como representante de seguros na distribuição de seguro relacionado com as suas operações de empréstimo e financiamento, nos termos da regulamentação em vigor; e (iv) emissão de moeda eletrônica, nos termos da regulamentação em vigor.

As operações de empréstimo entre pessoas deverão ser processadas por meio das seguintes etapas sucessivas: (i) manifestação inequívoca de vontade dos potenciais credores e devedores, em plataforma eletrônica, de contratarem a operação de empréstimo e/ou de financiamento; (ii) disponibilização dos recursos pelos credores à SEP; (iii) emissão ou celebração, com os devedores, do instrumento representativo do crédito; (iv) emissão ou celebração, com os credores, de instrumento vinculado ao instrumento representativo do crédito; e (v) transferência dos recursos aos devedores pela SEP (em até 5 dias úteis contados do recebimento dos recursos pela SEP). Os instrumentos mencionados nos itens “iii” e “iv” acima serão emitidos pela SEP ou em favor desta, ou serão celebrados tendo a SEP como parte.

Essa é a roupagem jurídica que se pretende dar às sociedades que, por meio de plataforma eletrônica, possibilitam os empréstimos atualmente conhecidos como peer-to-peer; exceto que, na forma da Resolução nº 4.656, as SEPs intermediarão a operação de crédito (ou seja, não é algo direto entre credor e devedor). Além disso, aqui a operação terá características de uma operação ativa vinculada, em que há uma vinculação entre os recursos captados dos credores e a operação ativa correspondente (celebrada com o devedor), com a respectiva subordinação da exigibilidade dos recursos entregues pelos credores ao fluxo de pagamentos pelos devedores da operação de crédito.

A Resolução nº 4.656 também prevê que as SEPs deverão segregar os seus recursos dos recursos dos credores e devedores das operações de empréstimo e financiamento. Além disso, a regra estabelece que o credor da operação de empréstimo e/ou de financiamento não pode contratar com um mesmo devedor, na mesma sociedade, operações cujo valor nominal ultrapasse o limite máximo de R$15.000 (exposição máxima de um credor a um mesmo devedor). Esse limite não se aplica a investidores qualificados, definidos conforme a regulamentação expedida pela CVM.

A Resolução nº 4.656 também criou obrigações de prestação de informações pela SEP a seus clientes e usuários com relação à natureza e à complexidade das operações contratadas e dos serviços ofertados, em linguagem clara e objetiva, para permitir ampla compreensão sobre o fluxo de recursos financeiros e os riscos incorridos. Tais informações deverão ser divulgadas e mantidas atualizadas em local visível e formato legível no site da instituição na internet, acessível na página inicial, bem como nos outros canais de acesso à plataforma eletrônica, devendo também constar dos contratos, materiais de propaganda e de publicidade e demais documentos que se destinem aos clientes e aos usuários. Além disso, as informações deverão incluir advertência, com destaque, de que as operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas configuram investimento de risco, sem garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

A norma também estabelece que as SEPs devem utilizar modelo de análise de crédito capaz de fornecer aos potenciais credores indicadores que reflitam de forma imparcial o risco dos potenciais devedores e das operações de empréstimo e de financiamento, além de monitorar as respectivas operações contratadas e prestar informações aos credores e aos devedores de tais operações.

Do ponto de vista econômico, a regra também faculta a cobrança de tarifas pelas SEPs em contrapartida à realização das operações de empréstimo e financiamento e à prestação de serviços relacionados (conforme acima mencionado), desde que previsto no contrato celebrado entre a SEP e seus clientes e usuários.

Outras regras aplicáveis aos dois tipos de instituições

Tanto as SCDs como as SEPs deverão ser constituídas sob a forma de sociedade anônima e apresentar capital social integralizado e patrimônio líquido no valor de R$1.000.000. Além disso, as instituições poderão ser controladas por fundos de investimentos, desde que o respectivo grupo de controle também seja composto por pessoas ou grupo de pessoas.

Por fim, e conforme mencionado pelo próprio regulador,[2] a SCD e a SEP deverão atender a requisitos operacionais e prudenciais proporcionais compatíveis com seu porte e perfil. Ainda segundo o Bacen, caso tenham perfil de risco simples, as SCDs e as SEPs poderão optar pela classificação no segmento S5 para fins de aplicação proporcional das regras prudenciais, cujos critérios foram adaptados pela Resolução nº 4.657, a fim de permitir que tais sociedades possam se expor a títulos de securitização (desde que com caraterística de menor risco) e exercer atividades relacionadas à custódia e à escrituração de títulos de crédito originados pela própria instituição.

A Resolução nº 4.656 tem aplicação imediata. As empresas interessadas já podem iniciar o processo de autorização para funcionamento (que é indispensável para a operação sem intermediação de bancos). Enquanto ele não for concluído, as fintechs poderão continuar atuando como correspondentes bancários, da forma como operam atualmente.


1. https://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/c/notas/16455

2. https://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/c/notas/16455