A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou, em 10 de setembro, a Portaria 3.032, que aprova enunciados administrativos para uniformização de entendimentos sobre responsabilização de pessoas jurídicas no âmbito da Lei Anticorrupção 12.846/13.
Os enunciados são mais uma demonstração da CGU de amadurecimento em relação à aplicação da Lei Anticorrupção. Eles unificam entendimentos consolidados em julgados, decorrentes de mais de mais de 11 anos de aplicação de sanções pela Lei Anticorrupção.
A CGU, nos últimos anos, tem passado por um processo de maturação em suas frentes de atuação. Em iniciativas de promoção à integridade, em março de 2024, lançou o Pacto Brasil pela Integridade, programa de estímulo a empresas e entidades para que assumam de forma voluntária compromisso com integridade empresarial.
Em 15 de outubro de 2024, a CGU publicou o segundo volume do guia “Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”, que complementou o guia original de 2015 e ampliou sua visão em relação ao que considera um bom programa de integridade. Para além de riscos de corrupção pública, no entendimento da CGU, um programa dessa natureza deve englobar também questões de sustentabilidade, governança, direitos humanos, assédio no ambiente de trabalho, entre outros temas que refletem a complexidade dos desafios corporativos.
Além dessa frente de incentivo à prevenção e à promoção da integridade, a CGU tem continuamente dialogado com a sociedade sobre a a aplicação da Lei Anticorrupção. Para isso, vem abrindo canais de comunicação voltados ao aprimoramento das melhores práticas, iniciativa importante em um mundo corporativo que, cada vez mais, compreende os benefícios de atuar de forma íntegra e a importância de atentar aos riscos trazidos por violações de conduta na interação com agentes públicos.
Um dos temas que têm sido objeto de discussão é o de risco corporativo de responsabilização sucessória em operações de M&A, inclusive com abertura de diálogo para discussão sobre implementação de um safe harbor.[1] Outra demonstração foi a abertura de consulta pública sobre a atuação das autoridades em relação a acordos de leniência.
Por fim, especificamente em relação ao processo sancionatório da Lei Anticorrupção, ao perceber uma tendência de aumento na aplicação de sanções via processo administrativo de responsabilização (PAR), a CGU publicou a Portaria 3.032 com o objetivo de consolidar seu entendimento sobre responsabilização administrativa de pessoas jurídicas.
Diante de certo grau de insegurança, por parte de pessoas jurídicas submetidas a PAR, sobre o entendimento da CGU em relação a certos temas, o órgão unificou na Portaria 3.032 os seguintes entendimentos:
- ENUNCIADO 1 – Considerando que o Decreto nº 11.129/2022 tem vigência a partir de 18/07/2022, se o Relatório Final do PAR foi aplicado a partir de 18/07/2022, a dosimetria da multa observa os critérios do Decreto nº 11.129/2022, e não de seu antecessor.
- ENUNCIADO 2 – Vantagem indevida pode ser qualquer tipo de benefício, econômico ou não, inclusive de natureza material, imaterial, moral, política ou sexual.
- ENUNCIADO 3 – Para responsabilizar a empresa, não é necessária demonstração de fim específico de determinar agente público a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, nem que tenha havido efetivamente contraprestação pelo agente público. Basta demonstração de que o ato lesivo foi praticado.
- ENUNCIADO 4 – Se o agente público solicita ou exige vantagem indevida, a pessoa jurídica que oferece ou concede continua sujeita à responsabilização.
- ENUNCIADO 5 – Brindes e hospitalidades oferecidos a agentes públicos nos limites estabelecidos pelo Decreto nº 10.889/2021 não configuram infração ao inciso I do artigo 5º da Lei Anticorrupção.
- ENUNCIADO 6 – Ofertas de ingressos para eventos de entretenimento a agentes públicos fora dos parâmetros legais do Decreto nº 10.889/2021 são consideradas violações ao inciso I do artigo 5º da Lei Anticorrupção.
- ENUNCIADO 7 – Apresentar documentos falsos ou adulterados em licitações enseja responsabilização da pessoa jurídica pela Lei Anticorrupção, independentemente do resultado do certame.
- ENUNCIADO 8 – Condenações pelo PAR resultam na aplicação cumulativa de multa e publicação extraordinária da sanção, exceto em acordos de leniência ou termo de compromisso, em que há a possibilidade de aplicação de multa sem a cumulação da publicação extraordinária da sanção.
Enunciados contribuem para formulação de programas de integridade mais sólidos
Esses enunciados, além de unificar o entendimento da CGU, fornecem insumos importantes para as empresas construírem e aprimorarem seus programas de integridade. Isso porque ajudam a avaliar o risco de suas práticas com mais precisão e a alinhar suas normas internas às expectativas da autoridade.
Em relação aos Enunciados 5 e 6, por exemplo, grande parte do mercado entendia que se o agente público podia aceitar, a pessoa jurídica podia dar. Essa também era a orientação dada a clientes. Os dois enunciados, porém, indicam que a norma aplicável aos agentes públicos também é paradigma para as empresas, deixando um ponto importante que deve ser objeto de atenção dos profissionais de compliance (clique aqui para ler nosso entendimento sobre os Enunciados 5 e 6).
Além disso, há temas importantes, como, por exemplo, o Enunciado 3 que determina não haver necessariamente uma contraprestação do agente público para demonstrar a existência de ato lesivo. Ou ainda o Enunciado 4, segundo o qual, mesmo quando é o agente público que solicita ou exige vantagem indevida, a pessoa jurídica que oferece ou concede essa vantagem continua sujeita à responsabilização. São discussões relevantes, mas que deixam ainda em aberto a discussão sobre a diferenciação entre corrupção e extorsão no caso concreto.
Os riscos corporativos não são estanques e, assim, a consolidação do entendimento da Administração Pública sobre determinados temas de interesse das companhias deve sempre ser objeto de atenção, para que programas de integridade reflitam adequadamente os riscos internos, seguindo as boas práticas de mercado, mas que estejam em conformidade com a legislação aplicável.
[1] Safe harbor é uma política aplicada no âmbito da lei anticorrupção americana que oferece a não aplicação de medidas sancionatórias para empresas que, após uma operação de M&A, informem irregularidades descobertas dentro de um prazo de seis meses após o fechamento da transação, indicando ter investigado e tomado medidas corretivas adequadas.