No início de fevereiro deste ano, a então recém-empossada procuradora-geral dos Estados Unidos, Pam Bondi, anunciou uma importante mudança no direcionamento que o Departamento de Justiça (DOJ) deveria dar à aplicação da Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), a lei americana anticorrupção. O foco passaria a ser, principalmente, os esquemas de corrupção que envolvessem cartéis internacionais e organizações criminosas transnacionais.

Na sequência, em 10 de fevereiro, o presidente Donald Trump editou uma ordem executiva determinando a suspensão temporária (por 180 dias) de novas investigações baseadas na FCPA, até que novas diretrizes fossem publicadas.

Essa suspensão temporária gerou grande incerteza entre empresas e profissionais da área, especialmente pela falta de clareza sobre quais casos seriam considerados prioritários no futuro. Investigações em andamento foram interrompidas, enquanto outras tiveram autorização para seguir, sem que houvesse critérios claros para essas decisões.

Após esse período de indefinição, em 10 de junho, o DOJ finalmente divulgou as novas diretrizes que vão regulamentar a aplicação da FCPA daqui em diante. A seguir apresentamos, de forma resumida, esse novo direcionamento e seus impactos.

Quais são as principais mudanças na prática?


As principais mudanças referem-se à governança interna e ao foco das novas investigações. Os procuradores terão menos liberdade para abrir investigações e os casos deverão ter um foco mais específico.

A partir de agora, qualquer nova investigação precisará de autorização prévia expressa do procurador-geral assistente da Divisão Criminal ou de uma autoridade superior, o que indica claramente menor autonomia para os procuradores e maior controle político sobre novos casos.

A nova diretriz estabelece critérios objetivos mais restritos para definir se uma investigação será ou não iniciada, entre eles:

  • Ênfase na responsabilidade individual. O DOJ buscará responsabilizar especificamente indivíduos envolvidos diretamente em atos corruptos, evitando atribuir de forma automática a responsabilidade para toda a empresa, caso o envolvimento da alta administração não esteja demonstrado claramente. Já havia indicação nesse sentido desde 2015, com o chamado “Yates Memo”. Agora, porém, a orientação de individualizar as condutas fica mais evidente.
  • Avaliação de consequências colaterais. Os promotores deverão considerar explicitamente o impacto econômico e reputacional de uma investigação e avaliar custos e perturbações gerados à empresa investigada e a seus empregados.
  • Interesses econômicos americanos. Um novo requisito fundamental passa a ser a existência de dano concreto e identificável a empresas ou cidadãos dos Estados Unidos.

Esse último ponto parece ser o mais relevante da nova diretriz. O DOJ vai priorizar casos em que:

  • empresas americanas tenham sofrido prejuízos concretos decorrentes da corrupção de concorrentes estrangeiros; ou
  • interesses nacionais dos Estados Unidos estejam em jogo (aqui incluída a indicação de que a prioridade máxima continuará a ser o combate a crime organizado e casos relacionados a setores como defesa, mineração, energia, infraestrutura e à segurança nacional).

Sobre esse último aspecto, o chefe da Divisão Criminal do DOJ já havia antecipado recentemente que as futuras ações baseadas na FCPA vão priorizar casos que envolvam os interesses dos Estados Unidos. As demais condutas que não afetem diretamente interesses americanos ficarão em segundo plano.

Outra mudança – uma das que merece mais elogios – refere-se à deferência a autoridades estrangeiras. Nos casos em que as autoridades de outros países estejam capacitadas e dispostas a investigar a corrupção local, o DOJ poderá decidir não abrir uma investigação paralela.

O que isso significa para as empresas?


As novas diretrizes publicadas pelo DOJ ainda são recentes e seus efeitos práticos precisarão ser avaliados com o tempo. O cenário, portanto, permanece de relativa incerteza. Apesar disso, os aspectos divulgados já permitem chegar a algumas conclusões preliminares.

Fica evidente que o foco seletivo e a centralização da governança interna das investigações permitirão que o DOJ alinhe as novas ações da FCPA à agenda estratégica e econômica do atual governo americano.

Isso é especialmente relevante para empresas estrangeiras, como as brasileiras, que tenham algum elemento de conexão com os Estados Unidos (operações, subsidiárias, joint ventures ou mesmo pagamentos transitando por bancos americanos).

Empresas multinacionais, em particular as que não têm prevalência de capital americano, precisam estar especialmente atentas. Isso porque passa a ser mais concreto o risco de que uma investigação seja aberta, caso haja suspeita de corrupção que coloque empresas americanas em desvantagem competitiva direta.

Em setores altamente competitivos, em que empresas brasileiras ou internacionais concorrem diretamente com companhias dos Estados Unidos, a exposição ao risco de aplicação da FCPA (risco de enforcement) torna-se maior e precisa ser cuidadosamente monitorada.

Dessa forma, recomendamos a essas empresas uma análise estratégica e imediata de seus programas de compliance. É preciso verificar a robustez de controles internos e gestão de riscos anticorrupção, especialmente em operações internacionais e contratos que envolvam concorrência direta com empresas americanas. A revisão desses controles será fundamental para mitigar o risco de investigação e sanções.