Uma das maiores controvérsias no âmbito da Lei de Recuperação Judicial de Empresas (LRE) é o limite da atuação do Poder Judiciário no controle de legalidade do plano de recuperação judicial. Recentemente essa discussão ganhou mais um capítulo. Ao julgar o Recurso Especial n° 1.630.932/SP, interposto por uma empresa paulista em recuperação judicial, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Taxa Referencial (TR) é válida como critério de correção dos créditos concursais, se assim aprovado pelos credores.

Com isso, o STJ reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia invalidado cláusula de um plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, a qual previa justamente a atualização do valor dos créditos por meio de TR + 1% ao ano. O STJ ponderou que a jurisprudência mais atual limita o controle judicial sobre o plano de recuperação aos aspectos da legalidade do procedimento, proibindo a interferência do juiz no conteúdo econômico das suas cláusulas.

Ressalvando que a TR não reflete o fenômeno inflacionário (ao longo de 2018, a taxa permaneceu em 0%), o STJ argumentou que, caso a assembleia geral de credores aprove o uso da TR como índice de correção, não cabe ao Judiciário, ante o conteúdo eminentemente econômico da matéria, discutir a decisão dos credores. No tocante ao juros, o ministro relator Paulo Sanseverino destacou que “não há norma geral no ordenamento jurídico pátrio que estabeleça um limite mínimo, um piso, para a taxa de juros (quer moratórios, quer remuneratórios), como também não há norma que proscreva a periodicidade anual”, não sendo cabível a atualização de 1% ao mês determinada pelo TJSP.

Com esse precedente, o STJ dá mais um passo na consolidação da jurisprudência envolvendo o controle judicial nas previsões contidas nos planos de recuperação judicial, transmitindo a mensagem de que só é permitido ao Poder Judiciário apreciar aqueles aspectos estritamente vinculados à legalidade do procedimento e da licitude do conteúdo, devendo prevalecer o quanto aprovado em assembleia e chamando atenção para a importância das negociações e da disputa de forças que precedem tal aprovação.

Isso não significa, porém, o fim da controvérsia no âmbito da recuperação judicial. Afinal, como o conceito de legalidade é aberto e elástico, há sempre espaço para que os credores questionem pontos que consideram de ordem pública. Realmente, uma breve análise jurisprudencial mostra que, até alguns anos atrás, o TJSP, provocado por credores, adotou entendimento de que o desconto superior a 80% proposto pelos planos de recuperação era ilegal.[1]

Atualmente, no entanto, percebe-se que o Poder Judiciário não tem anulado[2] descontos até mesmo superiores à marca de 80%, indicando uma tendência de que o controle judicial nos planos de recuperação judicial deve ser limitado às questões estritamente de ordem pública[3] e regras cogentes, como o prazo de fiscalização previsto no artigo 61 da LRE. Seja como for, o precedente do STJ é um passo importante, para a consolidação de matérias do direito falimentar, a fim de conferir maior segurança jurídica a todos os stakeholders do processo de recuperação judicial.


[1] TJSP. Agravo de instrumento n° 055083-50.2013.8.26.0000. Relator Ricardo Negrão. Julgado em 25.07.2014.

[2] TJSP. Agravo de instrumento n° 2192960-22.2018.8.26.0000. Relator Cesar Ciampolini. Julgado em 28.02.2018.

[3] TJSP. Agravo de instrumento n° 2192960-22.2018.8.26.0000. Relator Grava Brazil. Julgado em 12.11.2018.