A regulamentação do uso de cannabis para fins medicinais é um tema amplamente debatido e desenvolvido em países europeus e norte-americanos. No Brasil, no entanto, as discussões ainda estão em fase bastante embrionária. Procuramos apontar neste texto alguns dos desafios atuais encontrados pelos que desejam explorar comercialmente a produção de cannabis para fins medicinais.

Classificação como substância proscrita e atuação da Anvisa

A regulamentação de narcóticos e substâncias psicotrópicas no Brasil, entre as quais a cannabis, pode ser encontrada em diversos níveis. O Brasil é signatário e internalizou os dois maiores tratados internacionais da ONU acerca do tema: a Convenção de 1961 sobre Substâncias Entorpecentes e a Convenção de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas. De maneira geral, os signatários dessas convenções se comprometem a colaborar para combater a produção e o tráfico de substâncias narcóticas e psicotrópicas, sendo que cada país é responsável por emitir sua própria regulamentação acerca do tema em conformidade com os princípios das convenções.

No âmbito nacional, merecem destaque os dispositivos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil e na Lei nº 11.343/2006, de 23 de agosto de 2006, conhecida amplamente como Lei de Drogas. A Constituição trata o tráfico de drogas como tema de segurança pública a ser combatido pelas autoridades policiais, e a Lei de Drogas estabelece medidas de prevenção ao uso de drogas, além de regulamentar a produção desautorizada e o tráfico ilícito de substâncias narcóticas e psicotrópicas.

Em relação ao cultivo da cannabis, a Lei de Drogas proíbe taxativamente o plantio, cultivo, colheita e exploração de plantas e substratos dos quais podem ser extraídas ou produzidas drogas. No entanto, a mesma legislação estabelece reservas quanto à possiblidade de cultivo para fins médicos e científicos, sob supervisão especifica e com autorização do Governo Federal.

A cannabis é classificada atualmente como substância proscrita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por meio da Portaria SVS/MS nº 344, datada de 12 de maio de 1998, mas o acesso a ela pode ser permitido para fins médicos e científicos. Atualmente, as únicas substâncias extraíveis da cannabis cuja importação é permitida pela agência sanitária, apenas para pessoas físicas e sob regulamentação específica, são o Canabidiol (CBD) e o Tetraidrocanabinol (THC). A permissão é fruto de inúmeras ações judiciais conduzidas por pais de crianças e também por adultos com condições médicas severas para as quais essas substâncias são o único remédio que atinge resultados positivos no tratamento.

Em relação à regulamentação do uso de cannabis para fins medicinais, a Anvisa, por sua vez, não indicou um posicionamento firme em relação ao tema. Sua agenda regulatória varia de acordo com a composição dos seus órgãos internos. Em determinado período, a entidade se posicionou incisivamente a favor da regulamentação de cannabis para fins medicinais, defendida publicamente pelo presidente à época, mas nenhuma medida concreta foi exarada. Atualmente, a entidade não dá prioridade à regulamentação de cannabis para fins medicinais, e a possível emissão de novas normas não se apresenta em um horizonte próximo.

Morosidade legislativa e judiciária

No âmbito legislativo, existem três projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional (números 10.549/2018, 7.270/2014 e 7.187/2014) cuja intenção é regulamentar a cannabis para fins recreativos e/ou medicinais, mas nenhum deles foi a votação no plenário. De diferentes formas e em diferentes níveis, esses projetos buscam retirar o caráter ilícito da cannabis e, por consequência, do desenvolvimento de quaisquer atividades recreativas, empresariais e/ou medicinais relacionadas à planta.

O assunto também é debatido no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.708, na qual partidos políticos e diversas entidades defensoras de direitos civis pleiteiam ao tribunal que determine um prazo para que a Anvisa regulamente o uso medicinal de cannabis, entre outros pedidos.

Importação e atividade comercial

A Anvisa também é o órgão responsável por regulamentar e autorizar a importação de cannabis. A regulamentação especifica prevê que as entidades que desejam importar cannabis para fins de pesquisa deverão se cadastrar no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), regulamentado pela Receita Federal, e obter uma licença de importação.

Além dessa licença, a Anvisa será responsável por emitir uma autorização de importação específica exclusivamente destinada a entidades de educação, pesquisa e análise laboratorial, conforme estabelecido pela agência na Resolução nº 11, datada de 6 de março de 2013. Tais atividades deverão constar expressamente no contrato ou estatuto social e no registro da entidade na Receita Federal. Agentes de mercado que buscam se estabelecer no Brasil deverão desempenhar uma ou mais dessas atividades para poder conduzir seus negócios no país com relação a cannabis medicinal.

Como a regulamentação atual não trata de cannabis para fins medicinais de forma minuciosa, as entidades não podem conduzir pesquisas e desenvolver negócios de forma livre, a fim de assegurar o desenvolvimento da cannabis para fins medicinais como um produto comercial.

Panorama geral

O setor de cannabis medicinal no Brasil enfrenta uma série de desafios e entraves, para os quais nenhuma solução foi oferecida pelos agentes reguladores ou pelos Poderes Legislativo e Judiciário. Existe uma enorme insegurança dos agentes do mercado quanto à possibilidade de desenvolverem seus negócios no setor de cannabis medicinal no país, o que dificulta e provavelmente continuará dificultando os investimentos de agentes nacionais ou estrangeiros no setor.