Sancionada em agosto com alguns vetos presidenciais, a Lei do Ambiente de Negócios (Lei nº 14.195/21 – conversão da Medida Provisória nº 1.040/21) traz vários e significativos impactos sobre o direito privado brasileiro. Um deles está relacionado ao contrato de representação comercial, em virtude da nova redação do art. 44 da Lei nº 4.886/65 (Lei de Representação Comercial). A alteração confere maior proteção ao representante comercial em caso de falência e de recuperação judicial do representado.

A Lei nº 8.420/92 já havia incluído o art. 44 na Lei nº 4.886/65, cujo caput prevê que, no caso de falência do representado, as importâncias por ele devidas ao representante comercial relacionadas com a representação (inclusive comissões vencidas e a vencer, indenização e aviso prévio) serão consideradas créditos da mesma natureza dos créditos trabalhistas.

Com a nova redação, a norma estende expressamente a equiparação do crédito do representante comercial aos créditos trabalhistas no caso de recuperação judicial, além de prever que a equiparação se aplica a qualquer verba devida ao representante oriunda da relação contratual de representação comercial.

O parágrafo único do art. 44 também foi modificado. Agora consta que os créditos devidos ao representante reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento da recuperação judicial – e a sua respectiva execução –, inclusive quanto aos honorários advocatícios, não estão sujeitos à recuperação judicial, aos seus efeitos e à competência do juízo da recuperação, ainda que existentes na data do pedido.

Essa nova regra dá aos créditos do representante comercial imunidade específica quanto aos efeitos e competência do juízo da recuperação judicial – desde que se trate de créditos reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento do processamento da recuperação.

As modificações sobre o art. 44, tanto em seu caput como em seu parágrafo único, mostram-se falhas do ponto de vista da coerência da atual disciplina do direito da insolvência, sendo criticáveis, entre outros motivos, por três aspectos fundamentais:

  • embora a equiparação dos créditos da representação a créditos trabalhistas esteja, de certa forma, apenas ratificando um entendimento jurisprudencial geral que já existia em relação a representante pessoa física, o dispositivo, ao silenciar sobre o representante pessoa jurídica, parece também incluí-lo na equiparação (o que contraria a jurisprudência dominante – ainda que pendente de definição no STJ e no STF – que, até então, entendia serem quirografários os créditos do representante pessoa jurídica);
  • ao prever que sejam excluídos do regime da recuperação judicial os créditos de representantes reconhecidos em título executivo judicial transitado em julgado após o deferimento da recuperação, a lei atribuiu um grau de proteção aos créditos dos representantes comerciais superior ao que confere aos próprios créditos trabalhistas, criando um regime exorbitante, excessivamente diferenciado, sem que se identifique uma motivação clara (e sistematicamente coerente) para tanto. Além disso, a medida viola o critério temporal constante do art. 49 da Lei nº 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação) já chancelado pela 2ª Seção do STJ na sistemática dos recursos repetitivos (conforme Tema nº 1.051/STJ, o qual estabelece que, para fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador);
  • a nova redação do art. 44 silencia com relação ao tratamento dos créditos de representantes comerciais no âmbito da recuperação extrajudicial – não indicando expressamente o caráter concursal ou extraconcursal desses créditos nessa hipótese, o que é mais um fator de insegurança na nova disciplina jurídica instituída.

Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei (PL) nº 5.761/19, que visa promover outras alterações na Lei de Representação Comercial, principalmente em benefício do representado, incluindo as seguintes mudanças:

o valor da indenização devida ao representante pela rescisão sem justa causa do contrato (art. 27, alínea j, da Lei nº 4.886/65) passaria a ser em montante não inferior a 1/12 do total da retribuição recebida nos últimos dez anos do período em que o representante executou o contrato, e não mais 1/12 do tempo integral da representação; e

a equiparação do prazo prescricional para o representante comercial exigir os valores de retribuição que lhe são devidos ao prazo prescricional trabalhista (o prazo, que hoje é de cinco anos, passaria a ser de cinco anos até o limite de dois anos após a extinção do contrato).

Esse projeto de lei atende a uma solicitação dos representantes da indústria (ou seja, os representados), os quais argumentam que a lei atualmente em vigor – editada há 56 anos – não é mais condizente com a realidade. As entidades ligadas aos representantes comerciais, por sua vez, se opõem às modificações propostas.

Observa-se que tanto as alterações feitas na Lei de Representação Comercial pela Lei nº 14.195/21 como aquelas previstas no PL da Câmara nº 5.761/19 revelam, na verdade, uma tendência de atualização e reacomodação de interesses na disciplina jurídica do contrato de representação comercial, ora em benefício dos representantes comerciais, sob a forma de maior proteção dos seus créditos contra os representados, ora em benefício dos representados, sob a forma de redução das potenciais contingências e responsabilidades quando do término da relação contratual.

Essa tendência precisa ser bem compreendida, na medida em que o contrato de representação comercial ocupa uma posição especial entre os adotados no mercado para a comercialização de uma variada gama de produtos. Ele é utilizado em grande número por muitas empresas e, ao mesmo tempo, constitui foco muito frequente de questionamentos, judiciais ou não, entre as partes contratantes. A adequada compreensão se mostra ainda mais vital para evitar que alterações legislativas sobre a matéria sejam feitas com erros de técnica jurídica ou em prejuízo à coerência do sistema jurídico, como acabou ocorrendo com a Lei nº 14.195/21.