Desde a promulgação da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017, em vigor desde 11/11/2017), muito se discute sobre a possibilidade de aplicação das alterações das regras de direito material aos contratos de trabalho iniciados antes da Reforma.

A discussão doutrinária gira em torno de duas hipóteses distintas relacionadas à aplicabilidade dos novos dispositivos legais: (i) aos contratos de trabalho encerrados antes do início da vigência da Reforma; e (ii) aos contratos de trabalho celebrados antes de sua vigência e que permanecem ativos após o término da vacacio legis da Lei nº 13.467/2017.

Quanto à primeira hipótese, os Artigos 5º, XXXVI da Constituição Federal e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro encerram qualquer discussão. Eles determinam claramente a aplicabilidade imediata das inovações trazidas pela Reforma Trabalhista às novas contratações e, portanto, a inaplicabilidade da Reforma Trabalhista com relação aos contratos encerrados antes de sua vigência.

O Artigo 6º da Lei de Introdução é claro em seu caput ao dispor que a lei em vigor, no caso a Reforma Trabalhista, tem efeito imediato e geral, o que nos faz concluir que, celebrado um contrato de trabalho após 11/11/2017, sendo a lei em vigor a Lei nº 13.467/2017, serão integralmente aplicáveis a tal contrato todas as disposições legais trazidas pela Reforma Trabalhista.

Já com relação aos contratos encerrados antes da Reforma Trabalhista, deve-se destacar que o artigo 6º da Lei de Introdução disciplina justamente questões relativas ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, vedando que uma lei posterior prejudique o direito adquirido. É inegável que os contratos de trabalho encerrados antes de 11/11/2017 são atos jurídicos perfeitos, uma vez que foram consumados segundo a lei então vigente.

Dessa forma, a principal controvérsia diz respeito sobre a aplicação da Reforma Trabalhista aos contratos de trabalho celebrados em data anterior à sua vigência e que permanecem em curso. No campo doutrinário, discute-se se a aplicação das inovações trazidas pela Reforma a esses contratos implicaria na violação a direitos trabalhistas adquiridos que estavam previstos na legislação alterada ou excluída pela Reforma.

Por exemplo, antes da Reforma, os empregados que trabalhavam em lugares afastados, sem transporte coletivo, tinham o direito de receber “horas in itinere” pelo tempo gasto na locomoção até o posto de trabalho. A Reforma Trabalhista alterou a redação legal e agora, ainda que não exista transporte coletivo para o local de trabalho, o empregado não tem direito de receber “horas in itinere”.

A discussão após a Reforma é se a empresa pode retirar o pagamento de “horas in itinere” de todos os empregados ou apenas dos contratados após a entrada em vigor da nova lei. Os empregados contratados durante a vigência da lei anterior teriam ou não adquirido o direito de receber “horas in itinere”?

A controvérsia foi tanta que o governo acabou incluindo o artigo 2º na Medida Provisória nº 808/2017, prevendo, de forma expressa, que “o disposto na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes”. Contudo, com o encerramento do prazo de vigência da MP nº 808/2017 em 23/04/2017, o artigo 2º teve sua eficácia legal esvaziada, trazendo de volta a questão da aplicação da Reforma aos contratos vigentes firmados antes dela.

Para solucionar tal questão, é preciso diferenciar direito adquirido de expectativa de direito. Enquanto o primeiro pode ser caracterizado como a hipótese em que foram cumpridos todos os requisitos obrigatórios para se fazer jus a um determinado direito, o segundo se traduz na hipótese em que não restaram completadas todas as condições para o exercício regular do direito.

Como é sabido, os contratos de trabalho são caracterizados como relações de trato sucessivo entre o empregador e o empregado, nas quais as obrigações inerentes ao contrato se renovam periodicamente, como ciclos renovatórios de direito.

Um exemplo é o direito de gozo de férias: não se pode argumentar que um empregado com seis meses de vínculo de emprego tem o direito adquirido de gozar de suas férias. Ele tem apenas uma expectativa de que, após o cumprimento dos requisitos legais, terá o direito de gozar de suas férias. Tal entendimento pode ser aplicado para as demais verbas decorrentes de um contrato de trabalho.

Tomando tal entendimento como base, verifica-se que, modificado o suporte fático que fundamenta a garantia de determinado direito ou o suporte legal que garante a exigibilidade de determinado direito, não há que se falar em direito adquirido. Desse modo, a continuação de regime jurídico anterior à nova lei vigente se mostra inexigível e se conclui que, para os contratos de trabalho celebrados antes da vigência da Reforma Trabalhista, as inovações legais por ela trazidas são aplicáveis a eles somente após a data de vigência da Lei nº 13.467/2017.

Dessa forma, respondendo à questão das “horas in itinere”, conclui-se que os empregados não tinham direito de recebê-las pura e simplesmente; eles teriam apenas expectativa de direito, fundamentada na lei que lhes garantia tal direito. Alterada a lei em relação a esse aspecto, é perfeitamente possível que se altere também a expectativa de direito do empregado e que seja suprimido o pagamento de “horas in itinere” após a vigência da Reforma Trabalhista.

Por enquanto, ainda não há um posicionamento uníssono dos tribunais trabalhistas com relação a esse tema. A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado da Justiça do Trabalho) divulgou enunciados não vinculantes a respeito da Reforma Trabalhista, indicando que os magistrados caminhariam no sentido oposto, por entenderem que os contratos firmados antes da Reforma Trabalhista teriam direito adquirido à manutenção dos direitos materiais previstos na lei anterior.

Tal entendimento, além de ser contrário à lei e à melhor interpretação sobre o tema, demandaria que as empresas tivessem controles e políticas paralelas de Recursos Humanos aplicáveis aos empregados de acordo com a data de contratação deles – o que, além de absurdo, revela-se fatalmente equivocado.

Mais alinhados com os princípios constitucionais e basilares do direito brasileiro, o Ministério do Trabalho emitiu em 14/05/2018 parecer concluindo que, mesmo após a perda da eficácia do Artigo 2º da MP nº 808/2017, as disposições legais trazidas pela Reforma Trabalhista são aplicáveis de forma geral, abrangente e imediata a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT, inclusive àqueles celebrados antes da vigência da Reforma e que permanecem em vigor após 11/11/17.

Em 16/05/2018, uma comissão de ministros do TST também publicou um parecer às alterações trazidas pela Lei nº 13.467/2017 no qual os ministros concluíram que, no que diz respeito ao direito material, deverá haver uma construção jurisprudencial sobre as alterações a partir do julgamento de casos concretos.

Sendo assim, não obstante a manifestação da comissão de ministros do TST relegar a questão à formação de jurisprudência, o fato é que, de acordo os princípios da aplicação das normas do direito brasileiro, as disposições da Reforma Trabalhista são aplicáveis de forma geral, abrangente e imediata a todos os contratos de trabalho regidos pela CLT, inclusive aos celebrados antes da vigência da Reforma e que permanecem em vigor após 11/11/17.