Após a edição de um novo Decreto de PMI e a publicação do primeiro Edital de Chamamento Público, referente à estruturação de participação privada na gestão de 14 Parques Urbanos [leia aqui], o Município de São Paulo dá novos passos em seu Programa de Desestatização – inédito em nível municipal no Brasil.

No último dia 16 de maio, foram editados a Lei nº 16.651 (“Lei nº 16.651/2017”) – que cria o Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias (“CMDP”) e o Fundo Municipal de Desenvolvimento ("FMD") – e o respectivo decreto regulamentador, que recebeu o número 57.693 (“Decreto nº 57.693/2017”).

Essas medidas primordialmente estabelecem uma organização institucional para a execução dos processos administrativos de desestatização municipal, prevendo entes e atribuindo competências no âmbito do programa. Exemplos anteriores de normas da mesma natureza são o Decreto nº 57.576, de 1o de janeiro de 2017, que cria (entre outras) a própria Secretaria Municipal de Desestatização e Parcerias (“SMDP”), e diversas portarias editadas subsequentemente pela SMDP, tais como a nº 6/2017 e a nº 7/2017, pelas quais, respectivamente, institui-se a Comissão Permanente de Licitação e promulgaram-se regras e procedimentos a serem observados pelos agentes públicos da SMDP nas interações com particulares, inclusive no âmbito de apresentação de estudos e projetos.

Na forma da Lei nº 16.651/2017, ficou conferido ao CMDP um papel de órgão superior de deliberação das matérias atinentes ao programa de desestatização. As novas regras também avocaram para o CMDP a gestão do Programa Municipal de Parcerias Público-Privadas, cuja incumbência era originalmente do Conselho Gestor de Parcerias (instituído pela lei municipal de PPP), órgão este que restou extinto.

Além disso, foram atribuídas ao CMDP competências cruciais no desenvolvimento do programa de desestatização, com destaque para divulgação das desestatizações; mobilização, desmobilização, definição e implementação do processo de desestatização dos bens e serviços municipais; abertura de período de consulta pública ou realização audiência pública referente aos projetos; e acompanhamento permanente da execução dos projetos.

Outrossim está a cabo do CMDP decidir sobre a alteração, revisão, rescisão, prorrogação ou renovação dos contratos de concessão, permissão e parceria público-privada; a aprovação dos estudos de viabilidade técnica, jurídica e econômico-financeira realizados, incluídas as diretrizes constantes das minutas de edital e de contrato respectivas; e a proposição da destinação dos recursos provenientes da desestatização.

O CMDP tem ainda o poder funcional de definir os bens, serviços e participações societárias do Município que serão objeto de desestatização, bem como aprovar os projetos de alienação, concessão, permissão e parceria público-privada, inclusive quanto à sua modelagem. Tal competência é condicionada à prévia autorização legislativa, quando necessário, conforme reconhecido expressamente pelo Decreto nº 57.693/2017. Entre as diretrizes para a motivação da escolha pública, listam-se, ao lado do interesse público e do caráter prioritário, a otimização do emprego de recursos, a racionalização do uso dos ativos municipais e a promoção de investimentos em atividades de interesse público.

No que respeita à composição do CMDP, nele têm assento o Secretário Municipal de Desestatização e Parcerias; o Secretário do Governo Municipal; o Secretário Municipal de Gestão; o Secretário Municipal da Fazenda; o Secretário Municipal de Relações Internacionais; e o Secretário Municipal de Justiça. O Secretário Municipal de Desestatização e Parcerias presidirá o CMDP, sendo também incumbido do voto de desempate, e, ainda, determina-se a vinculação direta do CMDP ao gabinete do Prefeito. Sem prejuízo da referida composição permanente, os órgãos ou entidades da Administração Pública Municipal titulares do bem ou serviço objeto do projeto em análise participarão das reuniões para deliberar sobre a sua desestatização, com direito a voto.

Como referido acima, a Lei nº 16.651/2017 também instituiu o FMD. Trata-se de fundo de natureza contábil, vinculado à Secretaria Municipal da Fazenda, com o escopo de assegurar que a destinação das receitas das desestatizações direcione-se às áreas prioritárias. Assim, na forma da referida lei, as receitas oriundas das concessões e privatizações serão estocadas no FMD para que sejam empregadas nas áreas de saúde, educação, segurança, habitação, transporte, mobilidade urbana e assistência social.

Além das fontes dispostas no rol exemplificativo da Lei nº 16.651/2017, o FMD será constituído por recursos e receitas provenientes de desestatização de bens e serviços alienação das participações societárias; por contribuições ou doações de pessoas físicas ou jurídicas ou ainda entidades internacionais; e por rendimentos obtidos com a aplicação do seu próprio patrimônio, bem como retornos e resultados de suas aplicações.

Além dos Parques Urbanos, que já se encontram em fase de PMI, a SMDP tornou pública, por meio de notícia em seu sítio eletrônico, a intenção de incluir no programa de desestatização mais de cinquenta  serviços e ativos municipais que poderão ser objeto de concessão, privatização ou parcerias público-privadas. Conforme a notícia, tais serviços e ativos encontram-se em avaliação interna pela SMDP.

Dentre eles, 11, além dos mencionados Parques Urbanos, são tidos como prioritários, a saber: (i) bilhetagem de transportes; (ii) terminais de ônibus; (iii) cemitérios, crematórios e serviços funerários; (iv) mercados municipais; (v) Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho – Pacaembu; (vi) imóveis; (vii) Complexo Anhembi (SPTuris); (viii) Autódromo de Interlagos; (ix) Moradia Social; (x) equipamentos e serviços de educação infantil; e (xi) e iluminação pública.

Como se observa, nem todos os serviços e ativos municipais considerados prioritários para fins de desestatização são novidade. Em gestões anteriores, alguns deles já haviam sido conjecturados, projetados e, até mesmo, estruturados. Assim, por exemplo, os serviços de iluminação pública já foram objeto de licitação, e a formalização do respectivo contrato de concessão administrativa está sobrestada em razão de medidas no âmbito do Tribunal de Contas do Município de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Já com relação aos equipamentos do Complexo Anhembi, em agosto do ano passado foi aberta fase de consulta pública do projeto denominado “Novo Anhembi”, que tem por objeto a concessão para revitalização e gestão do Parque Anhembi, sem nenhum novo andamento até o momento. Ao seu turno, foi determinada, em setembro, a suspensão sine die da concorrência internacional para concessão da Arena Multiuso do Complexo Anhembi.

A par dos anúncios desses projetos, os quais se encontram apenas no website da SMDP, a decisão de quais desses serviços e ativos efetivamente integrarão a carteira de projetos do Município será confirmada por ocasião da aprovação (i) do Plano Municipal de Desestatização, cuja edição ainda está pendente, bem como, especialmente, (ii) dos modelos de participação privada que serão concretamente adotados para cada um dos serviços e/ou ativos a serem desestatizados. A opção por alguns desses modelos merecerá toda atenção, uma vez que sua viabilidade estará condicionada, dependendo do caso, de autorizações legislativas específicas e, ainda, de uma articulação abrangente com partes interessas independentes, a exemplo do Ministério Público, do Tribunal de Contas e de órgãos de licenciamento ambiental e urbano que contam, em alguns casos, com assentos de representantes da sociedade civil com participação não meramente consultiva.

Esses marcos esperados são os mais relevantes, do ponto de vista institucional e jurídico, para aferir a medida com a qual o programa de desestatização municipal estará apto a lograr os seus objetivos saudáveis de desonerar o governo municipal e de retirar da esfera de atuação estatal aquilo que não lhe é função essencialmente indelegável.