Por Renée Pereira e Malena Oliveira

Mais de dois mil municípios descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2016 e podem sofrer uma série de punições. Sem dinheiro em caixa por causa da forte recessão que derrubou o nível de arrecadação ou pela má gestão das finanças públicas, as prefeituras estouraram o limite de gastos com pessoal, não apresentaram o balanço anual à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e ainda deixaram um rombo de R$ 6,3 bilhões de restos a pagar para a nova gestão municipal, revela estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

O trabalho analisou as contas apresentadas por 4.544 prefeituras - as demais ou não apresentaram o balanço anual ou os dados eram inconsistentes para a avaliação. Desse total, 87% fecharam o ano em situação fiscal difícil ou crítica e apenas 0,3% foram classificadas como Gestão de Excelência (ver quadro), como Gavião Peixoto (SP) e São Gonçalo do Amarante (CE). O estudo da Firjan avaliou cinco quesitos na gestão fiscal das prefeituras: a capacidade de geração própria de receita, gastos com pessoal, investimentos, liquidez e custo da dívida.

O resultado trouxe grande preocupação. Estamos vendo uma bomba prestes a explodir", afirma o economista-chefe do Sistema Firjan, Guilherme Mercês, responsável pelo Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado pela federação desde 2006. Segundo ele, o resultado só não foi pior por causa da entrada de recursos da repatriação feita no ano passado.

Um exemplo é o gasto com pessoal. De acordo com o estudo, 575 prefeituras, ou 12% das cidades que apresentaram balanço para a STN, estouraram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de 60% das receitas. Sem a repatriação, esse número subiria para 871 municípios. O mesmo ocorre com os restos a pagar. Sem o dinheiro extra, o número de prefeitos que não deixou para o próximo gestor caixa suficiente para cobrir os restos a pagar subiria de 715 para 1.043.

Pela LRF, essa prática é crime e pode levar até a prisão do exprefeito, afirma o sócio de direito público e regulatório do escritório Machado Meyer, Lucas Sant'Anna. As prefeituras também podem ficar impedidas de receber transferências voluntárias (como as emendas dos deputados) por não ter entregue o balanço anual a STN e não ter acesso a financiamentos internacionais com garantias da União.

Na avaliação de Guilherme Mercês, o problema fiscal brasileiro é estrutural e comum aos três níveis de governo. As despesas obrigatórias, no caso a folha de pagamento, é elevada e compromete boa parte dos recursos disponíveis. Ao mesmo tempo que estão inchadas, com despesas de pessoal crescentes, as prefeituras têm um dependência crônica por transferências estaduais e federais. Pelo estudo, 82% dos municípios não geram nem 20% de suas receitas. No Nordeste, esse porcentual sobe para 93,2%. Na Região Norte, até as capitais Boa Vista e Macapá entram nesse grupo.

Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CMN), Paulo Ziulkoski, a dependência das prefeituras pelas transferências é natural uma vez que são os municípios que geram a riqueza para o País. Normalmente, a arrecadação das cidades vem do recolhimento de IPTU, ISS e ITBI. Para o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), os municípios deveriam investir para cobrar melhor os tributos, profissionalizando a gestão e modernizando as ações de educação e saúde mais dispendiosas. "Ainda se usa muito pouco TI (tecnologia da informação) na rede pública.''

Investimento. O fato é que a grave crise fiscal dos municípios, além de deixar as cidades em situação irregular, derrubou os investimentos ao menor nível dos últimos dez anos. No ano passado, R$ 7,5 bilhões deixaram de ser investidos, segundo o estudo da Firjan. Na prática, isso significa o sucateamento da estrutura atual, como escolas, hospitais e estradas. "Nos últimos anos, tivemos muitos investimentos nos municípios. A população vai sentir muito a falta de melhorias, vai haver uma precarização", afirma Mercês.

Ele diz que no curto prazo a situação não vai mudar porque os orçamentos vão continuar apertados. Mas alguns municípios conseguiram driblar a crise e fazer uma gestão eficiente, como Gavião Peixoto, que ficou em primeiro lugar no ranking com o conceito de excelência. Na outra ponta, está Riachão do Bacamarte, na Paraíba, como a pior gestão municipal do País.

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O Estado de S. Paulo