Mesmo com os avanços tecnológicos acelerados pelas consequências da pandemia, o crescimento exponencial do digital e o grau de maturidade atingido por grande parte das organizações na cultura da gestão de clientes, a maioria destes ainda se mostram insatisfeitos e infiéis às marcas. Esse cenário é agravado, para as empresas, pela magnitude dos dados que a nova realidade traz, tendo, por um lado, que tratá-los com muito cuidado e responsabilidade e, de outro, decodificá-los como a voz do consumidor. Sem contar o desafio de calibrar autoatendimento com relacionamento humanizado, oferecendo os canais corretos a cada perfil de comprador. Esses e outros pontos de reflexão, que envolveram também a legislação defasada e o efeito do digital da vida das pessoas fizeram parte do 12º Bate-papo & Insights, realizado ontem (15), em homenagem ao Dia do Cliente e que reuniu Cristiane Kakinoff, head de customer service da Cielo, Thais Cordeiro, sócia do Machado Meyer Advogados e especialista em relações de consumo, José Nery, head de CRM e DPO da HPE Automotores (Mitsubishi e Suzuki), Carlos Mathias, CEO da GCC CX, e Rafael Montenegro, diretor de inovação e transformação digital da Myra.
Dando início ao encontro, Thaís destacou que, atuando nas relações de consumo há mais de 20 anos, pôde acompanhar boa parte dessa história recente. Nesse sentido, afirmou que o Código de Defesa do Consumidor, embora tenha se tornado referência mundial na área, se trata de um guideline com mais de três décadas de existência. “Quando foi editado, ninguém poderia imaginar os rumos que tomaria o relacionamento entre organizações e seus clientes, com novas dimensões e contornos, tornando delicada a aplicação dos princípios básicos do CDC na prática.”
“A tecnologia avança muito velozmente, tornando obsoletas hoje inovações disruptivas ainda recentes. De que forma regular tudo isso, uma vez que a legislação não tem como acompanhar o compasso dessa dinâmica? Por exemplo, estávamos preparados para as proporções que o e-commerce adquiriu em tão pouco tempo?”
E citou um número expressivo: somente durante o ano de 2020, o comércio on-line ganhou 13 milhões de novos consumidores. Depois de falar um pouco sobre o que existe de legislação sobre isso atualmente, apontou quatro dos principais desafios trazidos por esse novo consumidor: o equilíbrio entre tecnologia e expertise humana no atendimento, celeridade na resolução dos problemas, proteção dos dados e uma experiência cativante em toda a jornada.
Na sequência, comentando as palavras da advogada, José opinou que dificilmente haverá condições para uma legislação que acompanhe e controle essa nova realidade. No seu entender, os problemas se apresentam tanto no âmbito da aplicação quanto da interpretação das leis. No caso da LGPD, ele vê que vai muito além do aspecto legal, mas abrange a conscientização do consumidor sobre seus dados de posse das organizações. “Atualmente, apenas 35% dos clientes se mostram interessados nessa questão, parcela essa formada 80% por pessoas das classes A e B. Exatamente o público de interesse da nossa empresa e, no nosso caso, não podemos esperar, tendo de entender e agir no agora.” E analisou que, mesmo com o nível de maturidade adquirido pelas grandes organizações no que tange à cultura de experiência do cliente, as novas gerações de consumidores impõem novos desafios. Juridicamente, haverá enigmas a serem decifrados quando se nota que a letra efetivamente não acompanhará uma evolução tão acelerada.
Corroborando com as reflexões, Cristiane trouxe um dado que dá uma ideia da dimensão adquirida pelas relações de consumo on-line: por dia, somente a sua organização processa 7 bilhões de transações. Então, reforçando o que indicou o executivo da HPE, ela vê a preocupação em duas vertentes. Por um lado, lidar adequadamente com tamanha magnitude de informações dos consumidores e, de outro, conseguir detectar rapidamente por onde e como eles querem ser atendidos. “A empresa tem que oferecer um leque de canais de tal forma que o cliente se satisfaça com autoatendimento sempre que desejar e, ao mesmo tempo, disponibilizar conexão humana nas questões mais complexas do relacionamento. Se antes o consumidor tinha de se adaptar à proposta da empresa, hoje é o contrário. Porque a competitividade atingiu um grau que coloca a fidelização na dependência direta de jornadas muito ricas de alternativas, rápidas e transparentes. O que só se consegue realizar depois de ouvir muito esse mesmo cliente.”
Já Carlos ponderou, ao concordar com o cenário delineado pelos seus antecessores no debate, sobre a dificuldade de estabelecer uma relação direta entre o nível de satisfação dos clientes e a cultura de gestão do consumidor de cada empresa específica, pois cada uma se encontra num nível próprio e diferenciado de maturidade do modelo adotado em seus processos dentro do seu próprio DNA. Ao comentar números de uma pesquisa colocados pelo âncora do encontro, o CEO da ClienteSA, Vilnor Grube – que as interações com os consumidores são formadas hoje por 80% via autosserviço e 20% no atendimento humano -, o executivo confirmou que isso acontece porque houve aumento de 70% do e-commerce e nunca foi tão fácil consumir. “É indiscutível que estamos conseguindo, pelo digital, entregar muita facilidade, praticidade e conveniência, mas quando se fala da experiência em si a coisa muda de figura. Há sondagens indicando que nada menos que 77% dos consumidores estão insatisfeitos, em algum ponto, com suas marcas.”
Na mesma direção, Rafael, da Myra – braço do grupo Mutant em soluções para análise do consumidor -, propondo-se a unir as pontas dos aspectos colocados em debate, afirmou que tem por base o alto volume de dados estatísticos trabalhados por sua organização. Somente neste ano, a empresa irá analisar mais de 20 milhões de interações entre compradores e fornecedores. Nesse mar de informações, em ambientes de multicanalidade e desestruturação de dados, o desafio assumido por sua organização se dá na especialização de detectar com rapidez o que o cliente está realmente manifestando. “Conseguimos perceber, para citar apenas um exemplo, a realidade de companhias cujos clientes interessados nos produtos do ‘canal A’ estavam sendo atendidos, metade deles, pelo ‘canal B’. Ou seja, há várias métricas como essa mostrando que quanto mais rápido identificarmos essas distorções que passam muitas vezes despercebidas no dia a dia, mais fácil será oferecer melhores experiências e fidelizar os consumidores.”
(Cliente SA - 16.09.2021)