Os escritórios brasileiros tiveram mais uma vitória judicial na disputa que travam com o Itamaraty. A juíza substituta Emilia Maria Velano, da 15ª Vara do Tribunal Regional Federal do Distrito Federal, manteve decisão liminar que suspende processo licitatório iniciado pelo Ministério das Relações Exteriores em agosto de 2007 para contratação de um escritório de advocacia para defender o Brasil em demandas na Organização Mundial do Comércio (OMC) e que impossibilitava a participação de bancas brasileiras. "Diante de sua manifesta ilegalidade, as cláusulas 2.1 e 2.6 foram consideradas nulas pela Justiça", explica o advogado Durval Noronha Goyos Jr, do escritório Noronha Advogados, responsável pela demanda judicial.
Uma das cláusulas questionadas, e talvez a mais polêmica, é a que considera que os escritórios brasileiros não estão preparados para atuar em litígios internacionais. Segundo o despacho, a comissão especial de licitação da missão do Brasil junto às Comunidades Européias considera que "tal cláusula tem por finalidade garantir a qualificação técnica do licitante". Afirma que embora entenda o interesse dos escritórios de advocacia brasileiros de participarem do certame em que pese todos os esforços, "é mister reconhecer que, de modo geral, o meio jurídico brasileiro ainda não alcançou plena capacitação nessa área demandando contínuo processo de aperfeiçoamento".
Para a juíza, no entanto, "as assertivas da autoridade impetrada não são verdadeiras". "Vários escritórios de advocacia brasileiros já prestaram serviços para o governo do Brasil em questões internacionais, o que é reconhecido pelo próprio edital, quando faz referência aos escritórios de advocacia que, por já possuírem contrato com a União Federal em causas semelhantes, serão impedidos de participar dessa licitação", afirma a juíza em sua decisão.
"Temos advogados que conhecem muito bem as questões internacionais e contenciosos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e estão preparados para atuar nesta área", diz o advogado Antonio Corrêa Meyer, presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e vice-presidente da Comissão de Sociedades de Advogados da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
"O Brasil tem, sim, advogados preparados para atuar em questões internacionais", diz Noronha, que já foi árbitro da OMC e do Acordo Geral de Tarifas Comerciais (GATT). Além de representar o governo brasileiro em demandas na OMC, Noronha já representou a Argentina, Índia e China em disputas na OMC. O escritório Felsberg e Associados também já representou o governo brasileiro e de outros países em casos na OMC e, hoje, tem grande experiência em questões internacionais como dumping, barreiras não tarifárias e cotas para acordos de comércio internacional. "Estou há 21 anos em Londres, 21 em Lisboa e há 27 anos nos Estados Unidos. O argumento do governo é falacioso", dispara Noronha. Além de Noronha, outro brasileiro que também foi árbitro da OMC é o advogado Luiz Olavo Baptista. "Temos um advogado que foi aqui do nosso escritório (Machado, Meyer, Sendacz e Opice) que hoje assessora os sete membros do órgão de apelação da OMC", diz Meyer. "O Itamaraty deveria estimular mais a capacitação do que simplesmente dizer que não há advogados capacitados", afirma o presidente do Cesa.
Polêmica
O edital de licitação, que foi publicado no dia 17 de agosto no jornal Echo de Bruxelas, traz ainda mais polêmica. De acordo com o edital, para participar da licitação "os escritórios de advocacia deverão ter, simultaneamente, escritórios próprios regular e formalmente estabelecidos em Bruxelas, com pelos menos cinco advogados que atuem na área de comércio internacional, e em Washington, com pelos menos quinze advogados na área de comércio internacional, nos últimos dois anos".
E, apesar de não permitir a associação de brasileiros com estrangeiros, o edital prevê a associação com escritório brasileiro, caso o estrangeiro não tenha escritório próprio no Brasil. E prevê também que escritórios que já prestaram serviços para o governo brasileiro em demandas na OMC também não poderão participar da licitação.
"A decisão judicial é importante porque vai instalar a moralidade para que os próximos processos sejam conduzidos com idoneidade", diz Noronha. De acordo com ele, desde o fim do governo Fernando Henrique Cardoso até hoje o governo brasileiro estaria adotando um viés contrário à advocacia brasileira e preferido contratar advogados estrangeiros, especialmente os norte-americanos. Segundo advogados, há cerca de 10 anos o governo brasileiro não divulga estatísticas sobre os escritórios que atuam em contenciosos internacionais. O Itamaraty foi procurado, mas até o fechamento desta edição não retornou.
(Gazeta Mercantil 16.01.2009/Caderno A8)
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