Contratos vagos definem uso do mecanismo, mas se omitem sobre câmara, número de árbitros, idioma e leiJuliana GarçonEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.Aclamada em escritórios e universidades por dar agilidade às decisões de controvérsias, a arbitragem precisa ser vista com mais cuidado, alertam advogados. Com a cláusula arbitral, as partes concordam na adoção do mecanismo e abrem mão da atuação do Judiciário. Se não definem adequadamente as características do acordo — câmara, número de árbitros, legislação aplicável, idioma, local de processamento, procedimento — e entram em conflito, cria-se uma situação peculiar: não têm mecanismos para resolver a disputa e não podem ir à Justiça. “É o pior cenário possível — as partes ficam no ‘limbo’. Provavelmente, elas vão se engajar em uma discussão, muitas vezes dirimida pelo próprio Judiciário, somente para definir o que já deveria ter sido definido no contrato”, diz Marcelo Muriel, sócio do Mattos Muriel KestenerAdvogados. “Podem ajuizar uma ação, prevista no artigo sétimo da Lei de Arbitragem, para que um juiz defina os aspectos faltantes para viabilizar a instauração da arbitragem.” Omissões a respeito da câmara e do número de árbitros são comuns, diz Marcos Fioravanti, sócio do Siqueira Castro especialista em contencioso cívil. “Frequentemente, os advogados deixam para redigir por último a cláusula arbitral — que, por isso, é apelidada de ‘cláusula da meia-noite’. Cansados e com pouco tempo, acabam esquecendo itens essenciais e elaborando uma cláusula vazia.” Outra fonte de lapsos é o uso de cláusulas copiadas de outros contratos. “Idioma e legislação a serem aplicados têm de ser especificados. É o tipo de coisaque dá errado quando se faz um ‘copiar e colar’”, diz Fioravanti. Para não deixar dúvidas, Paulo Dóron Rehder de Araujo, sócio do Sabz Advogados, recomenda que a cláusula, além dos itens já citados, detalhe a forma de escolha dos árbitros, a formade comunicação entre as partes até a instituição do Tribunal Arbitral, os foros para execução da sentença e para medidas cautelares anteriores à instalação do Tribunal Arbitral, a forma de divisão dos custos da arbitragem e se há cabimento ou não de recursos contra a sentença arbitral. AfastamentoNão é impossível derrubar cláusulas de arbitragem. A Justiça recebe pedidos de afastamento temporário ou definitivo e ações que buscam a anulação da sentença arbitral. “Seja por ignorância, seja por má fé, as pretensões em tal sentido têm o efeito negativo de atrasar a decisão arbitral ou a sua execução e aumentar os custos do procedimento”, diz Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, professor de direito comercial da Faculdade de Direito da USP e consultor do Mattos Muriel Kestener Advogados. Porém, as cortes têm reafirmado o procedimento de arbitragem, diz, frisando que decisões recentes do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) reforçam o entendimento.Custo pode inviabilizar adoção do mecanismoDefinição de cobrança de honorários envolve inúmeros fatores e encarece o processoOs honorários da arbitragem variam dentro de um amplo leque de acordo, entre outros fatores, com o local onde a câmara é sediada, o uso de idioma estrangeiro e os valores pagos aos árbitros. Giancarllo Melito, sócio do escritório Barcellos Tucunduva, chama a atenção para fatores que encarem a modalidade. “Muitos contratos estipulam três árbitros. Frequentemente, umbastaria.Umtrio só é necessário em casos complexos.” Eliane Cristina Carvalho, do Machado Meyer, também vê gastos desnecessários quando partes nacionais, usando leis locais, adotam uma câmara comsede em outro país, por exemplo . “Eleva os custos desnecessariamente. É indispensável ficar atento a todos os aspectos da cláusula.” As taxas mais pesadas geralmente dependem do valor do contrato, mas há pisos de honorários. “A depender do valor, a arbitragem pode não ser interessante por conta do custo mínimo praticado pela maioria das câmaras arbitrais”, explica Paulo Dóron Rehder de Araujo, sócio do SABZ Advogados. “Não faz sentido um contrato para um negócio de R$ 1 milhão custar R$ 300 mil”, exemplifica Melito. Em algumas situações, fica tão caro apelar para a câmara de arbitragem que a parte queixosa se vê desestimulada a buscar seus direitos. “Isso pode até ser uma estratégia: fazer um contrato sabendo que não cumprirá, mas com custo tão alto que inviabiliza o acionamento da câmara”, diz Melito. J.G.Comitê técnico evita controvérsias em obraNa linha dos mecanismos pára judicial, uma nova modalidade ganha espaço no acompanhamento de grandes obras: o “dispute board” (comitê de solução de controvérsias), uma forma de acompanhamento para evitar conflitos e promover a rápida solução de controvérsias. Trata-se, basicamente, de uma junta formada por profissionais — dois engenheiros e um advogado — que acompanham o progresso da execução da obra e apontam soluções para divergências entre os envolvidos. Assim, os conflitos são resolvidos antes de se tornaram processos judiciais ou de chegarem a procedimentos de arbitragem, o que representa economia de tempo e dinheiro. “Em todos os grandes projetos surgem conflitos”, diz Fernando Marcondes, especialista em direito da construção do escritório L. O. Baptista SVMFA Advogados e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Construção (IBIDIC). Por evitar os atrasos e custos inerentes às divergências, compensa contrataram um grupo de especialistas para acompanhar os trabalhos. As cifras variam, pois dependem do número de horas trabalhadas. Uma estimativa é de gastos de R$ 15 mil a R$ 20 mil por mês para obras de dois anos. Necessariamente,os profissionais têm de ter, além de grande conhecimento técnico, boa reputação no mercado. “Em reuniões realizadas a cada três ou quatro meses, eles ajudam a aparar as arestas das obras”, explica Fernando Marcondes. Uma vantagem importante, aponta Eliane Cristina Carvalho, do Machado Meyer, é evitar que as empresas percam o foco na atividade que estão desenvolvendo. O dispositivo surgiu nos anos 60, nos Estados Unidos, quando a própria arbitragem passou a sofrer grande judicialização. Para contornar a beligerância, os envolvidos em grandes projetos optaram pelo acompanhamento de consultores. O modelo ganhou força nos anos 80, quando o Banco Mundial estabeleceu seu uso nas obras de uma barragem em Honduras, que ajudava a financiar. “O projeto terminou sem pendências”, diz Marcondes. “Historicamente, as estatísticas indicam que 97% dos problemas que surgem nas obras são resolvidos quando o dispute board é adotado. Depois, a decisão pode ser contentada, mas o histórico de reversões é nulo, devido à excelência dos consultores”, diz. Também usado no Eurotunel e na expansão do Canal do Panamá, o mecanismo tem como exemplo no Brasil as obras da Linha 4 do metrô paulista, que tem financiamento do Banco Mundial. Ainda não é mais aplicado, avalia Marcondes, por desconhecimento. A expectativa é que a modalidade seja mais adotada nas obras de infraestrutura previstas para o país. J.G. (Brasil Econômico 14.11.2012/Pg. 12 e 13)(Notícia na Íntegra)