Riscos são muitos, mas vários grupos estão dispostos a aceitá-los
Por Taís Hirata
Prestes a sair do papel, a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) é vista no mercado com um misto de forte interesse e desconfiança. A percepção é que os fatores de risco são muitos, mas, ainda assim, vários grupos estão dispostos a aceitá-los, afirmam companhias e analistas do setor ouvidos pelo Valor.
O primeiro dos desafios, a publicação do edital, está perto de ser superado. Após três anos de estudos, negociações e embates internos, o BNDES planeja soltar o edital na próxima terça-feira (22), diz Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs do banco de fomento.
Neste semana, o projeto recebeu sinal verde tanto no conselho de administração da estatal quanto no conselho da região metropolitana do Rio de Janeiro - que representa a maior parte do projeto. Ainda restam firmar alguns acordos com prefeituras do interior do Estado, mas o edital sairá, mesmo que com baixas, diz ele. “Caso algum município não assine, podemos reabrir o processo para novos blocos no futuro. Mas o trem vai partir.”
A ideia é garantir a publicação do edital neste ano, para evitar o risco de novos prefeitos, que entram em janeiro, voltarem atrás.
A princípio, 47 municípios farão parte da concessão - a não ser que haja desistências. Eles serão divididos em quatro blocos, que serão licitados separadamente. Os investimentos totais previstos são de R$ 33,5 bilhões.
A concorrência traz um estímulo para que diferentes operadores assumam cada um dos contratos. “O edital exige um nível de capacidade financeira que aumenta muito caso um grupo ganhe um segundo bloco. É quase impossível levar os quatro, não vai acontecer”, explica Abrahão.
No mercado, a avaliação é que cada bloco já é bastante volumoso. Por um lado, isso é um trunfo - o porte grande garante receitas altas e ganhos de escala. Por outro, demanda um fôlego financeiro altíssimo, o que limita o número de grupos aptos a concorrer.
Além dos investimentos bilionários, os vencedores terão que pagar outorgas elevadas ao poder público. O preço mínimo para cada contrato varia, mas a soma é de R$ 10,6 bilhões - valor que deve crescer, já que o critério de escolha é pelo maior preço ofertado.
O alto volume de investimento faz com que as incertezas ganhem peso. Um dos fatores que geram dúvidas é o “risco Rio de Janeiro”, ou seja, a insegurança jurídica e instabilidade política do Estado. A questão se agravou após a encampação da concessão da Linha Amarela, da Invepar, decretada pelo prefeito Marcelo Crivella e respaldada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A decisão, que afeta todo o setor de infraestrutura do país, tem sido atacada por diversas entidades, e há forte expectativa de que seja revertida. Ainda assim, não deverá haver uma resolução até o leilão da Cedae, avalia Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto. “Quem participar do leilão terá que lidar com esse risco. Para quem já atua no país, é mais simples aceitar.”
Para alguns, a questão poderá afastar estrangeiros e novos entrantes no setor. A expectativa é que, no futuro, o fortalecimento da regulação que será feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) possa dar mais segurança. Porém, o pacote de regras ainda é desconhecido, pondera Pedro Seraphim, do TozziniFreire.
O “risco RJ” também se estende a outras questões. Uma delas é a existência de áreas de ocupação irregular, muitas sob domínio de organizações criminosas, onde nem sempre é simples fazer obras e passar a cobrar tarifas.
Outra preocupação é o fato de que a Cedae continuará na produção de água do Estado, que será vendida aos futuros operadores privados, para que façam a distribuição. “Essa interface com a estatal é difícil de equacionar. O temor é que surjam problemas, como a entrega de água em volumes menores ou com qualidade mais baixa do que a contratada. Há um desafio de relacionamento”, afirma Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer Advogados.
Para uma fonte, o projeto traz mecanismos para mitigar os riscos. Além de criar um comitê técnico que fará a mediação entre as partes, o contrato prevê arbitragem em caso de conflito.
Abrahão, do BNDES, também diz que eventuais reequilíbrios no início do contrato - por exemplo, se o operador encontrar a estrutura em estado pior que o previsto - poderão ser abatidos do pagamento de outorga, que será escalonado - 65% na assinatura, 15% no início da operação (após um período de seis meses de transição assistida) e 20% no terceiro ano.
Apesar de todos esses riscos, a expectativa é que haja forte interesse. Deverão estudar o projeto, além de todos os grandes operadores no Brasil, fundos de investimento e grupos estrangeiros. Outra avaliação é que deverá haver muitos consórcios - uma forma de dividir desembolsos e riscos.
(Valor Econômico, de 18.12.2020 – A15)