O Colegiado da CVM aprovou, em maio, um acordo de cooperação técnica com a ABCripto Associação Brasileira de Criptoeconomia. Trata-se de uma parceria técnico-científica cujos principais objetivos são difundir e propagar os conhecimentos referentes às novas tecnologias financeiras, com foco em finanças descentralizadas (DeFi) e outras aplicações relativas à criptoeconomia, blockchain e investimentos em criptoativos, fomentando um ambiente propício à inovação financeira.
A iniciativa destaca-se especialmente por seu caráter educacional com uma frente direcionada à capacitação de jovens e professores neste ramo, com propósito de empoderamento econômico. Além disso, o convênio estabelece uma parceria com o Comitê Sandbox da CVM, para fins do art. 10 da resolução CVM 29/21, e buscará desenvolver ações de apoio técnico junto aos associados da ABCripto e ao mercado em geral para melhor compreensão quanto à forma de cumprimento da regulação e orientações da CVM pelo setor.
O projeto se insere em um momento no qual os reguladores em âmbito nacional e internacional estão dando cada vez mais atenção ao universo das moedas digitais, diante das cifras relevantes que são movimentadas na criptoeconomia. Na América Latina, entre julho 2021 e junho de 2022, foram recebidos US$ 562 bilhões de dólares em criptoativos, levando-a representar 9,3% dos recebimentos a nível global, sendo os principais casos de uso a reserva de valor, o envio de remessas e investimento, conforme The 2022 Geography of Cryptocurrency Report, da Chainalysis.
Apesar da alta volatilidade, queda no preço do Bitcoin e outras altcoins, além de casos emblemáticos de fraude no setor, parcela dos brasileiros continua adepta desse mercado. Segundo dados abertos da Receita Federal, aproximadamente R$ 165 milhões foram movimentados em criptomoedas no ano de 2022, sendo que em março de 2023 foi atingida a marca de 1,6 milhão de pessoas físicas ativas nesse mercado.
Essa relevância econômica e a participação de investidores pessoas físicas têm chamado a atenção do Estado e despertado seu interesse na aproximação com as instituições privadas do setor, com a finalidade tanto de compreender melhor o fenômeno, como de estabelecer parcerias educacionais para instrução da sociedade civil a respeito das inovações na área financeira.
Esse movimento acontece em um contexto de normatização do mercado de criptoativos. Nesse sentido destacamos a edição da lei 14.478, em 21 dezembro de 2022 (Marco Legal dos Ativos Virtuais), que regulamenta a atividade dos prestadores de serviços de ativos virtuais utilizados para investimento ou pagamento. A norma entrou em vigor em 19 de junho de 2023 e deverá ser regulamentada em breve pelo Banco Central do Brasil, conforme definido no decreto Federal 11.563, de 13 de junho de 2023.
No âmbito do mercado de capitais, por sua vez, a CVM editou, em outubro de 2022, o Parecer de Orientação CVM 40, consolidando o seu entendimento a respeito dos criptoativos. A autarquia classificou-os em duas categorias: as criptomoedas (i.e., bitcoin, altcoins e stablecoins) e os tokens (i.e., utility tokens, security, equity tokens e non-fungible tokens). A posição da CVM é que os Bitcoins e a maioria das outras criptomoedas estão fora do seu escopo regulatório, pois não são considerados valores mobiliários ou ativos financeiros. Contudo, tais ativos virtuais acabarão sendo abarcados pelo novo Marco Legal dos Ativos Virtuais, uma vez que são utilizados para investimento ou pagamento. Os tokens, por sua vez, que são a outra categoria de ativos virtuais, podem estar sob o alcance regulatório da CVM, mas desde que sejam classificados como valores mobiliários. Tal parecer explica os critérios para determinar se um token pode ser classificado como valor mobiliário.
Adicionalmente, a Superintendência de Supervisão de Securitização - SSE, área técnica da CVM, publicou em abril deste ano o Ofício-Circular 4/23/CVM/SSE, com a possível caracterização dos tokens de recebíveis ou renda fixa como valores mobiliários, focado especialmente em operações de securitização.
Nesse cenário a atuação do regulador no aspecto educacional é bastante positiva. Ao invés de enfatizar apenas questões ligadas à supervisão - o que, sem dúvida, deve ser feito sempre que há irregularidades -, mostra-se também uma preocupação com a educação dos usuários para que eles possam melhor compreender e cumprir as normas direcionadas ao setor. Nesse sentido, portanto, a promoção de uma cultura de compliance e responsabilidade, que proporcione a construção de estruturas e negócios com mais segurança jurídica e menos riscos regulatórios, merece elogios.
Além disso, a iniciativa da CVM de estabelecer um canal de comunicação e cooperação com a iniciativa privada mostra-se igualmente salutar, podendo contribuir para a formulação de normas que sejam efetivas e adequadas à realidade deste novo mercado. A ideia é de que, ao mesmo tempo em que ofereçam segurança jurídica, não estrangulem a inovação ou imponham barreiras à entrada de novos agentes no setor.
(Migalhas - 27.06.2023)