Liliam Yoshikawa e Pedro Jardim
Após longa espera de quase 5 anos, foi publicado hoje o Projeto de Lei Nº 5.807/2013 (PL Nº 5.807/2013), que dispõe, dentre outros, novas regras sobre a atividade de mineração, cria o Conselho Nacional de Política Mineral - CNPM e a Agência Nacional de Mineração - ANM. Dentre as principais características do atual texto do PL Nº 5.807/2013, ainda sujeito a alterações pelos membros do Congresso Nacional, destacam-se: - Criação do Conselho Nacional de Pesquisa Mineral - CNPM e da Agência Nacional de Mineração - ANM. - Previsão dos regimes de concessão (precedido de licitação, chamada pública), autorização (mediante termo de adesão) e permissão de lavra garimpeira (nos termos da Lei 7.805/1989). Há previsão de substituição do atual regime de licença pelo de autorização. - Como regra geral, todas as áreas estarão sujeitas à licitação. As áreas determinadas como estratégicas pelo Governo Federal serão necessariamente licitadas enquanto aquelas não consideradas como estratégicas serão submetidas à chamada pública assim que houver interesse de alguma mineradora; caso haja mais interessados, abrir-se-á procedimento licitatório. Pontos relevantes sobre as Concessões - Às licitações, aplica-se a Lei Nº 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. - Critérios de julgamento para as licitações e celebração dos contratos de concessão: (i) bônus de assinatura; (ii) bônus de descoberta; (iii) participação da União no resultado da lavra; e (iv) programa exploratório mínimo. Estes poderão vir a ser combinados entre si e/ou com outros não previstos expressamente no Projeto de Lei. - O edital da licitação poderá estabelecer restrições, limites ou condições a determinadas empresas na licitação, a fim de assegurar a concorrência nas atividades de mineração. Além disso, deverá trazer previsão de conteúdo local mínimo obrigatório a ser observado pelo concessionário. - O contrato de concessão cobrirá todas as fases do projeto (pesquisa, implantação do projeto, lavra e fechamento da mina). Concluídas as pesquisas, deve ser declarada a comercialidade da jazida. O Plano de Aproveitamento Econômico e sua revisão deverão ser objeto de previsão contratual. - Prazo dos contratos de concessão: 40 anos, prorrogáveis por 20 anos, sendo que tal prorrogação dependerá dentre outros, do adimplemento com as condições contratuais, sendo que o poder concedente poderá incluir novas obrigações e condições ao contrato. - Hipóteses de extinção da concessão: aquelas normalmente previstas em contratos de concessão aplicáveis a outros setores, ressalvadas algumas diferenças inerentes à indústria mineraria (como, por exemplo, a exaustão da jazida). - Vale ressaltar a possibilidade de revogação de concessão de lavra já existente em favor do interesse nacional para submissão da área à licitação. Neste caso, o titular será indenizado em valor equivalente ao investimento comprovadamente realizado e não depreciado ou amortizado. - Cessão do contrato de concessão: poderá ser autorizada pelo Poder Concedente, desde que atendidos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANM. Mesmo nos casos de cisão, fusão, incorporação ou transferência de controle acionário, será necessário o consentimento prévio do poder concedente, sob pena de caducidade. - É previsto o direito de step-in pelos financiadores. - Conciliação, mediação e arbitragem podem ser previstos como medidas de solução de controvérsias. - Pode-se exigir, para a assinatura do contrato de concessão, a prestação de garantias pelo concessionário, inclusive para a recuperação ambiental das áreas e realização de investimentos mínimos determinados para cada fase. Pontos relevantes sobre as Autorizações - Sujeitam-se ao regime de autorização os seguintes minérios: (i) minérios para emprego imediato na construção civil; (ii) argilas destinadas à fabricação de tijolos, telhas e afins; (iii) rochas ornamentais; (iv) água mineral; e (v) minérios empregados como corretivo de solo na agricultura. Outros minérios podem ser definidos como sujeitos ao regime de autorização pelo Poder Executivo Federal. - Formalizado mediante assinatura de termo de adesão a ser definido em regulamento, observado prazo de 10 anos, prorrogáveis sucessivamente. Outras disposições relevantes - CFEM (royalties): incidirá sobre a receita bruta da comercialização do minério, incluindo àqueles resultantes de reaproveitamento de rejeitos ou estéreis, deduzidos os tributos incidentes sobre a comercialização. A alíquota máxima prevista é de 4%. - Criação de Taxa de Fiscalização: devida anualmente pelas mineradoras, pelo exercício do poder de polícia decorrente da fiscalização das atividades de mineração. Tomará por base a capacidade econômica da mineradora. Os valores inicialmente propostos variam de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para microempresas a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para empresas de grande porte (assim consideradas àquelas que tenham receita operacional bruta anual superior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais). - Propositura de criação de nova obrigação de pagamento anual pela ocupação ou retenção de área, devida pela mineradora à União em valor a ser fixado por quilômetro quadrado. - Participação do superficiário nos resultados da lavra: a proposta sugere alteração dos atuais 50% para 20% do montante devido a título de CFEM. - Sanções administrativas pelo descumprimento de lei, regulamento ou contrato relacionados às atividades de mineração: dentre outras, incluem multa que podem variar, para cada infração, de R$10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) ou o correspondente a 50% do valor devido a título de CFEM, o que for maior). - Servidões: caso as negociações do minerador com o proprietário do solo não sejam bem sucedidas, caberá ao Poder Concedente declarar a utilidade pública para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa das áreas necessárias à atividade de mineração. Disposições transitórias - Requerimentos de pesquisa: Titulares de requerimentos de pesquisa pendentes de avaliação junto ao DNPM terão até 90 dias contados da publicação da lei para manifestar interesse no prosseguimento do pedido e promover adaptações necessárias, sob pena de indeferimento. Estes serão recebidos como solicitação de abertura de chamada pública. - Autorizações de pesquisa: Pesquisas não iniciadas deverão o ser em 60 dias a partir da publicação da lei, sob pena de revogação. Caso haja aprovação do relatório final de pesquisa ou o requerimento de concessão de lavra já tenha sido apresentado, a lavra será concedida por meio de celebração de contrato de concessão nos termos da nova lei. Autorizações de pesquisa concedidas antes da publicação da lei poderão ser prorrogadas em até um ano, desde que comprovado que as pesquisas previstas tenham sido realizadas. - Concessões de lavra e minas manifestadas: Preservar-se-ão as condições vigentes. No entanto, deverá ser celebrado contrato de concessão caso haja cessão do título minerário ou cisão, fusão, incorporação, redução de capital ou transferência de controle acionário, direto ou indireto, de seu titular. - Estarão sujeitos à caducidade os direitos minerários em que os trabalhos não tenham sido comprovadamente iniciados nos prazos previstos pelo Código de Mineração vigente, salvo se: (i) baseados em suspensão temporária de lavra aceita pela autoridade competente; (ii) a paralisação tenha sido tecnicamente justificada e aceita pela ANM; e (iii) por ocorrência de caso fortuito ou força maior. Sem prejuízo, a atividade de lavra deverá ser reiniciada no prazo de um ano, sob pena de caducidade do título. - Guias de utilização expedidas pelo DNPM até a data de publicação desta Lei serão revogadas no prazo máximo de cento e oitenta dias, contado da publicação da nova lei. Temas não abordados pelo PL Nº 5.807/2013 - Dentre os temas relevantes à atividade de mineração que carecem de nova regulamentação e que não foram abordados pelo PL Nº 5.807/2013, destacamos a atividade de mineração em terras indígenas e de restrição ambiental e mineração de materiais radioativos. Embora a exposição de motivos destaque como medida central a criação do Conselho Nacional de Política Mineral - CNPM e da Agência Nacional de Mineração - ANM, em primeira análise destacamos outras duas grandes alterações às atuais regras do setor: a primeira refere-se à forma de obtenção de títulos minerários e a segunda à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM (royalties da mineração). No regime atual, aos projetos de maior relevância econômica aplica-se o regime de Autorização-Concessão, que consiste, basicamente, em duas etapas: uma de pesquisa e uma de lavra. Qualquer pessoa, física ou jurídica, tem hoje o direito de requerer o direito que o autoriza a pesquisar minerais em uma área que já não seja objeto de outro título minerário, chamado de Alvará de Pesquisa. Esse Alvará de Pesquisa garante aos interessados a exclusividade no requerimento da Portaria de Lavra, que por sua vez lhes garantirá o direito de lavrar o mineral identificado nas pesquisas. Em resumo, é uma regra que favorece “quem chega primeiro”. No regime proposto pelo PL Nº 5.807/2013, grande parte do que hoje se submete ao regime de Autorização-Concessão passará a se submeter a um processo licitatório. Como regra geral, toda vez em que um interessado requeira um novo título minerário, instaurar-se-á processo de chamada pública que pode ou não, dependendo do número de interessados, resultar em processo licitatório para a área em questão. Ou seja, acabou a regra do “quem chega primeiro” e todas as empresas nacionais e estrangeiras interessadas devem disputar áreas de interesse em pé de igualdade. Esse talvez seja o maior expoente da defasagem do atual marco regulatório. Esse modelo, de 1967, visava a incentivar as mineradoras a desenvolver o setor país a fora e garantiu que boa parte do território nacional fosse objeto de Alvarás de Pesquisa. O novo modelo proposto é, sem dúvida, mais intervencionista, na medida em que a proposta refletida no PL Nº 5.807/2013 é a de que o Governo Federal passe a eleger áreas estratégicas sujeitas a um regime diferenciado. Adicionalmente, criam-se novos encargos e as penas previstas estão mais rígidas. A pena de caducidade passa a ser aplicável a situações menos gravosas que no atual regime não se sujeitam a ela. Quanto à CFEM, conforme esperado, o PL Nº 5.807/2013 sugere um considerável aumento da fatia da produção mineral a ser repassado aos cofres públicos. Embora não tenha havido alteração dos percentuais de distribuição a Estados e Municípios, houve alteração da base de cálculo, já que não há previsão para deduções de seguro e transporte nos termos atualmente aplicáveis. A justificativa apresentada na exposição de motivos é a de que a nova hipótese de incidência abandonaria o modelo de recolhimento da CFEM baseado nas estruturas de custos das empresas mineradoras e passaria a focar na atividade de comercialização. Apesar de a alíquota máxima ter sido elevada de 3% para 4% e do Governo Federal ter anunciado a intenção de utilizá-la para minérios importantes à economia, como o minério de ferro, importante ressaltar que ainda não foram fixadas por meio do PL Nº 5.807/2013 as alíquotas efetivamente aplicáveis a cada segmento ou minério, o que deve atribuir flexibilidade política ao Governo Federal e gerar inquietação pelas empresas mineradoras até que esse impasse seja decidido.