Os princípios ESG (Environmental, Social and Governance) deixaram de ser apenas uma tendência global para se tornarem um divisor de águas no ambiente empresarial brasileiro. Mais do que um selo de reputação, a adoção efetiva de práticas ESG é hoje fator decisivo para atrair investimentos, conquistar mercados e garantir a sobrevivência das empresas em um cenário de cobranças crescentes por transparência e responsabilidade.
No aspecto ambiental, a prática se destaca pelo compromisso com a proteção ao meio ambiente – incluindo ações voltadas à redução de resíduos e poluição, uso de fontes renováveis de energia e conservação.
Sob o ponto de vista social, prioriza-se a relação da empresa com seus colaboradores, terceiros e comunidades no entorno de suas operações, com foco no respeito aos direitos humanos e em questões relacionadas à proteção de dados e da privacidade.
Já o pilar de governança refere-se à organização interna da estrutura de poder na companhia. O objetivo é assegurar a condução dos negócios de forma ética e transparente, com tratamento específico para situações de conflitos de interesses, remuneração de administradores e transações com partes relacionadas.
A experiência mostra que políticas bem estruturadas de sustentabilidade e governança não só protegem contra riscos jurídicos e reputacionais, mas também potencializam o valor da empresa em negociações estratégicas e fusões.
Neste contexto, o papel dos administradores ganha mais uma camada de complexidade, pois eles têm a responsabilidade de incorporar os princípios ESG em sua atuação, como parte do cumprimento de seus deveres fiduciários:
- o dever de diligência, que impõe aos administradores a obrigação de agir com o cuidado e a diligência esperados na administração de seus próprios negócios;
- o dever de lealdade, que exige atuação no melhor interesse da companhia, para evitar conflitos e buscar o resultado mais adequado; e
- o dever de informar, que determina o cumprimento das obrigações de divulgação e a garantia da qualidade das informações prestadas ao mercado.
A omissão em identificar, avaliar e mitigar riscos e passivos ambientais, assim como violações de direitos humanos, problemas trabalhistas, falhas de privacidade, de segurança de dados, de governança e de controles internos pode caracterizar violação dos deveres fiduciários e expor os administradores à responsabilização pessoal.
O ESG como fator de valorização para o mercado
Em companhias abertas, a incorporação efetiva dos princípios da agenda ESG contribui para a percepção de investidores e do mercado sobre o valor da empresa, o que gera impacto direto na precificação de seus valores mobiliários.
Em 2021, após processo de audiência pública, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Resolução CVM 59/21, que passou a prever:
- a obrigatoriedade de comunicar determinadas métricas ESG ou a justificativa para a ausência de comunicação; e
- a alteração das regras do formulário de referência, ampliando a exigência de divulgação de informações sobre os aspectos ESG.
De acordo com a resolução, cabe à companhia aberta divulgar informações sobre:
- a elaboração de relatório de ESG pela companhia – e, em caso positivo, se o relatório é auditado; e
- a realização de avaliação de materialidade ESG e divulgação dos indicadores-chave de desempenho.
- A empresa também precisa indicar se, nas informações ambientais, sociais e de governança fornecidas, considerou:
- os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as metas mais relevantes para a matriz de materialidade da empresa;
- as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas ou de outras organizações relacionadas ao clima;
- informações sobre diversidade;
- os riscos e práticas ESG – inclusive em relação à remuneração dos executivos atrelada às métricas ESG.
Este ano, a CVM lançou uma pesquisa pública online, como parte da sua Agenda Regulatória 2025, para coletar a percepção do mercado sobre a divulgação de informações relacionadas à agenda ESG pelas companhias abertas.
A iniciativa está diretamente vinculada à implementação da Resolução CVM 59/21 e busca avaliar o grau de compreensão, adesão e impacto da norma, a partir de respostas que servirão de base para futuras ações regulatórias. Apesar de os resultados da pesquisa ainda não terem sido divulgados, a iniciativa é um indicativo da importância que está sendo dada ao tema.
Mesmo empresas de capital fechado, tradicionalmente menos expostas à fiscalização pública, já percebem que ignorar o ESG pode significar perder negócios, valor de mercado e até enfrentar litígios inesperados.
Oportunidade estratégica
Ainda há quem veja as práticas ESG como “custo” ou “modismo passageiro”. Mas a realidade do mercado brasileiro e internacional aponta para o oposto: empresas que negligenciam práticas sustentáveis e transparentes estão cada vez mais vulneráveis a sanções, perda de crédito e exclusão de grandes cadeias de negócios.
O futuro pertence àquelas que enxergam o ESG como oportunidade estratégica, e não como obrigação burocrática. Isso já se reflete nos ambientes de investimento, consumo, concorrência, posicionamento de marca e, inclusive, obtenção de crédito.
Nessa perspectiva, é visível a incorporação das temáticas de ESG nas discussões judiciais e extrajudiciais envolvendo potencial responsabilidade de administradores e controladores. O volume de disputas relacionadas a greenwashing, socialwashing, falhas de comunicação, violações em cadeia de fornecedores, incidentes socioambientais e conflitos societários também mostram o peso das questões ESG no ambiente corporativo.
Em geral, a integração de práticas ESG nas estruturas das companhias não apenas fortalece a governança interna, potencializando o valor da empresa diante de seus stakeholders, como contribui para dar mais solidez à defesa em ações judiciais relacionadas ao tema.
Nesse sentido, a criação de comitês dedicados a monitorar e relatar questões ambientais, sociais e de governança, bem como de políticas internas efetivas, demonstra um compromisso proativo da empresa para minimizar riscos legais e reforça a confiança do mercado.
O papel da assessoria jurídica
Contar com uma assessoria jurídica específica e preventiva para aperfeiçoar a organização interna contribui diretamente para a efetiva aplicação das práticas ESG. Entre as ações que podem ser tomadas estão a estruturação de cláusulas de compliance socioambiental, a negociação de covenants em financiamentos sustentáveis, o cumprimento de obrigações de comunicação e de auditoria, além da implementação de mecanismos rápidos de apuração e adoção de medidas corretivas.
Essas iniciativas demonstram o comprometimento da empresa e de sua administração com as práticas de ESG, facilitando a gestão de incidentes e fortalecendo a posição da empresa em discussões jurídicas e estratégicas.
Em cenários de crise, a preparação preventiva da companhia pode ser fundamental para um desfecho mais controlado e menos danoso. Investigações independentes, preservação de evidências, comunicação coordenada com reguladores e investidores e a avaliação tempestiva de acordos podem limitar danos e evitar a escalada de litígios.
A existência de políticas e comitês específicos, a realização de investigações independentes quando necessário, a preservação de evidências, a comunicação coordenada com reguladores e investidores e a implementação de planos de resposta e fluxos de aprovação já testados permitem tomar decisões mais rápidas e fundamentadas, capazes de limitar danos e evitar a escalada de litígios em casos de crises ou demandas relacionadas à questão.
Em um ambiente regulatório e social em rápida evolução, investir em ESG é investir no futuro da empresa. Mais do que evitar riscos, trata-se de construir uma marca sólida, preparada para enfrentar crises e conquistar espaço em mercados cada vez mais exigentes.
As companhias que incorporam, de maneira efetiva, os princípios ESG em suas políticas, comitês e práticas de governança tendem a decidir melhor e mais rápido, conquistar mais a confiança de investidores e parceiros e lidar melhor com crises – o que contribui para melhor desempenho financeiro e geração de valor.
O papel do setor jurídico nessa jornada de transformação é fundamental, antecipando tendências, estruturando políticas e protegendo os interesses da empresa em todas as frentes.
