União pode ter ainda mais vantagem em casos tributários após trocas de ministros

Alexandre Leoratti | Brasília

A pandemia causada pela Covid-19 trouxe uma enxurrada de processos e decisões tributárias ao plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF). Questões de repercussão geral, antes discutidas em plenário físico, com horas de debate entre ministros, são julgados na pandemia por meio de publicações de votos na plataforma virtual.

A avaliação de tributaristas entrevistados pelo JOTA é que a menor quantidade de debate e argumentações entre ministros e as limitações do julgamento virtual para o advogado, que envia somente uma sustentação oral gravada, colaboraram para derrotas nas maiores teses tributárias julgadas durante a pandemia.

“Nunca vi tantos processos que versam sobre matéria tributária em âmbito de repercussão geral sendo julgados de forma tão rápida”, afirma Fernanda Sá Freire, sócia do escritório Machado Meyer.

Ela diz que antes da pandemia, em um dia produtivo no STF, dois casos tributários eram julgados. Atualmente, com o plenário virtual, há ocasiões com 10 julgamentos ao mesmo tempo.

“Mesmo antes da pandemia já tínhamos [os contribuintes] uma dificuldade no STF, mas em determinado momento, com o julgamento presencial, é possível fazer mais explicações e interrupções necessárias para a análise correta do tema”, afirma a tributarista.

De acordo com Alberto Medeiros, sócio do Stocche Forbes e Presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/DF, os julgamentos virtuais, durante a pandemia, são positivos pela celeridade no julgamento, mas limitam o exercício de defesa dos tributaristas.

“No nosso ponto de vista, esses julgamentos realizados em um período de pandemia e escassez de recursos públicos também colaboraram para esse resultado negativo dos contribuintes”, diz o advogado.

Apesar do julgamento virtual ser uma realidade inevitável, a tributarista Cristiane Romano, sócia do Machado Meyer, afirma que os contribuintes “perderam o rumo” durante a pandemia com uma “esmagadora” maioria de decisões em favor da União. “Os contribuintes ainda não entenderam o que acontece. Quando levantam é outra paulada. São julgados mais casos e contra os contribuintes”, afirma a tributarista.

Ela acrescenta que no julgamento virtual há casos em que “cada ministro vota em um sentido e é impossível fazer um voto médio” da tese tributária discutida.

Casos de destaque

Durante a pandemia, a grande vitória dos contribuintes foi no RE 576.967, que discutiu a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre os valores pagos a título de salário-maternidade.

O caso teve início antes da pandemia, mas foi concluído por meio do julgamento virtual, no dia 4/8, quando os ministros rejeitaram a cobrança de 20% sobre valor recebido pelas funcionárias afastadas por nascimento do filho ou adoção.

O impacto do caso nas contas da União é de R$ 6,3 bilhões. Foram vencidos na votação os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Outro caso destacado por tributaristas foi a decisão da Corte de manter o IPI cobrado na revenda de produto importado. Em caso de derrota, a União teria prejuízo de R$ 56 bilhões na arrecadação. O resultado final foi de seis votos a quatro a favor da tributação.

A tese vencedora estabelece que “é constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno”. Foram vencidos os ministros Marco Aurélio, relator do processo, Edson Fachin, Rosa Weber e Roberto Barroso.

Outra derrota importante contra os contribuintes foi nos REs 603.624 e 630.898, que discutem a constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) pagas para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). O caso teria impacto fiscal de R$ 31,8 bilhões. Foram vencidos os ministros Luiz Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Rosa Weber.

A tese fixada determina que “as contribuições devidas ao Sebrae, à Apex e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela Emenda Constitucional 33/2001″. A emenda constitucional mencionada na tese do STF estabelece as situações de incidência das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico.

Novos ministros

Além das atuais derrotas no STF, tributaristas também já observam as mudanças de composição entre os ministros da Corte. O desembargador Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a vaga do ministro aposentado Celso de Mello e aprovado em sabatina no Senado Federal nesta quarta-feira (21/10), já julgou teses tributárias no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) contra a União. Entretanto, tributaristas entrevistados pelo JOTA afirmam que não é possível declarar que o futuro ministro será um voto garantido a favor dos contribuintes no STF.

“No STF sabemos que existe um componente político. Cada ministro que chega se comporta de uma maneira e, depois, percebemos que essa forma de votar muda ao longo dos anos”, explica a tributarista Cristiane Romano.

Para o advogado Alberto Medeiros, a preocupação dos contribuintes deve ser grande. Isso porque, além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio sairá do Supremo em julho de 2021. “São ministros que interpretam as normas de forma mais protetiva aos contribuintes”, afirma.

Ele conclui que se atualmente há uma maior quantidade de ministros que enxerga as normas tributárias com a visão de maior legitimidade para o Estado tributar, as trocas na composição dos julgadores tem o “risco” de piorar a situação dos contribuintes no STF.

(JOTA - 02/11/2020)