Após pouco menos de um ano de tramitação, o Presidente interino sancionou a Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ("Estatuto da Empresa Estatal" ou "Lei"). De acordo com o texto da Lei, não haverá vacatio legis, de modo que o Estatuto da Empresa Estatal está em pleno vigor.É indiscutível a essencialidade da Lei publicada. Primeiramente, porque, embora não o faça expressamente, regulamenta o parágrafo único do art. 173 da Constituição Federal, conferindo a regulamentação aguardada desde a Emenda Constitucional nº 19/98. Em segundo lugar, foram preenchidas lacunas importantes e que ensejavam recorrentes controvérsias, mormente no que respeita ao regime de bens de titularidade das empresas estatais, aos aspectos de suas contratações e à aplicabilidade da Lei 8.666/93 ("Lei Federal de Licitações"), além da matéria fiscal, questões recorrentes nas pautas do Poder Judiciário e dos órgãos de controle.De acordo com o que determina o texto da Lei, o Estatuto da Empresa Estatal alcança as empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme definição inaugurada pelo Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, incluindo as empresas públicas e sociedades de economia mista dependentes (nos termos do inciso III do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), as que participam de consórcio e as que controlam sociedades de propósito específico.

Nada obstante, ficaram excetuadas do campo de incidência das regras sobre governança corporativa constantes da Lei, sem prejuízo das demais disposições sobre organização societária, licitações e contratações e sanções, as empresas públicas e sociedades de economia mistas que tiveram receita operacional bruta inferior a R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de reais) no exercício anterior, a menos que no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a partir da publicação do Estatuto da Empresa Estatal, os Poderes Executivos não editem atos que estabeleçam regramento próprio para tais estatais.

Cumpre notar que, adicionalmente à regulamentação das empresas estatais, o Estatuto da Empresa Estatal delineia as diretrizes para a governança aplicável àquelas sociedades que contam com a participação minoritária das empresas estatais e suas subsidiárias - designada por alguns administrativistas como semiestatais, cujo regime jurídico se revela como sendo ainda mais nebuloso. Adicionalmente, a Lei submeteu essa participação minoritária e a criação de subsidiárias das empresas estatais, como regra, à autorização legal, salvo, no caso da participação minoritária, nas hipóteses de operações de tesouraria, adjudicação de ações em garantia e participações autorizadas pelo Conselho de Administração em linha com o plano de negócios da entidade.Outrossim, acerca do marco legal cabível às empresas públicas e às sociedades de economia mista de capital fechado, ficou consignado que será aplicável, subsidiariamente, a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 ("Lei das Sociedades Anônimas"). Com relação a esta lei, grande parte de seus órgãos e normas sobre governança e transparência foram incorporados pelo PL, tendo sido até mesmo adotado o conceito de abuso de poder por parte dos acionistas controladores. Tal qual a Lei das Sociedades Anônimas, aplicar-se-ão subsidiariamente as normas da Comissão de Valores Mobiliários, inclusive no que toca a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras.Com efeito, a Lei previu a obrigatoriedade de os estatutos das sociedades estatais preverem a existência de conselho de administração (com no mínimo 7 e no máximo 11 membros), de cargos de diretor (com no mínimo 3 diretores), de conselho fiscal e do comitê de auditoria estatutário.Ademais, a Lei estabeleceu como condição para investidura em cargo de diretoria das estatais a assunção de compromisso com metas e resultados específicos a serem alcançados, devendo ser aprovado pelo Conselho de Administração, a quem também caberá a fiscalização de seu cumprimento, sob pena de seus integrantes responderem por omissão.A égide da Lei, o Conselho de Administração das estatais deve ser composto por, no mínimo, 25% de membros independentes ou por pelo menos 1 (caso haja decisão pelo exercício da faculdade do voto múltiplo pelos acionistas minoritários), que, dentre outras condições, não tenham vínculo com a empresa estatal de qualquer natureza nos últimos 3 anos, exceto participação de capital; não sejam cônjuges ou parentes consanguíneo ou afins, até o terceiro grau ou por adoção, de chefe do Poder Executivo, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado ou Município ou de administrador da estatal; não sejam fornecedores ou compradores, diretos ou indiretos, de serviços ou produtos; não sejam ou não tenham sido, nos últimos 3 anos, empregados ou diretores da estatal ou de sociedade controlada, coligada ou subsidiária.O Estatuto da Empresa Estatal pode representar notável avanço em termos de moralidade pública e eficiência pelo condicionamento da indicação de diretores a requisitos de extensa experiência no setor público e de pertinência ao objeto social da estatal, além de formação compatível e proibição da indicação de políticos em atuação, ministros, secretários de governo e daqueles enquadrados nas hipóteses de inelegibilidade previstos na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.Ao lado da preocupação com a indicação dos dirigentes, a Lei versa sobre as regras de estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno. Nesse sentido, resta clara a intenção de institucionalização das práticas de compliance e integridade corporativa, por meio da elaboração de código de conduta e integração e da criação de comitê de auditoria estatutário, a quem caberá opinar sobre a contratação de auditor independente, supervisionar a atividade desse último e, adicionalmente, coordenar e monitorar o controle interno, a elaboração das demonstrações financeiras e as medições divulgadas. Com relação ao comitê de auditoria estatutário, previu-se a obrigatoriedade de mecanismo de recebimento de denúncia (inclusive anônima) e divulgação das atas das reuniões.Com este mesmo espírito, o Estatuto da Empresa Estatal estabeleceu a limitação das despesas com publicidade e patrocínio em cada exercício ao limite de 0,5% da receita operacional bruta no exercício anterior e remeteu à incidência das normas penais contidas na Lei Federal de Licitações.Importante salientar o endosso pela Lei do instituto do procedimento de manifestação de interesse da iniciativa privada, do qual as empresas estatais poderão valer-se para o recebimento de propostas e projetos. Outro instituto crucial acolhido pela Lei foi a arbitragem, da qual as sociedades de economia mista poderão lançar mão para solucionar as divergências entre acionistas e a sociedade entre os acionistas controladores e os minoritários.No que tange às contratações, a Lei estabeleceu regras para a celebração de contratos por parte das empresas estatais, destinados à prestação de serviço, inclusive de engenharia e publicidade, locação e aquisição de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio e a execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como a implementação de ônus real sobre tais bens.Identifica-se inspiração na Lei nº 11.079/2004 ("Lei Federal de Parcerias Público-Privadas") - entre as quais se contam a remuneração variável vinculada ao desempenho, o regime de inversão de fases e a repartição objetiva de riscos - e na Lei nº 12.462/2011 ("Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC") - tais como o orçamento sigiloso do contrato, a contratação integrada, a fase recursal única e o modo de disputa aberto. Há, no entanto, previsões essencialmente originais em matéria de contratação, a exemplo do regime de contratação semiintegrada.Ressalte-se que foram previstas novas hipóteses de dispensa de licitação diferentes das já consagradas na Lei Federal de Licitações. De um lado, a lei procurou positivar situações corriqueiras, mas já amplamente pacificadas pelos tribunais de contas, tais como a contratação de produtos ou serviços relacionados ao fim do objeto social e a contratação de suas próprias subsidiárias. De outro lado, há previsão de hipóteses muito abertas que abrangem uma quantidade indefinida de situações, tais como compra e locação de imóvel, contratação de concessionário, permissionário e autorizatários que prestem serviço público pertinente, compra e venda de ações, de títulos de crédito e dívida e de bens que produzam ou comercializem.Observe-se, por fim, a dispensa de aditivo contratual para readequação de prazos ou preços contratuais, quando a modificação desses últimos decorrer de reajustes previstos no próprio contrato, ou de atualizações, compensações e penalizações inerentes às condições de pagamento definidas no instrumento (hipóteses em que o empenho de dotações orçamentárias suplementares, sempre respeitado o limite do seu valor corrigido, também não é considerado alteração do contrato).Embora determinado que o prazo contratual não deva exceder a 5 (cinco) anos, o Estatuto da Empresa Estatal excetua as hipóteses de previsão no plano de negócios ou quando a prática rotineira do tipo de contrato normalmente adote prazo maior. Na prática, uma vez que essas hipóteses podem compreender infinitas possibilidades, apenas se vedaram contratos por tempo indeterminado.Resta claro que o Estatuto da Empresa Estatal representará um dos mais importantes marcos regulatórios do país, em razão do protagonismo que as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias desempenham nos investimentos em infraestrutura e no desenvolvimento de novas tecnologias, setores fundamentais para a economia nacional.

(Jota-BR - 06.07.2016)

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