Energia Aumento da judicialização do setor elétrico cria insegurança para potenciais interessados nos ativos
Camila Maia e Rodrigo Polito | São Paulo e Rio
O resultado do leilão de relicitação de 29 hidrelétricas com concessões vencidas, marcado para 25 de novembro, enfrenta como principal desafio a insegurança jurídica, que pode limitar interesse dos investidores ou até mesmo colocar em risco a realização da disputa.
A agência reguladora aprovou ontem as regras de repactuação do risco hidrológico (medido pelo fator GSF, na sigla em inglês), mas a MP 688 ainda não virou lei e expira em dezembro. O leilão iria ocorrer dia 6, mas foi adiado para 25 deste mês, quando espera-se que a lei já esteja aprovada.
Considerando o cenário incerto enfrentado pelas companhias que operam no país, as concessões poderão ficar com grandes empresas estrangeiras, beneficiadas pelo câmbio. Ainda assim, os prazos estão muito apertados. Não haverá tempo hábil, por exemplo, para que as empresas visitem os empreendimentos. Por isso, o período pode não ser suficiente para que as grandes companhias tomem as decisões de investimento.
Há também muita incerteza sobre a adesão das companhias à criticada proposta da Aneel para repactuação do risco hidrológico e em relação às opções de financiamento do certame, cujo sucesso é essencial para que o governo cumpra as metas fiscais deste ano.
Além disso, geradoras que não aceitarem a proposta da Aneel podem inclusive tentar impedir a realização do leilão com medidas judiciais, alegando serem excluídas da MP 688, afirmou um advogado que não quis se identificar.
Pela proposta da Aneel, as geradoras terão até 4 de dezembro para aderir à proposta da agência reguladora, mas para isso terão que abrir mão das liminares que as protegem do risco hidrológico, que já são mais de 100.
A MP foi lançada em agosto para tratar da repactuação do GSF, mas também determinou as novas regras para esse leilão.
Desde 2005, os leilões de geração são vencidos por aqueles que oferecem menor preço, ou o maior deságio em relação ao preço-teto. Esse modelo visava garantir a modicidade tarifária. Esse leilão, porém, tem como finalidade a arrecadação de recursos ao Tesouro. Por isso, será cobrado um bônus da outorga para assinatura do contrato de concessão. O governo quer arrecadar R$ 17 bilhões em bônus - R$ 11 bilhões ainda neste ano.
Segundo a advogada Ana Karina Esteves de Souza, sócia do escritório Machado Meyer, como o leilão foi estruturado tendo por base uma MP com validade limitada, o atraso da conversão em lei teve o efeito de insegurança no mercado. Como era necessária solução urgente para o GSF, a Aneel começou a discutir a resolução do problema paralelamente à discussão da MP no Congresso, situação não ideal.
A proposta da agência saiu antes da lei, mas geradoras e associações têm indicado que a adesão não deve ser "massiva", por discordarem das condições. Não há relação direta entre a adesão à repactuação do risco hidrológico e a participação no leilão, mas as empresas dificilmente tomarão a decisão de investimento de longo prazo enquanto houver a ameaça do prejuízo bilionário do GSF.
"Acho muito difícil chegarem a uma solução antes do leilão, ainda há muito o que caminhar", disse Alexei Vivan, presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE). Ela acha que a disputa vai ocorrer independentemente de solução para o GSF, pois foram fixadas condições atrativas para isso.
As usinas vão destinar 100% da garantia física ao regime de cotas em 2016. A partir de 1º de setembro de 2017, esse percentual cai para 70%. A possibilidade de venda dos 30% restantes no mercado livre é um atrativo adicional, diz Vivan.
Um obstáculo apontado por especialistas é a questão financeira. "As regras do financiamento do Banco do Brasil e outras instituições aos participantes do leilão ainda não estão claras e os cálculos para decisões dos investidores não contam ainda com esses valores", afirmou o especialista Renato Queiroz, pesquisador do Grupo de Economia da Energia da UFRJ.
A possibilidade de se comercializar 30% da energia contratada no mercado livre também pode trazer insegurança, afirma Queiroz. "O histórico dos preços do mercado livre tem uma oscilação muito grande nos últimos anos", disse.
Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, professor Nivalde Castro, o adiamento do leilão e a possibilidade de um "pool" de bancos financiarem os projetos não resolve o problema central da licitação.
"O modelo do leilão está errado. Haverá um impacto tarifário sem benefício para o setor elétrico. É um dinheiro que está saindo do setor e indo direto para o Tesouro. O benefício para o ajuste fiscal será pequeno e de curto prazo. Mas o passivo para o setor elétrico será alto e de 30 anos", disse ele.
A obrigação de pagamento do bônus da outorga bilionário é vista como um impedimento para a Engie (ex-GSF Suez), afirmou Gustavo Labanca, diretor da empresa. "A principal barreira que vemos é o montante de volume inicial, muito alto", disse ele, completando que o "timing" é outro problema pois seria necessário um prazo maior para a aprovação da participação.
A Eletrobras, por sua vez, deve deixar de ter papel "protagonista" no certame, mas não descarta a participação, disse seu presidente, José da Costa Carvalho Neto. A Alupar teve aprovação do conselho para participar, se a proposta agregar valor. A Celesc também teve aprovação, com foco nos lotes de hidrelétricas em Santa Catarina.
(Valor Econômico - 04.11.2015, p. B3)
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