Joana Gayoso da Silva Marcel e Ricardo de Sequeira Toledo
O artigo 163 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que o instituto da imputação de pagamento é aplicável quando um mesmo contribuinte possui simultaneamente dois ou mais débitos vencidos em favor da mesma Pessoa Jurídica de direito público. Nessas situações, a Autoridade Fiscal competente para receber o pagamento poderá indicar o crédito tributário a ser quitado, observando os critérios previstos no referido dispositivo legal. Em inobservância à regra do CTN, as Autoridades Fazendárias Federais vêm realizando a imputação retroativa do pagamento de débitos quitados dentro do prazo de vencimento. Os valores têm sido utilizados para saldar dívidas de créditos tributários já extintos pela decadência ou pela prescrição, acarretando saldo devedor nos períodos posteriores.
Contrariando a legislação tributária, o Fisco vem dispensando não só os parâmetros de imputação veiculados pelo CTN como também a premissa que autoriza a utilização desse método considerando a existência simultânea de dois ou mais débitos vencidos.
Nessa hipótese, configura-se a violação ao artigo 163 do CTN, pois não há que se falar (i) na existência “simultânea” de “débitos vencidos”, na medida em que não se enquadram como vencidos os débitos pagos pelo contribuinte na data de seu vencimento e (ii) na existência de um débito, propriamente dito, em relação aos créditos tributários já extintos pela decadência ou pela prescrição, que, na realidade, configuram um “não débito”, justamente em razão dessa extinção prévia à imputação pretendida pelo Fisco.
Somos do entendimento de que, caso a Fazenda Nacional tivesse o poder de transferir e de confiscar pagamentos, fazendo imputações posteriores a todo e a qualquer suposto débito, não haveria mais aplicabilidade dos prazos de decadência e de prescrição.
Na prática, o procedimento adotado pelo Fisco Federal constitui justamente um artifício para pretender burlar a prescrição e a decadência, que representam hipóteses de extinção do crédito tributário nos termos do artigo 156, inciso V, do CTN.
Se a Fazenda Nacional pudesse remanejar os pagamentos de créditos tributários realizados dentro do prazo de vencimento para imputá-los a débitos pretéritos, teríamos como consequência a exigência de um saldo devedor, acrescido de multa e de juros moratórios, incidindo sobre débitos que o contribuinte efetivamente quitou respeitando a sua data de vencimento.
É justamente essa a pretensão do Fisco Federal ao desrespeitar as normas do CTN e os princípios da boa-fé do contribuinte, da segurança jurídica e do não confisco.
Os ensinamentos do professor Leandro Paulsen vão na mesma linha:
“Não se admite que o Fisco, pelo artifício da imputação em pagamento, contorne todas as formalidades a que deve submeter-se na exigência de seus créditos, cobrando do sujeito passivo tributo que este não deseja pagar, não teve oportunidade de impugnar e por vezes desconhece inteiramente.”
Diante desse cenário, entendemos não ser possível a realização da imputação da forma pretendida pelas Autoridades Fazendárias Federais, utilizando-se de pagamentos de débitos realizados no seu vencimento para alocação para débitos extintos pela prescrição ou pela decadência.