O debate ficou todo concentrado no tema das remunerações, que sem dúvida é importante e polêmico, mas o fato é que muitos ainda não atentaram para as mudanças ainda mais amplas trazidas pelo Formulário de Referência, documento que vai substituir o relatório de Informações Anuais (IAN) a partir do ano que vem, como parte da reformulação da instrução 202 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o registro das companhias abertas.
Uma versão aperfeiçoada do documento foi colocada em audiência pública pela CVM no mês passado e, após adiamento do prazo por uma semana, os agentes de mercado tem até amanhã, dia 9 de outubro, para manifestar suas opiniões.
Mas o fato é que a autarquia já deixou claro que não pretende mais mudar o conteúdo exigido pelo Formulário de Referência, esperando receber apenas informações sobre eventuais erros ou incongruências.
Desta forma, detalhes sobre o plano de investimentos, política de distribuição dos lucros, informações sobre patentes e marcas, participação de cada segmento operacional na receita e no lucro, indicação de tendências para as principais contas dos balanços, análise concorrencial do mercado, parâmetros de referência para o estabelecimento de metas, política de gestão de risco e outras informações passarão a ter que ser divulgadas todos os anos pelas empresas com ações listadas em bolsa.
A abrangência das informações obrigatórias tornará essas empresas dignas do título de companhia aberta. A questão que fica é se esse nível de transparência de fato beneficia ou não o acionista minoritário. De um lado é importante que ele saiba o que a administração está fazendo com a companhia. Do outro, a divulgação de informações consideradas estratégicas pode ser uma arma para os concorrentes de capital fechado, o que poderia prejudicar o desempenho da companhia investida.
Essa preocupação foi manifestada para CVM não apenas pela Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), mas também por empresas como Natura, Vivo e Telefônica.
O relatório da audiência pública do Formulário de Referência traz diversas manifestações de empresas e outras entidades em relação a diversas novidades presentes na minuta da nova norma.
O fato é que esses argumentos levaram a CVM a reconhecer, em alguns casos, que o texto proposto inicialmente pedia informações demais das companhias. Alguns exemplos são o pedido para que as empresas informassem: os métodos usados para enfrentar a concorrência; a distribuição geográfica e por ramo de atividade de novos investimentos; e a indicação de possíveis compras de plantas ou patentes, ou desenvolvimentos de produtos que estivessem estudo pela empresa, assim como os recursos gastos para o lançamento de cada produto.
Mesmo tendo cedido em alguns pontos, o órgão regulador foi firme em outras questões, contrariando a argumentação das companhias.
A Natura, por exemplo, era contra a divulgação, "sem reservas", da política de destinação dos resultados, alegando que isso "pode revelar indevidamente estratégias de gestão e de aplicação de recursos, trazendo prejuízo ao emissor". Mas não foi atendida pela CVM.
Citando a possibilidade de forte desequilíbrio concorrencial, a empresa de cosméticos criticou também a divulgação da participação de cada produto na receita e no lucro da companhia. Em relação a esta questão, a CVM manteve a abertura dos dados, mas por segmento operacional.
A Natura foi contra ainda a abertura de informações sobre patentes e licenças, sobre a política de recursos humanos e das tendências para as contas dos balanços, mas não foi atendida pela autarquia, que manteve as obrigações.
De sua parte, a Telefônica defendeu que o diretor de Finanças assinasse o Formulário de Referência, e não o diretor de Relações com Investidores. Mas a CVM manteve sua posição inicial.
Também sem ser atendida, a Abrasca pediu a exclusão de toda a seção que tratava de riscos de mercado, dizendo que isso acarretaria na revelação de "toda a estratégia financeira das companhias, incluindo informações confidenciais".
A entidade que representa as companhias abertas também não queria que fosse obrigatória a avaliação do emissor sobre capacidade de conseguir financiamentos adicionais, ao comentar seu endividamento. No entanto, o comando permaneceu no Formulário de Referência.
Telesp e Vivo não queriam que empresas divulgassem informação sobre seguro do tipo D & O (Directors & Officers) que pagam para seus executivos e administradores, alegando que se trata de informação sigilosa e estratégica. A CVM manteve a obrigação de transparência sobre esse tema, argumentando que é importante para o investidor saber dessa "transferência de responsabilidade" por dois motivos: "ser um desincentivo para que os administradores cumpram rigorosamente a regulamentação do mercado de valores mobiliários; e onerar o emissor com despesas que, em princípio, deveriam ser suportadas pelo administrador que causou a infração."
Percepção positiva.
Mesmo tendo sido contrariada pela autarquia em diversos pontos, a Abrasca avaliou que, "de uma maneira geral", o resultado da audiência pública foi muito bom. "O Formulário de Referência dará mais agilidade para as emissões, o que é uma coisa positiva", afirmou Antonio de Castro, presidente da entidade, poucos dias após a apresentação do novo Formulário. Ele ressaltou na ocasião, no entanto, que as comissões jurídica e de mercado de capitais da Abrasca ainda analisariam os detalhes da nova versão do documento.
Castro admite que a revelação de parte das informações exigidas pode gerar um desequilíbrio entre as empresas abertas, que ainda são minoria no Brasil, e suas concorrentes de capital fechado. "Isso gera certa preocupação", afirmou. Apesar disso, ele não vê a nova regulamentação como um desestímulo capaz de impedir movimentos de abertura de capital, ou gerar uma debandada das companhias abertas. "As empresas que abrem o capital querem jogar na primeira divisão, com as melhores regras, mesmo que não captem recursos", disse o presidente da Abrasca. "Obviamente que tem custos adicionais, mas isso é compensado pela percepção que a empresa aberta tem no mercado", ponderou.
Esta avaliação é corroborada por Eliana Chimenti, sócia da área de mercado de capitais do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, para quem as novas regras também não vão inibir novas aberturas de capital. Segundo ela, foi possível perceber que a CVM realmente analisou os comentários que recebeu, e que levou em consideração as ponderações feitas pelo mercado. "Em alguns casos ela não atendeu porque isso levaria a uma alteração no sistema (de computador) que será usado. Pesando tudo isso, ela atendeu os comentários", afirmou.
Para explicar sua análise, Eliana citou como exemplo o caso da remuneração. Na visão dela, pedir a média dos pagamentos e também a maior e menor remuneração dentro de cada órgão não expõe o administrador e ao mesmo tempo permite que se conheça o peso de cada pessoa no comando da empresa. 'Saber o salário individualmente não é o mais relevante. Mas saber a concentração e a dependência de uma pessoa sim", disse.
(Fernando Torres | Valor)
(Valor Online 08.10.2009)
(Notícia na Íntegra)
