Por: Cristiane Romano e Diana Piatti Lobo

Quem não se adequar ao movimento perderá espaço

No universo jurídico, os últimos dois anos foram de grandes avanços para as mulheres. Em 2016, a Ministra Laurita Vaz tomou posse como Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a obrigação de pautar os julgamentos que serão submetidos ao plenário da Corte e administrar o tribunal formado por 27 ministros e 6 ministras.

No mesmo ano, a Ministra Carmem Lúcia assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), tendo como atribuições dirigir e representar a mais alta corte do País, formada por 11 ministros, dos quais 9 são homens. E no cargo de chefe da Advocacia-Geral da União, representando as quatro carreiras públicas – Advocacia da União, Procuradoria Federal, Procuradoria da Fazenda Nacional e Procuradoria do Banco Central, foi nomeada a servidora de carreira, Grace Mendonça. Mais recentemente, a ascensão feminina na carreira jurídica teve como expoente a nomeação de Raquel Dodge para o cargo de Procuradora-Geral da República, a primeira a ocupar esse posto. Essas quatro mulheres estão ocupando hoje os postos mais altos em suas respectivas carreiras e juntas comandam a cúpula do Poder Judiciário.

Mas essa ascensão das mulheres na carreira jurídica pública tem sido lenta. Segundo o Censo do Poder Judiciário de 2013[1], apenas 35,9% dos membros da magistratura são mulheres, sendo que a participação feminina é ainda mais reduzida entre os Desembargadores (21,5%) e Ministros de Tribunais Superiores (18,4%).

A primeira magistrada – Auri Moura Costa – ingressou na carreira em 1939. Foi apenas em 1990, mais de meio século depois, que a primeira mulher passou a fazer parte do colegiado de uma corte superior, com a posse de Cnéa Cimini Moreira no Tribunal Superior do Trabalho. No Supremo Tribunal Federal, a presença feminina só se transformou em realidade em 2000, quando Ellen Gracie Northfleet foi nomeada ministra. Na advocacia privada, a realidade não parece ser muito diferente. Myrthes Gomes de Campos foi a primeira advogada do Brasil, habilitada a exercer a profissão no início do século XX, mais precisamente em 1906.

Entretanto, mais de 100 anos depois, as mulheres ainda são minorias entre as sócias de escritórios de advocacia. Hoje, as mulheres representam em média 47% do número de inscritos na OAB e são maioria nos bancos das universidades de Direito. O percentual de 47% entre os advogados inscritos no país denota que a profissão não é um reduto masculino. Paradoxalmente, estima-se que, no Brasil, as mulheres representem entre 20% e 30% dos sócios nas bancas de advocacia, o que revela que a elite da advocacia continua sendo essencialmente masculina.

Os dados da OAB chamam a atenção. Hoje as mulheres são quase a metade entre os advogados inscritos (511.698 mil contra 548.707 homens) e já são maioria entre os estagiários inscritos (18.313 mil contra 15.711 mil homens). Os números apontam para um crescimento cada vez maior da participação feminina na advocacia. A tendência é que, com o passar dos anos, o aumento no quadro geral de advogadas acarrete, também, uma majoração no número de mulheres na liderança das sociedades de advogados. De toda forma, o que ainda se verifica hoje é uma participação bastante tímida.

O levantamento feito pela socióloga da Universidade Federal de São Carlos, Maria da Glória Bonelli[2], apontou que hoje as sócias não chegam a 30% do total de sócios nos escritórios de advocacia, a depender do tamanho do escritório. Com base nos dados de 198 sociedades de São Paulo filiadas ao Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), a pesquisadora concluiu que há mais chances de crescimento para as advogadas nas bancas de médio (de 10 a 50 advogados) e grande (acima de 50 advogados) porte, enquanto que nos escritórios menores (de até 9 advogados), as advogadas tendem a permanecer na posição de associada, sem alcançar a sociedade. Isso denota que a participação feminina na advocacia pode ser refletida em uma pirâmide: no começo com uma proporção de mulheres superior ou igual a dos homens. E a medida em que se avança na carreira, a participação feminina vai se tornando cada vez menos frequente. No topo da sociedade – e no da pirâmide – a equação se inverte e a proporção de homens é, em geral, expressivamente maior do que de mulheres.

Mas será que é realmente vantajoso para as sociedades de advogados ter um quadro de dirigentes formado exclusivamente ou majoritariamente por homens? Ruth Ginsburg, Juíza da Suprema Corte Americana e hoje considerada uma personalidade naquele país, afirma que as mulheres, assim como pessoas de diferentes grupos raciais ou origens étnicas, contribuem com a “distinta miscelânea de visões influenciadas por diferenças biológicas, culturais e de experiência de vida”.

Um sistema de justiça seria mais rico com a diversidade de origens e de experiências. E essa máxima se aplica a qualquer organização de pessoas, inclusive as sociedades de advogados e Poder Judiciário. É a diversidade que enriquece o debate. Em termos mais pragmáticos, a igualdade de gêneros no ambiente de trabalho é necessária também para garantir o melhor atendimento ao cliente e a lucratividade do escritório. O movimento em defesa da diversidade já atingiu muitas multinacionais, que passaram a exigir dos prestadores de serviços – inclusive dos escritórios de advocacia – a comprovação do respeito aos gêneros e das minorias. Não é só uma questão de preço ou de técnica. O cliente contratará a banca que partilhar dos mesmos valores, sendo a diversidade de gênero um desses valores.

Para se alcançar a igualdade de gênero, pode-se implementar medidas como a realização de programas de mentoria e networking voltados para as mulheres; a adoção de uma política de flexibilidade que permita a conciliação da vida profissional com a vida familiar; o estímulo e conscientização da participação masculina no debate de diversidade de gênero; a implementação de políticas que impeçam comportamentos ofensivos, entre outras.

Esse movimento de busca pela igualdade de gênero está cada vez mais generalizado no mercado jurídico. E quem não se adequar perderá o espaço.

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Referências:

[1] Durante os meses de 2013, 64% dos magistrados (quase 11 mil) e 60% dos servidores (mais de 170 mil) de todos os 94 tribunais e conselhos responderam à pesquisa de iniciativa do Conselho Nacional de Justiça.
[2] BONELLI, Maria da Glória, BENEDITO, Camila Di Pieri. Processos globalizantes na advocacia paulista: estratificação genderizada nas sociedades de advogados e nos negócios do Direito. In: BONELLI, Maria da Glória, SIQUEIRA, Wellington Luiz. Profissões Republicanas: experiências brasileiras no profissionalismo. São Carlos: EdUFSCar, 2016, p.87.

Cristiane Romano – Sócia do Machado Meyer Advogados

Diana Piatti Lobo – Associada do Machado Meyer Advogados

JOTA
https://www.jota.info/colunas/coluna-do-machado-meyer/o-direito-e-o-desafio-por-igualdade-entre-homens-e-mulheres-28122017

(Notícia na íntegra)